You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
por parte de <strong>Psique</strong> e como uma alusão ao engano<br />
dos sentidos e à morte iniciática para superar esse<br />
engano material e alcançar a Verdade (consoante se vê<br />
a figura adormecida como <strong>Eros</strong> ou como a projecção<br />
de <strong>Psique</strong>); a tensão da mão da figura adormecida<br />
prenuncia o despertar desta, anunciando ora o início,<br />
ora o fim das etapas iniciáticas de <strong>Psique</strong> (conforme<br />
se interpreta a personagem adormecida como <strong>Eros</strong> ou<br />
como a projecção de <strong>Psique</strong>); a presença das asas na<br />
figura de <strong>Eros</strong> reporta à sua condição divina, ao passo<br />
que na imagem projectada de <strong>Psique</strong> pode funcionar<br />
triplamente como símbolo da desmaterialização<br />
(enquanto saída do corpo material, sensorial e<br />
enganador)⁷⁷, como renascimento para uma condição<br />
superior imortal e ainda como sinal de “aliança”<br />
nupcial com o deus.<br />
A aparência andrógina das duas figuras gera,<br />
pois, uma “confusão” de géneros que permite a<br />
identificação de uma personagem com a outra e<br />
promove leituras diferentes mas complementares,<br />
pois para além de compreenderem a condensação<br />
dos dois episódios cruciais da estória de Apuleio num<br />
único registo imagético, conduzem, afinal, a uma<br />
mesma e única conclusão: o mito é entendido como<br />
uma alusão ao princípio hermético (compreendido<br />
na Tábua de Esmeralda, de Hermes Trismegisto) da<br />
correspondência, da complementaridade e da união<br />
dos opostos representados pelos dois amantes, já que<br />
⁷⁷ CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 92 e 93.<br />
34 <strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong> Um vitral gnóstico de Almada Negreiros 35<br />
ao descobrir <strong>Eros</strong>, <strong>Psique</strong> inicia-se nos Mistérios<br />
Gnósticos, acede ao Conhecimento e atinge a<br />
imortalidade, mudando de condição e “igualandose”<br />
ao deus; resolvidas as diferenças entre eles,<br />
termina o dualismo e um revê-se no outro, como que<br />
confirmando a sua equivalência. Em última análise,<br />
subentende-se a sua “fusão”, ou seja, o resultado da<br />
conjunctio alquímica que é a Rebis (também designada<br />
por Andrógino ou Hermafrodita).<br />
Uma iconografia em<br />
contexto: o vitral e a casa<br />
para onde foi concebido<br />
Fig. 12<br />
Fachada principal da residência na Rua de Alcolena, N.º 28 (antigo<br />
Lote 149).<br />
Fotografia de Paulo Cintra.<br />
A dependência da casa para onde foi concebido o<br />
vitral era precisamente a biblioteca de José Manuel<br />
(Figs. 13 e 14), espaço de Conhecimento e de Reflexão<br />
(em perfeita analogia com o tema e a forma de<br />
representação do vitral).<br />
Fig. 13<br />
José Manuel Ferrão na biblioteca, acompanhado do seu Fox<br />
Terrier, de nome Jagodes, tendo atrás de si o vitral <strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong>⁷⁸.<br />
Reprodução fotográfica de Paulo Cintra.<br />
Fig. 14<br />
Panorâmica actual do interior da biblioteca de José Manuel.<br />
Na parede de topo observa-se a janela onde originalmente se<br />
encontrava o vitral. Fotografia com montagem de Paulo Cintra.