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Eros e Psique - Fluid Creative

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8 <strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong> Um vitral gnóstico de Almada Negreiros 9<br />

Nota de abertura<br />

O presente ensaio constitui um novo contributo para<br />

a análise iconográfica de um vitral executado por<br />

Almada Negreiros. Partindo uma vez mais da dúbia<br />

representação das figuras que o compõem, oferece<br />

uma leitura alternativa às anteriores – que no entanto<br />

permite chegar exactamente à mesma conclusão – e<br />

explora com maior detalhe os aspectos subjacentes à<br />

produção da obra, evidenciando a forte intervenção<br />

do encomendante e a relação simbólica entre a peça<br />

e a casa que originalmente integrou.<br />

Para além das interpretações complementares,<br />

apresenta também um desenho inédito do artista, que<br />

embora seja anterior à obra em foco é subordinado<br />

ao mesmo tema, e mais dois estudos igualmente<br />

inéditos para o vitral, que documentam a evolução<br />

do desenho, das formas e dos sentidos. Inclui ainda<br />

algumas fotografias antigas e actuais do interior e do<br />

exterior da moradia, que evidenciam um conjunto<br />

artístico extraordinariamente rico, onde se revela<br />

a admirável unidade simbiótica entre diferentes<br />

expressões plásticas (vitral, azulejo¹ e escultura<br />

adossada, de vulto pleno e placas incisas) reunidas<br />

e articuladas – desde os projectos iniciais – numa<br />

arquitectura modernista única, de fruição duplamente<br />

privada e pública, funcional e estética, racional e<br />

emotiva, que permite uma interessante abordagem<br />

do ponto de vista da psicologia da habitação e da<br />

afirmação da residência enquanto obra de expressão<br />

cultural e social, ultrapassando claramente o próprio<br />

conceito coevo de obra arquitectónica utilitária<br />

ornamentada².<br />

A moradia em causa foi traçada nos anos 50 do<br />

século XX por António Varela – colaborador de Jorge<br />

Segurado –, em estrita observância das premissas dos<br />

proprietários, D.ª Maria da Piedade Figueiredo Mota<br />

Gomes e seu filho Dr. José Manuel Mota Gomes Fróis<br />

Ferrão³, amigos do arquitecto e dos artistas plásticos<br />

que colaboraram no programa decorativo deste<br />

coerente projecto.<br />

Revelando um traçado de influência corbusiana⁴,<br />

¹ Os painéis de azulejos, da autoria de Almada Negreiros e executados na<br />

Fábrica Viúva Lamego em 1953, foram sumariamente referidos por Suraya<br />

Burlamaqui em 1996 (BURLAMAQUI, 1996, p. 12, 36 e 37).<br />

² A propósito da estreita relação entre as várias artes decorativas e a<br />

arquitectura, fomentada pelo Estado Novo no âmbito da “campanha do<br />

bom gosto”, salientamos as reflexões do Arq. Porfírio Pardal Monteiro,<br />

para quem esta associação constituía um renascimento (ou revivalismo)<br />

das práticas do passado, já que «nos bons períodos de cada estilo o<br />

ornamento integr[ou]-se na construção e [fez] corpo com ela. O seu papel<br />

[era] o de valorizar as massas ou os elementos dum edifício, e quando<br />

o ornamento [era] inteligentemente compreendido, constitu[ia] riqueza<br />

duma época.» Neste sentido, entendia que «o progresso da Arquitectura<br />

[havia de] conduzir ao de todas as outras artes subsidiárias que na<br />

Arquitectura t[inham] intervenção, mas adaptadas ao seu respectivo<br />

lugar e à função que lhes compet[ia].» (MONTEIRO, «Espírito clássico», in<br />

Sudoeste, n.º 3, 1935, p. 170 e 171, apud VIEIRA, 2004, p. 149 e 150).<br />

³ Cfr. ARRUDA, 1995, p. 420, onde, por lapso, o arquitecto é mencionado<br />

como proprietário da residência que apenas projectou.<br />

⁴ Referência ao arquitecto suíço Charles-Edouard Jeanneret-Gris (1887-<br />

1965), que adoptou o pseudónimo «Le Corbusier». As suas obras<br />

destacam-se por intensos diálogos de formas rectas e curvas, volumes<br />

vazios e cheios, efeitos de luz e sombra, e pelo aproveitamento da<br />

cobertura de alguns edifícios para criação de terraços-jardim. A sua<br />

influência em Portugal surge, sobretudo, na sequência do 1º Congresso<br />

Nacional de Arquitectura, decorrido entre Maio e Junho de 1948. A este<br />

propósito, vide VIEIRA DE ALMEIDA e FERNANDES, 1986, p. 144.

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