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LITERATURA BRASILEIRA II - Universidade Castelo Branco

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36<br />

Psicologia de um Vencido<br />

Eu, fi lho do carbono e do amoníaco,<br />

Monstro de escuridão e rutilância,<br />

Sofro, desde a epigênesis da infância,<br />

A infl uência má dos signos do zodíaco.<br />

Profundissimamente hipocondríaco,<br />

Este ambiente me causa repugnância...<br />

Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia<br />

Que se escapa da boca de um cardíaco.<br />

Já o verme – este operário das ruínas –<br />

Que o sangue podre das carnifi cinas<br />

Come, e à vida em geral declara guerra,<br />

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,<br />

E há de deixar-me apenas os cabelos,<br />

Na frialdade inorgânica da terra!<br />

Lima Barreto e o Romance Social<br />

Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922) possui<br />

uma biografi a formada por passagens em cargos<br />

burocráticos ao mesmo tempo em que inicia uma carreira<br />

jornalística e de romancista. Perseguido pelo alcoolismo<br />

e por crises de loucura, e autor que se afasta do<br />

cânone literário de sua época, Lima Barreto não é aceito<br />

na Academia Brasileira de Letras. Acostumado com o<br />

melhor da literatura européia do século anterior, Barreto<br />

foi dos poucos a conhecer os romancistas russos, que<br />

lhe denunciavam os preconceitos de que ele mesmo era<br />

vítima. Vindo da classe média suburbana, contraditoriamente<br />

à novidade de suas leituras e infl uências, deixava<br />

trair um conservadorismo diante de alguns implementos<br />

da modernidade e dos novos costumes.<br />

Os romances de Lima Barreto, Recordações do Escrivão<br />

Isaías Caminha (1909), Triste Fim de Policarpo<br />

Quaresma (1911, folhetim; 1915, livro), Numa e<br />

Não se sabia bem onde nascera, mas não fora decerto<br />

em São Paulo, nem no Rio Grande do Sul, nem no Pará.<br />

Errava quem quisesse encontrar nele qualquer regionalismo;<br />

Quaresma era antes de tudo brasileiro. Não tinha<br />

predileção por esta ou aquela parte de seu país, tanto<br />

assim que aquilo que o fazia vibrar de paixão não eram<br />

só os pampas do Sul com o seu gado, não era o café de<br />

São Paulo, não eram o ouro e os diamantes de Minas,<br />

não era a beleza da Guanabara, não era a altura da<br />

Paulo Afonso, não era o estro de Gonçalves Dias ou o<br />

ímpeto de Andrade Neves – era tudo isso junto, fundido,<br />

reunido, sob a bandeira estrelada do Cruzeiro.<br />

Logo aos dezoito anos quis fazer-se militar; mas a<br />

junta de saúde julgou-o incapaz. Desgostou-se, sofreu,<br />

Versos Íntimos<br />

Vês! Ninguém assistiu ao formidável<br />

Enterro de tua última quimera.<br />

Somente a Ingratidão – esta pantera –<br />

Foi tua companheira inseparável!<br />

Acostuma-te à lama que te espera!<br />

O Homem, que, nesta terra miserável,<br />

Mora, entre feras, sente inevitável<br />

Necessidade de também ser fera.<br />

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!<br />

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,<br />

A mão que afaga é a mesma que apedreja.<br />

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,<br />

Apedreja essa mão vil que te afaga,<br />

Escarra nessa boca que te beija!<br />

Ninfa (1915), Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá<br />

(1919), Clara dos Anjos (1923-24), Bagatelas (1923),<br />

Os Bruzundangas (1923), apresentam em primeiro<br />

plano uma visão de crônica dos costumes cariocas<br />

(metonímia aqui de brasileiros, devido à centralidade<br />

cultural da capital da República). Somam-se a esse<br />

registro uma duplicidade entre os planos narrativo e<br />

crítico, desdobrada com uma aguda inteligência; um<br />

ponto de vista afetivo e polêmico do narrador, o que<br />

faz com que o estilo resulte realista e intencional a um<br />

só tempo. Sua obra de melhor acabamento consiste<br />

no Triste Fim de Policarpo Quaresma, romance que<br />

conta a trajetória do ingênuo major ufanista, de exacerbado<br />

nacionalismo livresco, que inventa propostas<br />

para melhorar o Brasil, mas através de uma perspectiva<br />

quixotesca, seu maior traço constitutivo. No entanto,<br />

o traço humorístico da personagem é invadido por<br />

tintas melancólicas revelando a dupla face da melhor<br />

criação barretiana. Segue abaixo um fragmento de<br />

apresentação do protagonista.<br />

mas não maldisse a Pátria. O ministério era liberal,<br />

ele se fez conservador e continuou mais do que nunca<br />

a amar a “terra que o viu nascer”. Impossibilitado<br />

de evoluir-se sob os dourados do exército, procurou a<br />

administração e dos seus ramos escolheu o militar.<br />

Era onde estava bem. No meio de soldados, de canhões,<br />

de veteranos, de papelada inçada de quilos de pólvora,<br />

de nomes de fuzis e termos técnicos de artilharia, aspirava<br />

diariamente aquele hálito de guerra, de bravura, de<br />

vitória, de triunfo, que é bem o hálito da Pátria.<br />

Durante os lazeres burocráticos, estudou, mas estudou<br />

a Pátria, nas suas riquezas naturais, na sua<br />

história, na sua geografi a, na sua literatura e na sua

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