O Tempo e o Vento - O Continente - Tomo II - OpenDrive
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acontecido. E mesmo que ela dissesse, não adiantava nada. Os moços nunca aceitam muito as<br />
razões dos velhos. Além disso, o diabo do nortista era jeitoso, sabia falar bem, tinha mel na voz.<br />
E quando Luzia chegou da Corte e os meninos começaram a andar atrás dela como cachorrinhos<br />
assanhados ao redor duma cadela, seu primeiro ímpeto foi o de levar Boli para longe, a fim de<br />
evitar que ele se apaixonasse pela forasteira.<br />
Foi então que lhe veio aquela idéia doida... A coisa aconteceu de madrugada. Ela acordou<br />
de repente, pensando no marido. Teria sonhado com ele? Não se lembrava. Mas ficou em todo<br />
caso pensando na noite da morte de Rodrigo... Ela estava sozinha em casa, com o coração<br />
pulando no peito e uma apertura na garganta; ouvia o pipocar do tiroteio e esperava em agonia o<br />
fim do combate. E quando o padre Lara lhe apareceu, não foi preciso que ele dissesse uma única<br />
palavra. Ela adivinhou tudo: tinham matado seu homem! Mais tarde lhe contaram que o capitão<br />
recebera um balaço no peito quando tentava tomar o casarão dos Amarais. Tomar o casarão.<br />
Sentada na cama, no quarto escuro, ela começou a pensar no Sobrado, nas suas árvores, em<br />
Luzia e em Bolívar. Tomar o Sobrado... Se Bolívar casasse com Luzia, ele ficava sendo o dono do<br />
Sobrado. Ela, Bibiana, iria viver com o filho, voltaria para o seu chão... Aguinaldo estava velho e<br />
não podia durar muito tempo... No princípio ia ser difícil viver com aquele corcunda, sob o<br />
mesmo teto. Mas a casa afinal de contas era grande, e sua posse valia todos os sacrifícios...<br />
Naquela noite Bibiana tomou a grande resolução. Ia casar Bolívar com Luzia. A moça podia<br />
ser leviana, podia ser isto e mais aquilo. Mas seu filho afinal tinha nas veias o sangue do capitão<br />
Rodrigo, e nunca um Cambará se deixaria dominar por uma mulher. Fosse como fosse, ela estaria<br />
sempre junto dele para ampará-lo e dar-lhe conselhos...<br />
Estava resolvido: ia tomar o Sobrado. Não de assalto, aos tiros, como o capitão Rodrigo.<br />
Agora não havia nenhuma pressa. Era mulher, tinha paciência, estava acostumada a esperar...<br />
Que era um ano, dois anos, dez anos? Um dia Aguinaldo morre, Bolívar fica de dono de tudo, eu<br />
volto pras minhas árvores, vou ver nascer os filhos de meu filho, vou ajudar a criar meus netos...<br />
Bibiana agora sorria para seus pensamentos. Mas no fundo do coração ela temia o que<br />
pudesse acontecer.<br />
Faltavam poucos minutos para as quatro quando Florêncio apareceu.<br />
- Está quase na hora - disse ele. - Vamos embora?<br />
Por que será que esse menino não olha direito pra mim? - estranhou Bibiana.<br />
- Vamos, Boli - disse ela. - O noivo não pode chegar tarde.<br />
Dirigiu-se à outra peça para apanhar o guarda-sol, e ao passar pelo sobrinho, perguntou:<br />
- E o Juvenal?<br />
Sem encarar a tia o rapaz deu uma resposta evasiva:<br />
- O papai está em casa.<br />
- Brabo com a gente?<br />
Florêncio hesitou.<br />
- N... não. Por que havia de estar?<br />
- Ele é contra este noivado.<br />
- Não é bem assim, titia.<br />
- É. Eu sei.<br />
- A senhora compreende... O velho é opiniático.<br />
- Basta ser Terra.<br />
Florêncio sorriu, brincando com o chapéu. O suor escorria-lhe pela testa e seus olhos<br />
estavam estriados de sangue. Coitado - pensou Bibiana. E sorriu com simpatia para o sobrinho.<br />
Saíram. A claridade da tarde era tão forte que por um instante os deixou ofuscados.<br />
Começaram a caminhar de olhos apertados. Sob o guarda-sol aberto, Bibiana ia muito tesa no seu<br />
vestido de cassa preta, ladeada pelos dois rapazes. Ar parado. As sombras sobre a terra vermelha<br />
eram dum preto arroxeado. Corvos voavam contra o azul desbotado e luminoso do céu.