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Edição 34 - Memorial da América Latina

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não cifrados ou codificados, é alimento<br />

para poéticas literárias sempre precisas,<br />

na<strong>da</strong> retóricas ou redun<strong>da</strong>ntes. Cultas<br />

e apropriacionistas, ao mesmo tempo<br />

que mun<strong>da</strong>nas e subjetivizadoras. São,<br />

em suma, literaturas celebratórias que<br />

proclamam as núncias impossíveis mas<br />

sempre tentadoras do mundo e as palavras,<br />

sabendo de seus hiatos.<br />

Por ordem de aparição histórica,<br />

Macedônio Fernández (Buenos Aires,<br />

1874 –1952) já resultaria inevitável,<br />

mas sobretudo por colocar a sua biografia<br />

literária num plano de observação<br />

cotidiana e ao mesmo tempo,<br />

distancia<strong>da</strong>mente, como se o eu fosse<br />

outro que conhecemos em parte. Esse<br />

diálogo às vezes chega a pontos paradoxais,<br />

a perfilar-se como escritor<br />

com “certa dificul<strong>da</strong>de de escrever”<br />

mas capaz de não separar na<strong>da</strong> para<br />

a sua escrita heterodoxa. O que existe<br />

e o que não existe, mas que não deixa<br />

de confundir a sua frágil fronteira,<br />

e muitas outras observações diáfanas<br />

ou obscuras fazem parte de uma reflexão<br />

sem limites, sem eixo fixo ou<br />

confortável (ideológico ou burguês).<br />

8<br />

Sem excessiva preocupação pela publicação,<br />

a sua literatura era, sobretudo,<br />

pensante, necessariamente antierudita,<br />

a favor <strong>da</strong> perplexi<strong>da</strong>de e do<br />

assombro: um texto como Continuação<br />

<strong>da</strong> na<strong>da</strong> mostra até onde chegam os<br />

contornos (paradoxalmente ilimitados<br />

pelo realismo) de Macedônio, a sua<br />

contribuição para a perplexi<strong>da</strong>de. É<br />

muito significativo que duas obras de<br />

Macedônio Fernández aportem mais<br />

dúvi<strong>da</strong>s que certezas, numa arquitetura<br />

sensível na<strong>da</strong> desprezível. Elas são<br />

os Papeles de recienvenido (1929) ou Museu<br />

de la novela de la Eterna (1967), duas<br />

quimeras literárias.<br />

To<strong>da</strong> sua obra pode receber o qualificativo<br />

de miscelânea (algo que assinariam<br />

também o Atlas literário de Borges,<br />

grande admirador e amigo seu, o poliedro<br />

verbal de Cortázar, e, claro, a esponja<br />

literária de Ramón Gómez de la Serna, já<br />

quase como maestro unânime <strong>da</strong>s coisas<br />

miú<strong>da</strong>s, dessa cosmologia ínfima que não<br />

entende de macropolíticas).<br />

O grau de atenção e de reflexão,<br />

além de um profundo humor que circula<br />

como ver<strong>da</strong>deira alteri<strong>da</strong>de, é evidente<br />

nas cartas ou fragmentos que fazem<br />

parte de sua obra literária, sem desmerecer<br />

nem se inferiorizar com outros registros.<br />

Simples palavras de celebração,<br />

de brindes, de tertúlia do café <strong>da</strong> Balvanera<br />

mostravam uma eloqüência sem liber<strong>da</strong>de<br />

condicional, que reconhecia seu<br />

estatuto reflexivo rente à cotidiani<strong>da</strong>de<br />

estranha<strong>da</strong>: “Há um mundo para todo<br />

nascer, e o não-nascer não tem na<strong>da</strong> de<br />

pessoal, é meramente não haver mundo.<br />

Nascer e não encontrá-lo é impossível:<br />

não se viu a nenhum eu que nascendo<br />

encontra-se sem mundo”.<br />

Julio Cortázar (Bruxelas,1914 – Paris,<br />

1984), sem chegar aos extremos <strong>da</strong><br />

parca eloquência e abstração de Macedônio,<br />

talvez tenha pluralizado ain<strong>da</strong><br />

mais as dispersas inquietudes por quanti<strong>da</strong>des<br />

de temas, campos semânticos

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