18.04.2013 Views

O Tempo e o Vento - O Continente - Tomo II - OpenDrive

O Tempo e o Vento - O Continente - Tomo II - OpenDrive

O Tempo e o Vento - O Continente - Tomo II - OpenDrive

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

1<br />

tórax, num estalar de costelas - uma cara contorcida pela dor e pelo medo, com o sangue a<br />

escorrer pelos cantos da boca...<br />

E agora, ali junto da mãe, pensando em tudo isso, Bolívar mais uma vez teve vontade de<br />

desabafar com ela, contar-lhe o que nunca contara a ninguém. Queria dizer: "Foi de mau que<br />

matei ele. O combate tinha terminado. O quadrado estava rompido. Os argentinos se<br />

entregavam. Foi então que vi aquele homem. Olhou pra mim, ergueu os braços e gritou: Amigo,<br />

amigo! Estava doido de medo, o pobre... Estava desarmado... Esporeei o cavalo, arranquei pra<br />

cima dele e enterrei-lhe a lança no peito. Eu estava como louco, meio cego... O homem caiu de<br />

costas com a lança espetada no peito e eu fiquei olhando... Era bem moço e estava de olhos<br />

vidrados. Eu matei aquele homem por maldade. Mas não sou bandido, mãe, juro por Deus que<br />

não sou!”<br />

Bolívar olhava para a mãe mas não dizia nada. Falava apenas em pensamento, confessava<br />

tudo. E em pensamento também chorava, tirava aquela ânsia do peito, desabafava...<br />

Como se tivesse ouvido as palavras que o filho não pronunciara, Bibiana começou a passarlhe<br />

as mãos pelos cabelos e a dizer:<br />

- Não é nada, Boli. Guerra é guerra.<br />

Ela sempre lhe contava as histórias do capitão Rodrigo e as que sua avó Ana Terra lhe<br />

narrara sobre revoluções, violências e crueldades. Parecia que aquelas mulheres estavam<br />

habituadas à'idéia de que um homem para ser bem macho precisava ter matado pelo menos um<br />

outro homem.<br />

- Sonhei que o morto estava em cima do meu peito - disse Bolívar - e que o sangue que saía<br />

da boca dele escorria pra dentro da minha e me afogava...<br />

- Por que não esquece isso, meu filho? O que passou passou.<br />

- Mas não passou, mãe. De vez em quando o sonho volta. Cada vez que ele vem, é o<br />

mesmo que matar de novo aquele homem.<br />

- São os nervos, Boli. É por causa de amanhã.<br />

No dia seguinte ia haver uma festa no Sobrado para festejar o contrato de casamento de<br />

Bolívar com Luzia Silva. Era natural que o noivo estivesse preocupado. Bibiana tomou de novo o<br />

castiçal e ergueu-o diante do rosto de Bolívar. Viu a chama refletida nas pupilas do filho, uma<br />

pequena vela acesa em cada olho.<br />

- Agora dorme. Tudo passa. Fecha os olhos e faz força pra não pensar.<br />

Bolívar cerrou os olhos e pediu:<br />

- Deixa a lamparina acesa.<br />

- A lamparina? - estranhou ela.<br />

- A vela, digo.<br />

Lembrou-se dos tempos de menino quando suplicava: "Não apaga a luz, que eu tenho<br />

medo".<br />

Os dedos dela eram frescos e leves sobre sua testa. Sentiu quando ela se erguia, ouviu-lhe<br />

os passos macios nas tábuas do soalho e o ruído da porta que se fechava de mansinho. De novo<br />

teve a sensação de abandono e de inexplicável medo. No silêncio começou a ouvir o tique-taque<br />

do relógio sobre a mesinha-de-cabeceira.<br />

Era o relógio que pertencera a seu avô, Pedro Terra. Quando menino Bolívar costumava<br />

pedir ao velho que lhe deixasse escutar o coração do relógio. "Não é coração, Boli. É uma<br />

máquina" - explicava Pedro. O coração de Pedro Terra tinha parado para sempre. Mas o do<br />

relógio ainda continuava a bater.<br />

1 Este livro foi digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de facilitar o acesso ao<br />

conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem<br />

novas obras.<br />

Se quiser outros títulos procure por http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros. Será um prazer recebê-lo em<br />

nosso grupo.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!