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Eros e Psique - Fluid Creative

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concedido ao filho o desejo de incluir a representação<br />

alusiva a <strong>Eros</strong>), parecendo ter deixado a escolha temática<br />

ao critério do artista, que optou por representações<br />

mais livres e aparentemente mundanas quando<br />

comparadas com as que executou para a ala afecta<br />

a José Manuel (embora nelas também sobressaia<br />

a tendência unitária da representação e dos seus<br />

sentidos, sendo disso exemplo a constante associação<br />

directa entre o elementos feminino e masculino,<br />

expressa nos inúmeros pares de enamorados, em<br />

particular no casal de arlequins que caminha ao luar,<br />

partilhando um único casaco, parecendo geminado<br />

em termos formais e afectivos).<br />

Por seu turno, José Manuel terá solicitado ao<br />

arquitecto que criasse uma zona auto-suficiente para<br />

seu uso privado e interveio activamente no programa<br />

iconográfico de Almada para a respectiva decoração,<br />

onde se conjugam composições geométricas e<br />

figurativas de forte dimensão simbólica unitária⁸⁷.<br />

⁸⁷ Mesmo nos azulejos da varanda da biblioteca de José Manuel, onde se<br />

encontra representado um tema aparentemente mundano: uma família<br />

(pai e filho de um lado e mãe e filha e outro), é possível entender a ideia<br />

de unidade, expressa nos laços do núcleo familiar.<br />

40 <strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong> Um vitral gnóstico de Almada Negreiros 41<br />

É de crer que José Manuel também possa ter<br />

orientado a escolha temática de uma escultura em<br />

metal, da autoria de Amaral Paiva, representando<br />

São Francisco de Assis com um cão (animal predilecto<br />

deste proprietário) – originariamente colocada no<br />

jardim e posteriormente transferida para o interior da<br />

casa –, e ainda a ornamentação da porta principal da<br />

moradia (Fig. 21), executada pelo mesmo artista, que<br />

conta com uma escultura em cerâmica policromada,<br />

de representação aparentemente zoomórfica (do tipo<br />

candivorens, lembrando um Oroboros⁸⁸ que morde<br />

a própria cauda) e 10 quadrados em barro vidrado<br />

com motivos geométricos de simbólica hermética,<br />

agrupados em 5 de cada lado da mesma porta, onde<br />

se repete a figura do pentagrama. É provável que<br />

também o revestimento das escadas interiores e o<br />

projecto das duas escadas exteriores a tardoz (que<br />

terminam abrupta e enigmaticamente junto ao muro)<br />

tenham sido um pedido seu.<br />

⁸⁸ O Oroboros (ou Ouroboros, ou Oureboros, ou ainda Uroboro) simboliza<br />

duplamente o eterno-retorno e a União dos princípios opostos (CHEVALIER<br />

e GHEERBRANT, 1994, p. 670).<br />

Fig. 21<br />

Entrada principal da moradia, na fachada lateral esquerda, com<br />

decoração em cerâmica ostentando motivos geométricos em<br />

placas e uma escultura aparentemente zoomórfica, executada<br />

por Amaral Paiva. Observa-se também parte do revestimento das<br />

fachadas, apresentando pequenas incrustações em pedra negra<br />

que formam pontilhado.<br />

Fotografia de Paulo Cintra.<br />

Embora comprovadamente⁸⁹ participativos na<br />

concepção funcional e simbólica da moradia, os<br />

proprietários não impuseram significativas limitações<br />

plásticas e técnicas ao pintor ou ao arquitecto.<br />

Admirando sobremaneira as características<br />

essenciais das expressões de cada um, acolheram<br />

entusiasticamente a transição formal, temática e<br />

técnica da obra de Almada⁹⁰, conglutinando elementos<br />

da gramática decorativa de obras anteriores⁹¹ e<br />

a diversidade da pintura a óleo, do vitral e do<br />

azulejo, e receberam vivamente a riqueza semântica<br />

de Varela, poetizada num volume imponente e<br />

alteado relativamente às demais moradias vizinhas.<br />

Expressando de forma plástica o sentido exacto da<br />

citação de Paul Éluard, epigrafada sobre a pedra (Fig.<br />

24) onde se regista a data da conclusão da obra (10 de<br />

Fevereiro de 1954⁹² – «La maison s’élèva / comme un<br />

arbre fleurit»), Varela fez “nascer” a casa, qual árvore,<br />

de um “ventre” fecundo de terra, criado<br />

⁸⁹ Para esta afirmação contribui o já mencionado testemunho da Dr.ª<br />

Maria Augusta Barbosa, que enunciou vários exemplos da intervenção de<br />

D.ª Maria da Piedade e de José Manuel, por nós tidos em conta.<br />

⁹⁰ ALMADA NEGREIROS, 1993, p. 51.<br />

⁹¹Para além dos tão conhecidos pares amorosos de arlequins e dos<br />

pentagramas, destacam-se também as embarcações simples com guardasóis<br />

e as composições de pequenas mesas redondas já utilizados pelo artista<br />

nas decorações murais da Gare Marítima da Rocha do Conde d’Óbidos.<br />

Agradecemos ao fotógrafo Paulo Cintra a lembrança da referência.<br />

⁹² O dia 10 de Fevereiro de 1954 marca também o 26.º aniversário de<br />

José Manuel Ferrão. A coincidência da data leva a crer numa oferta de D.ª<br />

Maria da Piedade ao filho.

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