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O Tempo e o Vento - O Continente - Tomo II - OpenDrive

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depois começou a tocar em surdina a Serenata de Haydn. A musiquinha doce encheu o quarto,<br />

fugiu para a noite.<br />

“Nunca esta melodia andou no ar de Santa Fé” - pensou Winter com esquisita satisfação.<br />

Continuou a tocar marcando o compasso com o pé longo e descarnado, enquanto em sua mente<br />

Hans, Joseph e Hugo faziam o acompanhamento em pizzicato. Era como se o velho quarteto de<br />

amigos se tivesse reunido de novo para um serão musical.<br />

Na praça, sob a figueira, Bolívar dormia, recostado ao velho tronco, com a cabeça caída<br />

sobre o peito, a boca entreaberta. A seu lado, fumando em paz, Florêncio velava o sono do<br />

amigo, como um anjo da guarda.<br />

- VI -<br />

Sentada na cama, com o busto muito teso, as mãos pousadas no colo, Bibiana contemplava<br />

o filho que, diante do pequeno espelho, procurava dar a laçada na gravata de seda preta. Ela viu<br />

que o colarinho alto e engomado sufocava o rapaz, e que sua roupa domingueira de casimira<br />

preta o deixava contrafeito e ao mesmo tempo irritado. O suor escorria-lhe em grossas bagas<br />

pelo rosto, empapando-lhe o colarinho e a camisa. Bolívar fungava e bufava, impaciente,<br />

enquanto seus dedos desajeitados lutavam em vão com a gravata.<br />

Como ele está abatido! - refletiu Bibiana. - Também, passou a noite em claro e não é<br />

brincadeira ficar noivo duma moça como Luzia Silva. Tem de estar nervoso mesmo...<br />

- Não posso! - exclamou Bolívar, dando um puxão na gravata. - Não sei arrumar esta<br />

porcaria.<br />

- Tenha paciência, meu filho.<br />

- Não posso!<br />

- Pode, sim. Querer é poder.<br />

Bibiana lembrou-se de sua avó e achou graça por ter falado exatamente como ela. Querer é<br />

poder. Se Ana Terra estivesse ali agora ia ficar orgulhosa do bisneto. Se o capitão Rodrigo<br />

pudesse ver o Bolívar crescido...<br />

Seus olhos de repente se turvaram de saudade. E ela viu o marido em pensamento. Apeava<br />

do cavalo, de bombachas brancas, esporas de prata, lenço vermelho no pescoço e caminhava para<br />

ela de cabeça erguida e olhos atrevidos: "Como lê vai, minha prenda?”<br />

A voz do filho cortou-lhe o devaneio.<br />

- Não tem jeito. Não posso. Bibiana ergueu-se e caminhou para ele.<br />

- Deixe ver. Quem sabe se sua mãe acerta...<br />

Bolívar alçou um pouco o queixo. A cabeça de Bibiana mal lhe chegava aos ombros.<br />

Enquanto seus dedos procuravam dar a laçada, ela foi envolvida pelo calor do corpo suado do<br />

filho e não pôde evitar um pensamento que lhe pareceu vagamente indecente: O cheiro do pai.<br />

Sentiu também como batia forte o coração do rapaz e como seu peito arfava. Lembrou-se dos<br />

tempos em que o embalava nos braços e sorriu para esta lembrança.<br />

- De que é que está rindo? - quis ele saber.<br />

- De nada. Duma coisa que pensei.<br />

Depois, mudando de tom, perguntou:<br />

- Está nervoso?<br />

- Não - mentiu ele.<br />

Tinha na cabeça uma forca e uma voz que cochichava: "Daqui a pouco vão matar o<br />

Severino". A apreensão e o medo como que lhe apertavam o coração, insuportavelmente.<br />

- Pronto - disse Bibiana, dando o último toque na laçada. - Veja se está direito.<br />

Voltou a sentar-se na cama. Bolívar mirou-se no espelho.<br />

- Acho que está - disse.<br />

<strong>Tomo</strong>u dum pente e começou a passá-lo na cabeleira preta e ondulada.

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