LITERATURA BRASILEIRA II - Universidade Castelo Branco
LITERATURA BRASILEIRA II - Universidade Castelo Branco
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Mário de Andrade<br />
Mário Raul de Morais Andrade (1893-1945) nasceu<br />
em São Paulo, onde viveria, na juventude, do magistério<br />
particular, ensinando Música. Em 1917, alinhase<br />
com os principais nomes do Modernismo, tendo<br />
sido um dos líderes da Semana de 22, e colaborado<br />
com as revistas Klaxon, Estética, Terra Roxa e Outras<br />
Terras. Profundo conhecedor de música, artes<br />
plásticas e folclore brasileiro, foi autor profícuo de<br />
várias obras entre lírica, romances, contos, ensaios<br />
e compêndios acadêmicos. Ocupou importante cargo<br />
público à frente do Departamento de Cultura da<br />
Prefeitura de São Paulo, entre 1934 e 37. Trabalhou<br />
ainda na <strong>Universidade</strong> do Distrito Federal (Rio de Janeiro)<br />
e no Patrimônio Histórico.<br />
Sua obra move-se entre necessidades de um registro<br />
emocional da biografi a e a paixão pelo objeto estético,<br />
seja ele um poema, um conto ou uma narrativa maior.<br />
Eu Sou Trezentos...<br />
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,<br />
As sensações renascem de si mesmas sem repouso,<br />
Ôh espelhos, ôh! Pirineus!<br />
Ôh caiçaras!<br />
Si um deus morrer, irei no Piauí buscar outro!<br />
Abraço no meu leito as milhores palavras,<br />
E os suspiros que dou são violinos alheios;<br />
Eu piso a terra como quem descobre a furto<br />
Nas esquinas, nos táxis,<br />
nas camarinhas seus próprios beijos!<br />
Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta,<br />
Mas um dia afi nal toparei comigo...<br />
Tenhamos paciência, andorinhas curtas,<br />
Só o esquecimento é que condensa,<br />
E então minha alma servirá de abrigo.<br />
Ode ao Burguês<br />
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel<br />
O burguês-burguês!<br />
A digestão bem-feita de São Paulo!<br />
O homem-curva! O homem-nádegas!<br />
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,<br />
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!<br />
Eu insulto as aristocracias cautelosas!<br />
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques<br />
zurros!<br />
Que vivem dentro de muros sem pulos,<br />
e gemem sangue de alguns mil-réis fracos<br />
para dizerem que as fi lhas da senhora falam o [francês<br />
e tocam os “Printemps” com as unhas!<br />
Rompendo os limites da literatura acadêmica, sua<br />
poética constrói uma deformação abstrata, que<br />
fragmenta o sujeito e a paisagem, de certa afi nação<br />
com alguns parâmetros do futurismo e do cubismo,<br />
dos quais, todavia, não se faz refém. Sua mais<br />
eloqüente criação narrativa encontra-se na rapsódia<br />
de Macunaíma, um dos textos-chave para a investigação<br />
fi ccional da identidade brasileira, colagem<br />
algo surrealista de lendas folclóricas mescladas à<br />
paródia, ao humor grotesco, cômico, na história do<br />
herói “sem nenhum caráter”. Entre seus principais<br />
títulos, podemos encontrar Há uma gota de sangue<br />
em cada poema (poesia, 1917), Paulicéia Desvairada<br />
(poesia, 1922), A Escrava que não é Isaura<br />
(ensaio poético, 1925), Amar, verbo intransitivo<br />
(romance, 1927), Clã do Jabuti (poesia, 27), Macunaíma,<br />
o herói sem nenhum caráter (rapsódia,<br />
28), Remate de Males (poesia, 30), O Movimento<br />
Modernista (42), Aspectos da Literatura Brasileira<br />
(43) e Contos Novos (47).<br />
Eu insulto o burguês-funesto!<br />
O indigesto feijão com toucinho, dono das [tradições!<br />
Fora os que algarismam os amanhãs!<br />
Olha a vida dos nossos setembros!<br />
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!<br />
Mas à chuva dos rosais<br />
o êxtase fará sempre Sol!<br />
Morte à gordura!<br />
Morte às adiposidades cerebrais!<br />
Morte ao burguês-mensal!<br />
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiburi!<br />
Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!<br />
“— Ai, fi lha, que te darei pelos teus anos?<br />
— Um colar... — Conto e quinhentos!!!<br />
Más nós morremos de fome!”<br />
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!<br />
Oh! purée de batatas morais!<br />
Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!<br />
Ódio aos temperamentos regulares!<br />
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!<br />
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados<br />
Ódio aos sem desfalecimentos nem [arrependimentos,<br />
sempiternamente as mesmices convencionais!<br />
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!<br />
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!<br />
Todos para a Central do meu rancor inebriante!<br />
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!<br />
Morte ao burguês de giolhos,<br />
cheirando religião e que não crê em Deus!<br />
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!<br />
Ódio fundamento, sem perdão!<br />
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...