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... E assim vêdes, meu<br />
Irmão, que as verdades que<br />
vos foram dadas no Grau<br />
de Neófito, e aquelas que<br />
vos foram dadas no Grau<br />
de Adepto Menor, são,<br />
ainda que opostas, a<br />
mesma Verdade.<br />
Do Ritual do Grau de<br />
Mestre do Átrio na Ordem<br />
Templária de Portugal<br />
EROS E PSIQUE<br />
Conta a lenda que dormia<br />
Uma Princesa encantada<br />
A quem só despertaria<br />
Um Infante, que viria<br />
De além do muro da estrada.<br />
Êle tinha que, tentado,<br />
Vencer o mal e o bem,<br />
Antes que, já libertado,<br />
Deixasse o caminho errado<br />
Por o que à Princesa vem.<br />
A Princesa Adormecida,<br />
Se espera, dormindo espera.<br />
Sonha em morte a sua vida,<br />
E orna-lhe a fronte esquecida,<br />
Verde, uma grinalda de hera.<br />
Longe o Infante, esforçado,<br />
Sem saber que intuito tem,<br />
Rompe o caminho fadado.<br />
Êla dela é ignorado.<br />
Êle para êla é ninguém.<br />
Mas cada um cumpre o Destino -<br />
Êla dormindo encantada,<br />
Êle buscando-a sem tino<br />
Pelo processo divino<br />
Que faz existir a estrada.<br />
22 <strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong> Um vitral gnóstico de Almada Negreiros 23<br />
E, se bem que seja obscuro<br />
Tudo pela estrada fora,<br />
E falso, êle vem seguro,<br />
E, vencendo estrada e muro,<br />
Chega onde em sono ela mora.<br />
E, inda tonto do que houvera,<br />
À cabeça, em maresia,<br />
Ergue a mão, e encontra hera,<br />
E vê que êle mesmo era<br />
A Princesa que dormia.<br />
O final do poema contém a mesma metáfora de<br />
identificação, reflexão e unificação observada no<br />
último estudo e na obra final de Almada, sendo<br />
que o reconhecimento do Infante na Princesa<br />
encantada é equivalente ao reconhecimento de <strong>Eros</strong><br />
em <strong>Psique</strong> e de <strong>Psique</strong> em <strong>Eros</strong>, expresso por meio<br />
das características fisionómicas só aparentemente<br />
trocadas e da possibilidade de leitura dos seus atributos<br />
partilhados. Além de reiterar a interpretação do mito<br />
como metáfora do Conhecimento, esta representação<br />
ambígua – que funciona como uma espécie de<br />
comunhão, ou fusão, entre as duas personagens –,<br />
permite uma referência específica à Gnose unitária:<br />
Sendo <strong>Eros</strong>, no momento arcaico, o agente ordenador<br />
e unificador dos elementos dispersos do caos (ou<br />
seja, o manipulador da prima matéria) e ao mesmo<br />
tempo a figura do Amor que une os opostos (isto é,<br />
o mediador da conjunctio alquímica), os filósofos<br />
herméticos tomaram-no como o guia iniciático nos<br />
Mistérios que permitem o conhecimento sobre a<br />
unidade do Mundo⁴⁰. Por seu turno, <strong>Psique</strong> (Psyche<br />
em latim e Psykhē em grego), que protagoniza a Alma<br />
e o Espírito humanos, inicialmente mergulhados no<br />
desconhecimento, é considerada como a figura do<br />
⁴⁰ Para além do exemplo romano referido na nota 27, também algumas<br />
estelas funerárias gregas dos séculos IV e II a.C. parecem apresentar <strong>Eros</strong><br />
encaminhando <strong>Psique</strong> pela mão, talvez assumindo-se como guia iniciático<br />
desta nos Mistérios.