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Eros e Psique - Fluid Creative

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Neófito guiado por <strong>Eros</strong> na via do conhecimento<br />

superior por meio da iniciação nos processos<br />

gnósticos. As etapas desta iniciação – entendidas de<br />

modo simbólico – passavam pela morte iniciática<br />

(equivalente ao sono⁴¹) e pelo renascimento para uma<br />

forma de vida esclarecida e eterna. De acordo com a<br />

filosofia hermética, «o significado real da iniciação é,<br />

para este mundo em que vivemos um símbolo e uma<br />

sombra, que esta vida que conhecemos pelos sentidos<br />

é uma morte e um sono, ou, por outras palavras, que<br />

o que vemos é uma ilusão»⁴². Nesta óptica, <strong>Eros</strong> é o<br />

Eleutério, ou libertador, da condição inferior de <strong>Psique</strong><br />

e o facilitador do acesso desta ao Conhecimento, ou<br />

seja ao entendimento mais elevado e unificado das<br />

partes que formam o Cosmos. Através do Amor e da<br />

iniciação, <strong>Psique</strong> torna-se imortal, passa a igualar-se a<br />

<strong>Eros</strong> e a identificar-se com ele. A união dos cônjuges<br />

subentende, pois, a sua equivalência.<br />

⁴¹ «Sono e morte são, um como o outro, um vínculo quase explícito na<br />

fórmula hesiódica de que são irmãos, filhos de Nyx.» Todavia, «se Morte<br />

e Sono confundem-se, fraternizam, afeiçoam-se – pois tomam, um, as<br />

feições do outro, como esclareceu Eudoro de Sousa (2004, p. 91) – não<br />

são, a princípio, o mesmo» (GUERRA, 2009, p. 3), pelo que no contexto<br />

hermético que referimos não há dúvida de que a morte iniciática não<br />

é uma morte efectiva, mas sim uma morte simbólica equiparável ao<br />

adormecimento.<br />

⁴² PESSOA, 54, A-55, s.d.<br />

24 <strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong> Um vitral gnóstico de Almada Negreiros 25<br />

Convivendo com alguns filósofos racionais e<br />

herméticos modernistas – sobretudo do círculo de<br />

Orpheu e da Presença – que aludiram ao mito de<br />

Apuleio como alegoria gnóstica (ora entendida no<br />

sentido exotérico, ora no sentido esotérico), Almada<br />

Negreiros interessou-se também pelo tema no âmbito<br />

da sua demanda da chave do Conhecimento⁴³ (tendo<br />

sido, aliás, no contexto dessa busca que aprofundou<br />

o estudo sobre a cultura da Antiga Grécia e sobre a<br />

Aritmética pitagórica⁴⁴, baseando-se no princípio do<br />

Número Perfeito – o theleon de Pitágoras, referido por<br />

Vitrúvio – para teorizar acerca do cânone geométrico<br />

na Arte, encontrar a relação 9/10 e desenvolver<br />

uma «metafísica imanencial»⁴⁵). Assim, é natural<br />

que o artista tenha associado <strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong> a outras<br />

personagens da mitologia clássica ligadas à Sabedoria,<br />

articulando-as num simbólico pentagrama e criando<br />

uma fórmula alegórica ao Conhecimento Antigo (Fig. 7):<br />

⁴³ ALMADA NEGREIROS, 1993, p. 24.<br />

⁴⁴ Nos Anos 40, Almada ambicionou «a transplantação da Grécia Antiga<br />

no nosso Portugal» e proferiu um discurso no Salão do jornal Diário de<br />

Notícias, onde dissertou sobre «Portugal na Europa com os olhos de<br />

Homero». Sobre o evento, o jornalista Norberto de Araújo escreveu que<br />

se assistira a uma «noite de sonho colectivo» e considerou a intervenção<br />

como «o mito interpretado pelo mito» (Norberto de Araújo, apud VIEIRA,<br />

2001, p. 172, e FRANÇA, 1985, p. 492). Sobre o pitagorismo e a geometria<br />

Sagrada em Almada Negreiros vide FREITAS, 1990.<br />

⁴⁵ José-Augusto França fala de «metafísica imanencial» em Almada<br />

Negreiros (FRANÇA, 1985, p. 495) com base na ideia da Geometria<br />

enquanto «primeira posição do conhecimento, ou seja, a mais próxima do<br />

recebimento da imanência» (Almada, in Diário de Notícias, 16-06-1960,<br />

entrevistado por António Valdemar, apud FRANÇA, Ibidem).<br />

Fig. 7<br />

Pentagrama demonstrando as relações entre vários deuses da<br />

mitologia grega, desenhado por Almada para explicar a Alberto<br />

de Lacerda a estória de <strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong>. Ao associar o pentagrama<br />

às divindades gregas, o artista criou uma fórmula alegórica ao<br />

Conhecimento Antigo, que veio a repetir analogicamente na<br />

fachada da Reitoria da Universidade Clássica de Lisboa, apenas<br />

com ligeiras alterações ortográficas e numéricas.<br />

José Sobral de Almada Negreiros (1893-1970)<br />

Não datado (1948-1957⁴⁶)<br />

27 x 21 cm<br />

Tinta-da-china sobre papel<br />

Colecção Alberto de Lacerda<br />

Cota: 08129.377<br />

Fotografia da Fundação Mário Soares<br />

Para além do conhecimento, Almada procurou também<br />

o ideal da unidade (patente na sua paradigmática<br />

adição «1+1=1»⁴⁷), pelo que não seria de admirar que<br />

na sua Obra o mito de Apuleio sobressaísse não apenas<br />

como parábola da Gnose, mas especificamente como<br />

exemplo da Gnose Unitária. Todavia, nas demais<br />

abordagens que Almada fez deste mito esse sentido<br />

de unidade nunca se baseia no reconhecimento de<br />

uma personagem na outra e a eventual união entre<br />

as duas firma-se nos paradoxos da relação conjugal e<br />

no confronto dos opostos que cada uma representa<br />

e não na sua “con-fusão”. Efectivamente, quer na<br />

sua obra literária (a peça teatral intitulada O Mito<br />

de <strong>Psique</strong>, iniciada em 1949 e aparentemente nunca<br />

concluída, pois para além de se desconhecer o seu<br />

último quadro, sabe-se que jamais foi posta em cena<br />

e que só foi publicada postumamente), quer nas<br />

suas obras plásticas conhecidas até à data, o artista<br />

ostentou sempre as diferenças entre elas – sendo que<br />

no primeiro caso tais diferenças são bem claras ao<br />

nível das personalidades, dos sentimentos, das<br />

⁴⁶ As balizas cronológicas apresentadas coincidem com a data do desenho<br />

que integra a colecção do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste<br />

Gulbenkian (Fig.8) e com a data do pentagrama inciso na fachada da<br />

Reitoria da Universidade de Lisboa, que parecem ter sido a primeira e a<br />

última abordagem de Almada a este tema.<br />

⁴⁷ Esta fórmula, que surge num desenho que integra a «Histoire du<br />

Portugal par cœur», escrita em Paris em 1919 e publicada, textos e<br />

desenhos, em 1922 na Revista Contemporânea (ALMADA NEGREIROS,<br />

1922, p. 30), é retomada na peça teatral Deseja-se mulher, escrita por<br />

Almada Negreiros em 1928, que juntamente com a peça S.O.S. compõe a<br />

Tragédia da Unidade e manifesta a aspiração do artista a uma “direcção<br />

única” no entendimento da dualidade de todos os aspectos da sociedade,<br />

da natureza, da arte, etc. (ALMADA NEGREIROS, 1971).

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