O Tempo e o Vento - O Continente - Tomo II - OpenDrive
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- Boli, vamos dar um passeio lá no quintal.<br />
O outro não se moveu. Florêncio obrigou-o a levantar-se. Bolívar deixou-se arrastar pelo<br />
primo para fora da sala.<br />
- Vou mandar fazer um chá de folha de laranjeira pra ele - disse Aguinaldo.<br />
Os olhos de Bibiana Terra chisparam.<br />
- Meu filho não é mulher pra tomar chás, seu Aguinaldo. Nesta terra não há nenhum<br />
homem mais macho que o Bolívar. Quem tiver dúvida que experimente.<br />
Passeou rapidamente o olhar em torno, num desafio, fez meia volta e saiu no encalço dos<br />
dois rapazes.<br />
Como se nada tivesse acontecido, Luzia continuava a dedilhar a cítara. Um reflexo da<br />
bandeirola da janela manchava-lhe a testa de verde.<br />
A teiniaguá - pensou o Dr. Carl Winter. E ficou olhando para o "animal", como que<br />
enfeitiçado...<br />
- V<strong>II</strong>I -<br />
Quando o padre Otero chegou ao Sobrado por volta das cinco e meia, Bibiana, o filho e o<br />
sobrinho já se haviam retirado. O vigário entrou com ar cansado, cumprimentou os presentes e<br />
foi sentar-se a um canto da sala, na sua cadeira de balanço predileta. Era um homem baixo e<br />
franzino, ainda moço; tinha um rosto alongado, duma palidez esverdeada de hepático. De tão<br />
surrada sua batina já se fazia ruça e estava toda manchada de sebo.<br />
- Come uns docinhos, padre? - perguntou Aguinaldo. O vigário sacudiu melancolicamente a<br />
cabeça.<br />
- Não. Muito obrigado.<br />
- Uma talhada de melancia?<br />
- Também não. Não estou com fome.<br />
- Então vamos tomar um licorzinho de pêssego...<br />
O padre Otero fez primeiro uma careta de dúvida; depois decidiu:<br />
- Está bem, aceito.<br />
Aguinaldo gritou para Rosa que trouxesse o licor. Luzia dedilhava ainda a cítara, de leve. Já<br />
tinha tocado quase tudo quanto sabia e a saída do noivo não a deixara nem um pouco perturbada.<br />
- Então, vigário? - perguntou o dr. Nepomuceno. - Que nos conta?<br />
O sacerdote fez um gesto desalentado.<br />
- Consummatum est.<br />
Houve um curto silêncio, ao cabo do qual o dr. Winter perguntou:<br />
- E o condenado... como se portou?<br />
- Não fez a menor queixa. Não fez nenhum pedido especial. Confessou-se e na hora de<br />
morrer beijou o crucifixo. Seus lábios tremiam, mas seus olhos estavam secos. Não soltou um ai.<br />
Morreu como um homem.<br />
Luzia ergueu a cabeça e indagou:<br />
- E na hora da confissão... ele confessou o crime, ou repetiu que estava inocente?<br />
- Minha filha - respondeu o padre com triste calma - não posso quebrar o sigilo do<br />
confessionário.<br />
O juiz de direito ergueu os olhos bovinos para Luzia e reforçou.<br />
- É. Ele não pode. Não pode.A moça começou a tocar em surdina uma barcarola, ao<br />
mesmo tempo que dizia:<br />
- Uma vez na Corte, quando eu era menina, vi um enforcamento. Ah! Mas foi muito mais<br />
bonito que este. Enfim, Santa Fé é apenas uma vila. Não pode se comparar com o Rio de Janeiro,<br />
é natural.- Olhava para os próprios dedos, como que enamorada deles. Prosseguiu: - O<br />
condenado era um turco que tinha matado a mulher. Seu último pedido foi um cálice de vinho do