LITERATURA BRASILEIRA II - Universidade Castelo Branco
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2.2 - O Realismo no Brasil<br />
A partir dos anos de 1860, os elementos sociais, políticos<br />
e econômicos da sociedade brasileira começaram a<br />
passar por uma profunda e radical transformação. A sociedade<br />
cada vez mais se tornava urbana, deixando lentamente<br />
o espaço agrário para se concentrar nas cidades,<br />
o que prepararia o processo de industrialização, tardiamente<br />
implantado apenas no início do século seguinte.<br />
De qualquer forma, o grande contingente populacional<br />
já começava a criar grupos marginais e um pequeno proletariado<br />
urbano. Lentamente, desenvolvia-se o processo<br />
de fi nalização da escravatura, assistindo-se, porém, a um<br />
processo de “embranquecimento” da população mestiça,<br />
que buscava participar ativamente da vida social, política<br />
e intelectual. Neste ambiente, fl oresceram os ideais republicanos<br />
e liberais, em confl ito com os interesses dos barões<br />
do café, sustentáculo da economia nacional, já que<br />
a cultura açucareira do Nordeste encaminhava-se cada<br />
vez mais para a decadência, gerando bolsões de pobreza<br />
rural, interiorana naquela região, e deixando para o Sul a<br />
hegemonia sobre as decisões nacionais.<br />
Este é o cenário em que se implantou o Realismo entre<br />
nós. Inicialmente, percebe-se uma “descida de tom”,<br />
nos dizeres de Alfredo Bosi, na relação entre o autor e<br />
o tema da obra, há um esforço de objetividade, de impessoalidade<br />
no exercício da criação fi ccional. Adotamse<br />
as idéias do determinismo, de fundo pessimista e o<br />
interesse temático se divide por dois cenários: o urbano,<br />
sobre o qual se criam obras à maneira do romance experimental<br />
de Zola, projeto literário que fazia da narrativa<br />
naturalista o laboratório para teses sociobiológicas, à luz<br />
de uma “teoria”, tematizando aspectos contemporâneos<br />
e cotidianos da sociedade; e o regional, que adota o determinismo<br />
geográfi co, fazendo das forças naturais um<br />
obstáculo insuperável pela vontade humana de progresso,<br />
visão que acentua o pessimismo, a desesperança, o<br />
desencanto, e nega o livre-arbítrio. Se o burguês, o marginal<br />
e o ex-escravo citadinos estão amarrados às injunções<br />
da classe social, o sertanejo encontra-se condenado<br />
pela lei do sangue, da raça e do poder da natureza.<br />
No campo da narrativa urbana, sobressaem os nomes de<br />
Aluísio Azevedo, Adolfo Caminha (A Normalista, Bom-<br />
Crioulo), Raul Pompéia (já sob infl uxos impressionistas,<br />
à maneira de Proust, em O Ateneu), e avulta o nome<br />
maior, de expressão não apenas brasileira, mas universal,<br />
reconhecida recentemente pelo cânon literário internacional,<br />
de Machado de Assis. No romance regionalista,<br />
destacam-se Domingos Olímpio (Luzia-Homem), Inglês<br />
de Sousa (O Missionário) e Rodolfo Teófi lo (A Fome).<br />
O Bruxo do Cosme Velho<br />
Nome maior de nossa literatura narrativa nos oitocentos,<br />
Machado de Assis nasceu no Morro do Livra-<br />
mento, fi lho de um pintor mulato e de uma lavadeira<br />
de origem açoriana. Criado pela madrasta, o jovem<br />
recebeu o ensino primário em escola pública, tendo<br />
aprendido francês e latim com a ajuda de um padre amigo,<br />
e mais tarde, como autodidata, construiu uma vasta<br />
cultura literária. Trabalhando como tipógrafo, ingressa<br />
no mundo literário e trava conhecimento com os principais<br />
escritores da época. Dessa época, datam suas comédias<br />
e sua produção lírica com as Crisálidas (1864).<br />
Aos trinta anos, casa-se com a culta Carolina Xavier de<br />
Novais. Consolidada sua carreira burocrática, passa a se<br />
dedicar à produção de seus contos e romances.<br />
No que tange à classifi cação de sua obra pelos autores<br />
mais canônicos, convencionou-se separar a obra<br />
de Machado em dois momentos: um primeiro, em<br />
que o escritor lentamente afasta-se do molde romântico,<br />
penetrando paulatinamente na fi guração realista<br />
– desde sempre, porém, ultrapassada pela fi na ironia<br />
de seus narradores e procedimentos romanescos – e<br />
como que se preparando para o salto de qualidade<br />
que marcará o segundo período. A esta fase pertencem<br />
Contos Fluminenses (1870), Ressurreição (72),<br />
Histórias da Meia-Noite (73), A Mão e a Luva (74),<br />
Helena (76) e Iaiá Garcia (76).<br />
O segundo e mais signifi cativo momento, responsável<br />
pela consagração de Machado de Assis, inicia-se<br />
com a publicação do romance Memórias Póstumas<br />
de Brás Cubas (1881). Nesta obra, o escritor avança<br />
para além do aprofundamento psicológico, ou da utilização<br />
da personagem tipo, ao utilizar uma estrutura<br />
informal, fragmentada, com uso de narrador impertinente<br />
– o próprio protagonista, “tecido de lembranças<br />
casuais, fait divers e cortes digressivos entre banais e<br />
cínicos”, nos dizeres de Alfredo Bosi. A unidade encontra-se,<br />
porém, no retrato da sociedade e na presença<br />
das forças do inconsciente, afastando-se do projeto<br />
de um realismo mais programático. Atingida a maturidade<br />
do fi ccionista, seguem-se Histórias sem data<br />
(84), Quincas Borba (92), Várias Histórias (96), Páginas<br />
Recolhidas (99), Dom Casmurro (1900), Esaú e<br />
Jacó (1904) e Relíquias da Casa Velha (1906).<br />
Em 1896, funda, com outros escritores, a Academia<br />
Brasileira de Letras, da qual foi o primeiro presidente.<br />
Oito anos depois, morre-lhe a esposa, e Machado entrega-se<br />
a uma solidão melancólica que, não obstante,<br />
sela a produção de seu último romance, espécie de<br />
testamento literário, Memorial de Aires (1908).<br />
Tendo legado uma vasta produção em todos os gêneros<br />
literários, mas cujo segmento de maior envergadura<br />
artística encontra-se em seus romances e contos,<br />
Machado de Assis tece com maestria sua crítica<br />
carregada de ironia, sua maior fi gura de linguagem,<br />
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