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O Tempo e o Vento - O Continente - Tomo II - OpenDrive

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- Há de viver, sim, se Deus quiser.<br />

Aguinaldo fechou um olho, ficou um instante como que dormindo na pontaria e finalmente<br />

perguntou:<br />

- Mas será que o Velho quer mesmo?<br />

Dessa conversa resultou um novo donativo gordo para a Igreja. O vigário o recebeu<br />

sorrindo e a refletir assim: Esse caboclo pensa que pode comprar a dinheiro favores de Deus.<br />

Mas bendisse os cruzados do pernambucano, pois precisava deles para custear um puxado que ia<br />

fazer na casa paroquial e para comprar uns castiçais novos para o altar-mor.<br />

Quando Luzia deixou o colégio e mudou-se para Santa Fé, onde passou a ser a "senhora do<br />

Sobrado", todos acharam que, mais do que ninguém, ela merecia o título. E durante muito tempo<br />

a neta de Aguinaldo Silva foi o assunto predileto das conversas da vila. As mulheres reparavam<br />

nos seus vestidos, nos seus penteados, nos seus "modos de cidade", mas, bisonhas, não tinham<br />

coragem de se aproximar da recém-chegada, tomadas duma grande timidez e duma sensação de<br />

inferioridade. Em muitas esse acanhamento se transformava em hostilidade; noutras tomava a<br />

forma de maledicência. Luzia era rica, era bonita, tocava cítara - instrumento que pouca gente ou<br />

ninguém ali na vila jamais ouvira - sabia recitar versos, tinha bela caligrafia, e lia até livros. Os que<br />

achavam que Santa Fé não podia dar-se o luxo de ter um sobrado como o de Aguinaldo, agora<br />

acrescentavam que a vila também "não comportava" uma moça como Luzia. Para alguns severos<br />

pais de família tudo aquilo que a forasteira era e tinha constituía uma extravagância ostensiva que<br />

os deixava até meio afrontados. E quando viam Luzia metida nos seus vestidos de renda, de<br />

cintura muito fina e saia rodada; quando aspiravam o perfume que emanava dela, não podiam<br />

fugir à impressão de que a neta do pernambucano era uma "mulher perdida" e portanto um<br />

exemplo perigoso para as moças do lugar. Por outro lado, o passado escuro de Aguinaldo não<br />

contribuía em nada para melhorar a situação da moça. Aqueles homens, dum realismo rude,<br />

olhavam para o Sobrado e para seus moradores como para intrusos e acabavam dizendo: "Isso<br />

não vai dar certo".<br />

Os rapazes da vila, conquanto se sentissem atraídos por Luzia, concluíam quase todos que<br />

ela não era o tipo que desejavam para esposa. A moça causava-lhes um vago medo que eles não<br />

sabiam explicar com clareza, mas que em geral resumiam para si mesmos numa frase: "Não nasci<br />

pra corno". No entanto, desde o momento em que a rapariga chegara, Bolívar Cambará e<br />

Florêncio Terra ficaram fascinados por ela, cercaram-na de atenções e não perdiam pretexto para<br />

visitar o Sobrado. Faziam isso, porém, de maneira diferente. Bolívar não escondia seus<br />

sentimentos: mostrava-se como sôfrego, apaixonado, explosivo. Florêncio, entretanto, mantinhase<br />

reservado, silencioso, mas duma fidelidade canina; portava-se, em suma, como um cachorro<br />

triste que - temendo ou sabendo não ser querido pela dona - limitava-se a ficar de longe a<br />

contemplá-la com olhos cálidos e compridos, cheio dum amor dedicado mas que não tem<br />

coragem de se exprimir.<br />

Aguinaldo percebera tudo desde a primeira hora e observava, deliciado, a maneira como a<br />

neta tratava os dois rapazes, mangando com ambos, dando a um e outro esperanças que ela<br />

própria se encarregava de desmanchar dias ou horas depois com um gesto, uma palavra ou um<br />

encolher de ombros.<br />

Como era natural a história se espalhou depressa pela vila: Bolívar e Florêncio, primos<br />

irmãos e amigos de infância, estavam apaixonados por Luzia Silva. Qual dos dois a moça iria<br />

escolher?<br />

- Escolhe o Florêncio - dizia um - porque é o preferido do Velho.<br />

- Não. O preferido do Aguinaldo é o Bolívar - afirmava outro.<br />

- Mas, no fim de contas, qual é o preferido da moça?<br />

- Decerto os dois! - maliciava um terceiro. - Ela tem olhos de mulher falsa.<br />

- Mas não pode casar com os dois...

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