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XONDARO – UMA ETNOGRAFIA DO MITO E DA DANÇA ... - Unisul

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Pelos recantos do mundo, a dança ficou sendo semi-sagrada e semiprofana 5 , uma<br />

paixão que independe de etnias e coordenadas geográficas. Enquanto para nós,<br />

contemporâneos, dança é lazer e divertimento, para os indígenas continua sendo algo que se<br />

executa a sério, sem teatralidade ou improvisação.<br />

Para os Mbya-Guarani do Morro dos Cavalos, ainda hoje, “para alcanzar Yvy<br />

Mara Ey (Terra sem Males), son indispensables la oración, el canto y la danza” (RUIZ -<br />

apud LITAIFF, 1996, p.114), seguindo a orientação de Ñande Ru/Nosso Pai: “cuando<br />

necessiten para comer, para vivir, me lhamen a mi, cantando”. Na cosmologia desse grupo,<br />

(que será abordada mais detalhadamente nos capítulos 2 e 3, o lado selvagem do homem<br />

sobrepujou o divino, através da transgressão do incesto, ocasionando o dilúvio que destruiu a<br />

Primeira Terra. “Os únicos sobreviventes, Karaí Jeupié e sua esposa, dedicaram-se ao canto e<br />

à dança, conseguindo, assim, divinizarem-se” (LITAIFF, 1996, p.114).<br />

Principalmente nas culturas teocráticas, houve uma subordinação histórica da<br />

dança profana para várias adaptações religiosas, assumindo, assim, a dança o papel de<br />

mediadora entre o sagrado e o profano, estabelecendo essas fronteiras de acordo com as<br />

normas preconizadas no meio ou no sistema em que atua, conforme pesquisas de Camargo<br />

(2002). Em prosseguimento, essa autora cita um exemplo da passagem do profano para o<br />

sagrado na dança Tarantismo, que no século XV virou mania na Itália, na época da Peste<br />

Negra 6 .<br />

No Ocidente, as reflexões sobre a dança no sentido metafísico, ético ou estético<br />

deram-se com Platão (2000) e, vinte e três séculos depois, com Nietzche (s/d). Platão via na<br />

5 No Egito Antigo, as sacerdotisas dançavam nos templos para as divindades, principalmente Ísis. Mais tarde,<br />

com a invasão árabe, elas foram retiradas dos templos e conduzidas aos palácios, passando a dançar para os<br />

sultões, com o que se dá uma mudança no foco da dança de sagrada para profana. (MOHAMED, 1995, p.115).<br />

6 Acreditava-se, então, que dançar ao som de pífaros, clarinetes e tambores, especialmente ao ritmo da tarantela<br />

(batizada em honra da aranha) fazia com que o veneno da picada da tarântula circulasse pelo corpo da vítima,<br />

vindo a ser expelido através da pele pela transpiração, inofensivamente. Efeito semelhante observa-se na Dança<br />

de São Gonçalo, dança brasileira sertaneja, na qual é reverenciado São Gonçalo, padroeiro dos violeiros. Narra a<br />

história que o padre Gonçalo acompanhava os doentes terminais que iam deportados de Portugal para a Índia, no<br />

século XV; compadecendo-se deles, começou a tocar viola no navio para consolá-los. Os doentes começaram a<br />

dançar, como podiam, e melhoraram de saúde; não sendo preciso ficar na Índia, voltaram a Portugal. A dança<br />

como técnica de oração e meditação ilustra uma passagem da vida de São Francisco de Assis que, em visita a sua<br />

Santidade, o Papa, ao invés de proferir seu discurso, exclamou: - Santo Padre, mesmo correndo o risco do teu<br />

desagrado, sinto uma vontade enorme de soltar um brado e começar a dançar. O vento de Deus sopra ao meu<br />

redor e me arrasta como uma folha morta! Irmão Leão, que o acompanhava, preocupado, murmurou em seu<br />

ouvido: - Francisco, meu irmão, estais diante do papa, deves mostrar mais respeito! - Encontro-me diante de<br />

Deus <strong>–</strong> disse São Francisco como queres que me aproxime Dele, senão a dançar e a cantar? Afasta-te! Jogou,<br />

então, a cabeça para trás, abriu os braços, avançou um pé, depois o outro, dobrou os joelhos, tomou impulso e<br />

saltou. Assim, de braços abertos, fazia lembrar um Cristo que dançava na Cruz (KAZANTZAKIS, 1983 apud<br />

CAMARGO, 2002, p.21).<br />

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