Edição 34 - Memorial da América Latina
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CoNtoS de leoPoldo<br />
lUGoNeS<br />
O escritor argentino Leopoldo<br />
Lugones (1874-1938) foi um representante<br />
genuíno <strong>da</strong> passagem do século<br />
XIX para XX – período marcado por<br />
transformações sociais, científicas e<br />
históricas importantes no continente<br />
latino-americano. Seus contos retratam<br />
o conflito filosófico entre as pretensões<br />
cientificistas de oferecer uma explicação<br />
racional <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de e as forças imprevisíveis<br />
e devastadoras do ocultismo. O<br />
estilo narrativo do autor, que conquistou<br />
a admiração de Jorge Luis Borges,<br />
se constrói a partir do equilíbrio muitas<br />
vezes tenso de referências antagônicas,<br />
alcançado com um senso de humor que<br />
se aproxima do delirante e do absurdo.<br />
Por essa razão, a proximi<strong>da</strong>de com o<br />
mundo sombrio de Franz Kafka – onde<br />
a aparente normali<strong>da</strong>de sempre mascara<br />
dimensões assustadores e insuspeitas.<br />
Nos textos de Contos fatais/ As<br />
forças estranhas, Lugones apresenta muitas<br />
situações em que a tentativa de explicação<br />
objetiva <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de é subverti<strong>da</strong> pela<br />
loucura, ou por fenômenos sobrenaturais.<br />
A razão, nesta perspectiva, não passa<br />
de um pálido espelho dos elementos<br />
subterrâneos que escapam ao nosso controle<br />
e nos dominam, como demonstrou<br />
Freud e sua teoria psicanalítica no início<br />
do século XX ao definir o inconsciente.<br />
No caso de Lugones, entretanto, não são<br />
apenas as maquinações do inconsciente<br />
que estão em cena, mas forças misteriosas,<br />
que alteram os rumos <strong>da</strong> história, ou<br />
mesmo dos desejos pessoais. O que pode<br />
se manifestar no relato de um milagre, no<br />
reconto de uma passagem mitológica ou<br />
bíblica, e mesmo na exasperante tentativa<br />
de encontrar a chave para um enigma<br />
64<br />
LIVROS<br />
musical. Está presente no universo ficcional<br />
de Lugones a mistura <strong>da</strong>quele inconsciente<br />
freudiano, e sua matriz racionalizante,<br />
com a teosofia e o esoterismo,<br />
que põem à prova todo entendimento<br />
objetivo.<br />
Há momentos em que o leitor<br />
supeitará que Lugones quer testar a racionali<strong>da</strong>de<br />
e uma suposta, ou imagina<strong>da</strong>,<br />
ordem <strong>da</strong>s coisas no mundo em<br />
que vivemos. O escritor se vale de uma<br />
narrativa que aparente um certo convencionalismo<br />
e elegância realista, conduzindo<br />
o leitor a saltos vertiginosos em<br />
cama<strong>da</strong>s ou instâncias do real que podem<br />
até parecer fantásticas, com seres<br />
fantasmagóricos, pesadelos e bizarrices.<br />
Algo também próximo <strong>da</strong> literatura gótica<br />
de Edgar Alan Poe, ou dos contos<br />
do uruguaio Horácio Quiroga.<br />
Ao definir as características de<br />
novela (pequena narrativa, entre o conto<br />
e o romance), num ensaio do livro<br />
Discusión, Borges diz que o processo<br />
causal de tais textos deve ser “o mágico,<br />
onde profetizam os pormenores, lúcido<br />
e limitado”. A definição é genérica e se<br />
aplica a um gênero marcante na literatura<br />
de língua hispânica, mas poderia<br />
muito bem ser aplica<strong>da</strong> ao tipo de ficção<br />
realiza<strong>da</strong> por Lugones, que soube manipular<br />
com inteligência e originali<strong>da</strong>de os<br />
limites entre a magia e a lucidez.<br />
Para Lugones, o poeta é uma espécie<br />
de “eleito”, com acesso privilegiado<br />
aos mistérios profundos.<br />
<strong>da</strong> tradição À VaNGUar<strong>da</strong><br />
Segundo o poeta Octavio Paz,<br />
“no México, a tradição <strong>da</strong> obra aberta,<br />
não no sentido estrito, mas no amplo<br />
e lasso, começa com Tabla<strong>da</strong>”. O livro<br />
Poemas (Edusp, 2008), do também mexi-<br />
FOTOs: divulgaçãO