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Eros e Psique - Fluid Creative

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Com larga fenestração e uma varanda aberta para o rio<br />

Tejo, a biblioteca – que no entanto era essencialmente<br />

animada pela luz colorida e simbólica do vitral,<br />

exibido numa janela voltada a Poente – integravase<br />

num espaço maior, afecto ao proprietário. Este<br />

domínio privado ocupava uma área superior à metade<br />

esquerda do primeiro andar da moradia e afirmava a<br />

sua independência relativamente às zonas sociais e<br />

às zonas privadas afectas a sua mãe, através de um<br />

acesso alternativo ao da entrada principal, criado à<br />

direita desta, e feito por meio de uma escada metálica<br />

que se desenvolve no exterior, agregada ao ângulo da<br />

frontaria, e que conduz ao terraço do primeiro andar.<br />

A porta para a antecâmara de José Manuel abre-se ao<br />

centro de um painel de azulejos disposto em ângulo<br />

curvo, decorado com motivos geométricos⁷⁹, de onde<br />

ressalta a formação de um pentagrama pitagórico –<br />

obra que testemunha a fase em que Almada estudou<br />

a génese do Conhecimento, através da Geometria e<br />

do Número⁸⁰, e que anuncia a solução encontrada<br />

no painel inciso e policromado, intitulado Começar,<br />

presente na Fundação Calouste Gulbenkian.<br />

⁷⁸ Inédito. Agradecemos a cedência da imagem à família do Dr. José<br />

Manuel Ferrão.<br />

⁷⁹ Contrariamente aos demais painéis figurativos da moradia, realizados<br />

«em faiança policromada», este único painel geométrico terá sido<br />

«executado pelo Mestre António de Sousa em alicatado». BURLAMAQUI,<br />

1996, p. 37.<br />

⁸⁰ TOSTÕES, 1997, p. 60.<br />

36 <strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong> Um vitral gnóstico de Almada Negreiros 37<br />

Fig. 15<br />

Panorâmica da fachada lateral esquerda. Observa-se a entrada<br />

principal, a escada de acesso ao primeiro piso (zona privada<br />

de José Manuel) e a janela onde se encontrava o vitral (janela<br />

rectangular mais estreita e fechada).<br />

Fig. 16<br />

Painel de azulejos de Almada Negreiros, na metade esquerda da<br />

fachada principal, ao nível do piso superior (terraço), onde se abre<br />

a porta que conduz à zona privada de José Manuel. Fotografias de<br />

Paulo Cintra.<br />

Atravessando esse portal simbólico, entra-se num<br />

verdadeiro “templo”, filosofal. Funcionando como um<br />

microcosmo autónomo, qual casa dentro da própria<br />

casa, essa ala inclui – para além da referida biblioteca<br />

(Fig. 20, n.º 5) – uma antecâmara, onde posteriormente<br />

se adaptou uma pequena “cozinha”⁸¹ (Fig. 20, n.º 4),<br />

um quarto (Fig. 20, n.º 6) e uma casa de banho (Fig.<br />

20, n.º 8). Toda a antecâmara e parte da biblioteca<br />

conservam as paredes pintadas de cor negra, rasgadas<br />

a branco por linhas que prefiguram pentagramas⁸²<br />

– repetindo os motivos do painel geométrico de<br />

azulejos e do tapete branco e negro da biblioteca –,<br />

afirmando a presença do símbolo gnóstico de união<br />

dos opostos⁸³ sobre a cor favorita do proprietário:<br />

Mas de todas a mais formosa<br />

e de todas a mais misteriosa<br />

é a minha verdadeira côr<br />

que eu canto sem saber porquê!...<br />

É o escuro, é o negro,<br />

É a cor que se não vê!...⁸⁴<br />

⁸¹ No terraço existe uma chaminé localizada na zona correspondente a<br />

esta área, embora, estranhamente, sem qualquer ligação a ela ou a outra<br />

divisão na mesma prumada. Efectivamente, não há seguimento desta<br />

estrutura nos cortes, nas plantas ou na própria edificação, pelo que a sua<br />

utilização permanece arcana, sabendo-se apenas que não foi projectada de<br />

raiz (porquanto não vem representada nas primeiras plantas desenhadas<br />

por António Varela em 1951 e só passa a constar nas de 1955) e que<br />

também não era, seguramente, a chaminé da cozinha, uma vez que esta<br />

se situa na ala oposta e é servida por um sistema de extracção lateral.<br />

⁸² A casa de banho mantém o revestimento de pedra negra, mas o quarto<br />

foi posteriormente repintado de branco.<br />

⁸³ Para os vários significados possíveis do Pentagrama, vide CHEVALIER e<br />

GHEERBRANT, 1994, p. 518.<br />

⁸⁴ José Manuel, 1944, p. 13.

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