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Eros e Psique - Fluid Creative

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Fig. 10<br />

<strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong>⁵²<br />

José Sobral de Almada Negreiros (1893-1970)<br />

1948<br />

50 x 62 cm<br />

Aguarela e tinta sobre cartolina<br />

Colecção particular<br />

Fotografia da galeria Antiks Design<br />

⁵²Reproduzido em AA.VV., 1998, N.º 56. A imagem foi impressa em posição<br />

invertida no sentido horizontal.<br />

28 <strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong> Um vitral gnóstico de Almada Negreiros 29<br />

A solução última da ambiguidade apresentada no<br />

vitral não se filia, portanto, directa e aprioristicamente<br />

nas abordagens plásticas (nem, a nosso ver, na<br />

literária) anteriores que Almada Negreiros fez deste<br />

mito em particular e as circunstâncias em que esta<br />

se desenvolveu parecem revelar, outrossim, uma<br />

decisiva intervenção externa. De facto, a obra surgiu<br />

no âmbito de uma encomenda para uma residência<br />

privada, sendo que o tema foi certamente escolhido<br />

pelo proprietário e que o artista procurou ir ao<br />

encontro da ideia deste.<br />

Com efeito, os primeiros quatro estudos (Figs. 2, 3, 4<br />

e 5) confirmam que Almada se propunha representar<br />

<strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong> com características físicas bem definidas,<br />

ou seja, com uma eventual união firmada nas claras<br />

diferenças entre as duas personagens; aliás, o quarto<br />

estudo (Fig. 5) demonstra já um acabamento bastante<br />

apurado que parece indicar ter sido considerado por<br />

si uma versão final para apresentar ao proprietário.<br />

Todavia, a existência de um quinto estudo (Fig. 6)<br />

com uma súbita mudança de cores, uma alteração<br />

numérica das partes em que se organiza a composição<br />

e uma “con-fusão” de fisionomias (que na figura<br />

masculina se reflecte até no volume do peito e no<br />

comprimento dos cabelos – caso único na Obra de<br />

Almada) faz pensar num reajuste decorrente de uma<br />

concertação entre o encomendante e o artista para<br />

realçar a interpretação gnóstica unitária do mito.<br />

Infelizmente não se encontrou qualquer registo escrito<br />

que documentasse a encomenda da obra e pudesse<br />

esclarecer definitivamente as hipóteses adiantadas.<br />

Não obstante, a empenhada investigação levou-nos ao<br />

encontro de memórias vivas⁵³ que testemunharam a<br />

amizade entre o artista e os proprietários da moradia<br />

de onde provém o vitral⁵⁴ e que recordam com<br />

clareza o episódio de aprovação do último estudo⁵⁵.<br />

Esta relação tão próxima parece ter sido suficiente<br />

para escusar a formalidade e firmar o contrato na<br />

combinação discursiva.<br />

A obra foi executada a pedido de José Manuel Ferrão<br />

(1928-1993) – ou simplesmente José Manuel, como<br />

preferia assinar –, filho de D.ª Maria da Piedade. Poeta,<br />

pintor, compositor, profundo admirador da obra de<br />

Fernando Pessoa e amigo de Almada Negreiros, José<br />

Manuel contara já com a colaboração deste artista na<br />

ilustração das capas de três livros seus, o primeiro dos<br />

quais intitulado As Primeiras Canções, publicado em<br />

1944, onde aliás lhe dedica o poema «Confissão»⁵⁶.<br />

⁵³ Referimo-nos à viúva e à filha de José Manuel Ferrão (Sr.ª D.ª Cecília<br />

Guitart Ferrão e Dr.ª Madalena Guitart Ferrão), a uma amiga de Dª. Maria<br />

da Piedade (Dr.ª Maria Augusta Barbosa) e ainda ao filho de José de<br />

Almada Negreiros (Arq. José de Almada Negreiros), que generosamente<br />

nos forneceram informações.<br />

⁵⁴ ALMADA NEGREIROS, 1993, p. 24.<br />

⁵⁵ Este episódio foi-nos relatado com extraordinário detalhe pela Dr.ª<br />

Maria Augusta Barbosa, que relembra o agrado com que José Manuel<br />

recebeu o estudo a óleo, ressaltando a forma como traduzia a ideia do<br />

encomendante.<br />

⁵⁶ José Manuel, 1944, p. 126 e 127. Agradecemos esta referência<br />

bibliográfica à Dr.ª Sara Afonso Ferreira. Os outros dois livros, intitulados<br />

Novas Canções e Sargaços, respectivamente publicados em 1946 e 1947,<br />

repetem a mesma ilustração de Almada mas em cores diferentes.<br />

Senhor de uma personalidade complexa e de trato<br />

peculiar, este intelectual multifacetado condenou<br />

a própria obra pictórica e manuscrita ao silêncio do<br />

Fogo, num desejo cumprido post mortem que talvez<br />

tenha sacrificado as provas mais contundentes do<br />

seu pensamento hermético... Porém, escaparam à<br />

damnatio as obras que publicou entre 1944 e 1965<br />

e que atestam a influência das leituras pessoais,<br />

estando as de Fernando Pessoa documentadas na<br />

citação preambular da obra Tema e Variações⁵⁷ e na<br />

dedicatória à memória do poeta no livro Cantata⁵⁸. Os<br />

seus livros denunciam uma atitude vivencial dividida<br />

entre o existencialismo⁵⁹ e a devoção⁶⁰ (pendendo<br />

talvez mais para um cristianismo gnóstico), e revelam<br />

ideias, imagens e termos que remetem directamente<br />

para o vitral executado por Almada a seu pedido,<br />

sobretudo ao nível da concepção unitária, da temática<br />

onírica e amorosa⁶¹, da dimensão cromática, da<br />

técnica e dos materiais.<br />

A concepção e a temática tornam-se particularmente<br />

evidentes na paradigmática Alquimia do Sonho⁶²<br />

– romance poemático e simbólico, de contornos<br />

autobiográficos, editado em 1953 – e no seu primeiro<br />

⁵⁷ José Manuel, 1950 b), p. 1.<br />

⁵⁸ José Manuel, 1950 a), p. 1.<br />

⁵⁹ José Manuel, 1947, 1953 e 1962 b).<br />

⁶⁰ José Manuel, 1961 b), 1962 a) e 1963.<br />

⁶¹ Todas as obras deste autor referem as mencionadas temáticas.<br />

⁶² José Manuel, 1953.

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