O Tempo e o Vento - O Continente - Tomo II - OpenDrive
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espinha. Sua cabeça latejava com força e de repente ele se lembrou dum homem que um dia vira<br />
cair em plena rua, fulminado por um ataque de cabeça.<br />
- Vosmecê também acha que o negrinho está inocente?<br />
Luzia encolheu os ombros.<br />
- Eu não acho nada. Vosmecê é que devia saber o que dizia quando falou às autoridades.<br />
Bolívar fez um gesto de impaciência e meteu os dedos trêmulos pelos cabelos. Procurou<br />
alguma coisa para dizer, mas não encontrou nada. Teve vontade de mandar todos para os confins<br />
do inferno.<br />
- Mas como é... - principiou - como é... o...<br />
Calou-se de novo. Tinha-se feito um hiato na conversação e de repente a sala ficara<br />
silenciosa e os olhos do dr. Winter, de Florêncio e de Bibiana estavam voltados para o sofá.<br />
- Será que já começaram a brigar? - troçou Aguinaldo, fazendo com a cabeça um sinal na<br />
direção dos noivos. - Tem tempo, meninos, tem tempo!<br />
Florêncio olhava para Luzia e achava-a parecida com uma imagem de Santa Rita que ele<br />
vira nas Missões.<br />
O dr. Winter, o dr. Nepomuceno e o dono da casa de novo entraram numa discussão<br />
política, e Bibiana agora contava animadamente à interlocutora o que costumava fazer para secar<br />
a roupa lavada em dias de chuva; a mulher do juiz, com a mão em concha atrás da orelha,<br />
escutava-a arfante e atenta.<br />
- Falta só meia hora - murmurou Luzia, lançando um rápido olhar para o relógio de<br />
pêndulo.<br />
Alguém abriu uma porta nos fundos da casa e a brisa entrou na sala trazendo um cheiro de<br />
cozinha que, ao passar por Luzia, se misturou com um perfume de essência de rosas e de pele<br />
limpa de mulher recém-saída do banho - o que contribuiu para aumentar a confusão de Bolívar,<br />
que de repente sentiu pela noiva um desejo estúpido que era ao mesmo tempo náusea, medo e<br />
impotência. Seus olhos voltaram-se mais uma vez para o mostrador do relógio grande, e ele<br />
tornou a ver o gato enforcado, e o grito do animal cruzou-lhe o espírito.<br />
Bolívar ergueu-se como que impelido por uma mola, e caminhou apressado para a janela.<br />
Luzia seguiu-o com o olhar, depois voltou a cabeça para Florêncio e sorriu. O rapaz respondeu<br />
com um sorriso meio constrangido e perguntou:<br />
- Que foi que houve?<br />
- Seu primo está nervoso.<br />
Aguinaldo soltou uma risada.<br />
- É natural. No dia que contratei casamento fiquei tão nervoso que até me deu uma soltura.<br />
- Vovô! - repreendeu-o Luzia. - Isso não se diz.<br />
Bibiana olhava apreensiva para o filho. Junto da janela Bolívar mal enxergava o que se<br />
passava na praça, pois diante de seus olhos manchas dum preto esverdeado dançavam,<br />
estonteantes. Mais uma vez teve vontade de arrancar fora o colarinho, a gravata, o colete, sair<br />
correndo daquela casa, montar a cavalo e meter-se campo adentro a galope.<br />
Sentiu que lhe seguravam o braço. Voltou-se: era a mãe. Tinha nas mãos um copo de<br />
refresco.<br />
- Beba mais um pouco, meu filho.<br />
Sem pensar, Bolívar obedeceu. Emborcou o copo e bebeu toda a limonada dum sorvo só.<br />
O líquido adocicado, meio enjoativo e pegajoso, lhe desceu com dificuldade goela abaixo.<br />
- Vá agora sentar-se perto da sua noiva - sussurrou-lhe Bibiana. - Coragem! Isso passa.<br />
Bolívar voltou para o sofá.<br />
Aguinaldo agora contava coisas do Angico ao juiz de direito e ao médico.<br />
- Minha cavalhada anda muito ruim. Essas guerras estragam os nossos rebanhos. É uma<br />
lástima. Muito cavalo superior se perdeu na Guerra dos Farrapos. Miles de miles - concluiu<br />
Aguinaldo, enrolando um cigarro.<br />
O juiz sacudia a cabeça lentamente, de olhos meio cerrados.