Edição 34 - Memorial da América Latina
Edição 34 - Memorial da América Latina
Edição 34 - Memorial da América Latina
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
to você, cheia de punctum (diz Jorge<br />
Ruffinelli), que deixa-nos acor<strong>da</strong>dos a<br />
ca<strong>da</strong> linha. Em suas páginas de formas<br />
breves há tanto de revelado como de<br />
escondido para continuar o jogo, sobretudo<br />
a batalha contra o óbvio.<br />
Obras completas y otros cuentos (1959),<br />
A ovelha negra e outras fábulas (1969,<br />
houve tradução de Millôr Fernandes),<br />
Movimiento perpetuo (1972) ou La letra<br />
e (1987) levantam uma prosa multiforme,<br />
de uma capaci<strong>da</strong>de proverbial<br />
de enunciação. Uma ars combinatória<br />
que pede também cumplici<strong>da</strong>de, como<br />
Cortázar, e de alguma outra forma<br />
Borges (adlatere desta narrativa oblíqua),<br />
e que aponta para desmascarar a<br />
retórica literária.<br />
“Deus ain<strong>da</strong> não criou o mundo;<br />
só está imaginando-o, como entre sonhos.<br />
Por isso o mundo é perfeito, mas<br />
confuso“. Difícil foi sempre para seus<br />
leitores não esboçarem um sorriso,<br />
não verem além de suas palavras apura<strong>da</strong>s.<br />
Como se houvesse uma placa na<br />
entra<strong>da</strong> de seus livros: abstenham-se<br />
sérios, caretas e poderosos.<br />
A pesar de alguns reconhecimentos<br />
crescentes e a consideração de culto<br />
–excetuando o caso de Cortázar–, a literatura<br />
que comentamos endereça-se<br />
numa interpretação especial, aquela de<br />
escritores peculiares, raros, e que são<br />
exemplos paradigmáticos de contracânone.<br />
Mais que fun<strong>da</strong>dores, seguem<br />
uma prática des-construtiva <strong>da</strong> literatura<br />
(assim como na poesia existem<br />
Oliverio Girondo, César Vallejo ou<br />
Nicanor Parra para funções que saboteiam<br />
qualquer ideário de pompa e<br />
circunstância <strong>da</strong> lírica). Todos são escritores<br />
diluidores <strong>da</strong>s prisões dos gêneros<br />
e seus sacramentos. E talvez por<br />
essas razões ou por outras não menos<br />
esdrúxulas permanecem inéditos no<br />
Brasil, exceto sempre Julio Cortázar,<br />
e longe de qualquer boom literário ou<br />
marketing programado. As suas obras a-<br />
sistêmicas são antídotos para possíveis<br />
perigos fun<strong>da</strong>mentalistas, construções<br />
que relativizam o cansaço ideológico<br />
do mundo, a favor de outros horizontes<br />
mais amáveis, sem ser, de forma alguma,<br />
literaturas naif ou escapistas. E<br />
sim, o contrário, adensamentos literários<br />
no núcleo <strong>da</strong> chama<strong>da</strong> convencionalmente<br />
reali<strong>da</strong>de.<br />
Longe do mainstream <strong>da</strong> literatura<br />
mais formal, e dos escritores gentleman<br />
tão pródigos em nossos dias, aqueles que<br />
aspiram à separação radical entre autor e<br />
livro, estes autores recuperam um diapasão<br />
verbal multifacetado –uma literatura<br />
inclassificável que homenageia a cultura<br />
por extenso de forma babélica–, e essa<br />
proximi<strong>da</strong>de biográfica/subjetivizadora,<br />
junto com os valores enunciados por<br />
Ítalo Calvino, para este novo milênio:<br />
rapidez, brevi<strong>da</strong>de, multiplici<strong>da</strong>de...<br />
Adolfo Montejo Navas é poeta e crítico literário.<br />
11