LITERATURA BRASILEIRA II - Universidade Castelo Branco
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a diversos aspectos da vida brasileira, visivelmente<br />
perceptíveis na pintura que faz de sua aldeia, o Rio<br />
de Janeiro dos tempos da Corte, ou, como se dizia, a<br />
Corte, simplesmente. Neste cenário, em que trafegam<br />
moças à espera de casamento, esposas de conduta duvidosa,<br />
jovens de boa família entregues ao fazer nada<br />
Tinha-me lembrado a defi nição que José Dias dera<br />
deles, “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Eu<br />
não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e<br />
queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se<br />
fi tar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca<br />
os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura<br />
eram minhas conhecidas. A demora da contemplação<br />
creio que lhe deu outra idéia do meu intento;<br />
imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de<br />
perto, com os meus olhos longos, constantes, enfi ados<br />
neles, e a isto atribuo que entrassem a fi car crescidos,<br />
crescidos e sombrios, com tal expressão que...<br />
Retórica dos namorados, dá-me uma comparação<br />
exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos<br />
de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem<br />
quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me<br />
fi zeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que<br />
me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que<br />
fl uido misterioso e enérgico, uma força que arrastava<br />
para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos<br />
Esse fragmento de Dom Casmurro, obra mais controversa<br />
de Machado de Assis, focaliza o detalhe<br />
físico mais famoso entre as personagens do autor,<br />
nesta narrativa também de memórias, que, mais do<br />
que desnudar o possível adultério de Capitu, esposa<br />
do narrador-protagonista, dá relevo às repercussões<br />
psíquicas que sofre Bentinho diante do comportamento<br />
enigmático da mulher. Contudo, o romance<br />
não deixa de guardar seu aspecto de narrativa de<br />
costumes, em suas referências aos padrões familiares<br />
do Rio de Janeiro. Em meio a essa conjunção,<br />
sobressaem a melancolia e o pessimismo, encarados<br />
sem passionalidade, mas contaminados pela ironia<br />
fi na tão característica do escritor.<br />
Não se pode deixar de apontar a hábil construção de<br />
vários contos admiráveis, nos quais aparecem a crítica<br />
ao cientifi cismo da época (O Alienista), o poder<br />
dos símbolos materiais na construção da identidade<br />
(O Espelho), o desenho psicológico (Trio em Lá Menor,<br />
Dona Benedita, A Causa Secreta), sugestão de<br />
atmosferas (Missa do Galo, Entre Santos), entre outros<br />
recursos estilísticos e temáticos.<br />
Nos dizeres de Alfredo Bosi (1994: 182-183), a<br />
obra machadiana “constitui, pelo equilíbrio formal<br />
que atingiu, um dos caminhos permanentes da prosa<br />
brasileira na direção da profundidade e da universa-<br />
de sua condição abastada (cujo único ofício constituise<br />
na ocupação de cargos públicos políticos), algumas<br />
mucamas, o escritor destila sua perspicaz observação<br />
das relações humanas, elegendo temas como a loucura,<br />
o interesse fi nanceiro, a banalidade dos costumes<br />
sociais e a morte.<br />
dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me<br />
às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos<br />
cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa<br />
buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha<br />
crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me,<br />
puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos<br />
naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado<br />
esse tempo infi nito e breve. A eternidade tem as suas<br />
pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer<br />
saber a duração das felicidades e dos suplícios. Há de<br />
dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer<br />
a soma dos tormentos que já terão padecido no inferno<br />
os seus inimigos; assim também a quantidade<br />
das delícias que terão gozado no céu os seus desafetos<br />
aumentará as dores aos condenados do inferno. Este<br />
outro suplício escapou ao divino Dane; mas eu não<br />
estou aqui para emendar poetas. Estou para contar<br />
que, ao cabo de um tempo não marcado, agarrei-me<br />
defi nitivamente aos cabelos de Capitu, mas então com<br />
as mãos, e disse-lhe – para dizer alguma cousa, – que<br />
era capaz de os pentear, se quisesse.<br />
lidade. Mas não deve ser transformada em ídolo; isso<br />
não conviria a um autor que fez da literatura uma<br />
recusa assídua de todos os mitos”.<br />
A Ficção Naturalista de Aluísio Azevedo<br />
Irmão do também famoso Artur Azevedo, comediógrafo<br />
maior da virada do século XIX para o XX,<br />
Aluísio Azevedo nasceu em São Luís do Maranhão,<br />
em 1857. Tendo seguido para o Rio de Janeiro a<br />
convite do irmão, trabalhou como caricaturista em<br />
jornais e humorísticos. Depois de um primeiro romance,<br />
ainda na chave sentimental, Uma Lágrima de<br />
Mulher (1880), o escritor lança aquele que foi considerado<br />
o primeiro romance naturalista brasileiro, O<br />
Mulato (1881), que o faria ser consagrado na Corte,<br />
para onde se mudaria devido à irritação que o livro<br />
provocou entre seus conterrâneos do Maranhão, ao<br />
retratar o racismo presente entre as famílias ricas de<br />
São Luís. Entre 1882 e 1895, consegue viver apenas<br />
de sua ininterrupta produção escrita, que incluía contos,<br />
operetas, revistas teatrais e romances, dos quais<br />
apenas O Mulato, Casa de Pensão (1884) e O Cortiço<br />
(1890) constituem narrativas de maior fôlego literário<br />
e mais afeitas ao desenho naturalista em suas<br />
tramas e temas. O restante de sua lavra romanesca