You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
[…]<br />
Desfazendo-se em sonhos pelos céus,<br />
quase sentimental, quase secreta,<br />
aproxima-se a hora violeta<br />
[…]⁶⁹<br />
*<br />
Como a lua assomando entre os vitrais<br />
ondulando através do templo todo<br />
se desdobrando em cores pelas naves<br />
– ametista e azul púrpura e oiro –<br />
te derramas em mim fluida e vibrátil<br />
palpitante de seiva e de mistério<br />
me alumbras, me consomes (mas tam pálida)<br />
me transportas além do instante efémero<br />
subterrânea em meu sangue em minha carne<br />
mas ardendo com chama imperecível<br />
crepitando oscilando – infatigável –<br />
aspirando (quem sabe?) a um céu mais livre<br />
de súbito te evolas dos meus braços<br />
num eflúvio de inquietas lantejoulas<br />
abres as amplas asas para o espaço<br />
[…]⁷⁰<br />
⁶⁹ José Manuel, 1947, p. 44 e 45.<br />
⁷⁰ José Manuel, 1963, p. 7 e 8.<br />
Dorme e esquece…<br />
Quantas vezes a vida nos parece<br />
um sono enorme!<br />
Dorme, dorme…<br />
Dorme que virei acordar-te,<br />
Dorme um longo sono.<br />
[…]<br />
dorme um sono que te torne ausente<br />
deste mundo impuro.<br />
[…]<br />
Dorme, dorme e esquece:<br />
Só dormindo poderás viver…<br />
[…]⁷¹<br />
32 <strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong> Um vitral gnóstico de Almada Negreiros 33<br />
Partindo de um tema da Antiguidade reinterpretado<br />
por vários vultos do Modernismo – na sua maioria<br />
amigos ou conhecidos de José Manuel Ferrão –, o<br />
vitral <strong>Eros</strong> e <strong>Psique</strong> nasce de um culto pessoal do<br />
encomendante pelo Conhecimento e pelo Amor, sendo<br />
este entendido por si como forma de união dóxica<br />
sagrada, de fusão hermética e de conhecimento de<br />
si, do outro e de reconhecimento de si no outro. Para<br />
a sua execução, o amigo Almada Negreiros retomou<br />
três desenhos que havia feito anteriormente, quando<br />
preparava uma peça teatral inspirada no tema (apesar<br />
de muito distante da estória e da narrativa mítica),<br />
⁷¹ José Manuel, 1946, p. 106 e 107.<br />
* onde expressava um entendimento paradoxal do pentagrama, que constitui, outrossim, um símbolo<br />
amor baseado nas diferenças dos cônjuges e no do Conhecimento⁷⁴); o cromatismo violeta do fundo<br />
caminho individual e solitário que cada um tem lembra a cor da Paixão (etapa que antecede a morte e<br />
de percorrer para se conhecer a si mesmo, jamais a ressurreição)⁷⁵; a lucerna, com a sua chama branca,<br />
conhecendo verdadeiramente o outro e dificilmente surge como fonte simbólica da Luz que permite o<br />
reconhecendo-se nele. Usando esses desenhos Conhecimento (podendo ser ora relacionada com<br />
como referência para o posicionamento das figuras <strong>Psique</strong>, em alusão à sua curiosidade e descoberta, ora<br />
(sobretudo da que se encontra adormecida), o artista com <strong>Eros</strong>, em referência à iluminação que este deus<br />
foi trabalhando as características fisionómicas das proporciona à figura humana mediante a iniciação<br />
personagens, as cores e as divisões da composição de no processo gnóstico); a coloração amarelo-ouro<br />
acordo com as indicações do encomendante, sendo da figura acordada traduz a ideia de Conhecimento<br />
que o resultado final constitui uma obra a quatro (ou seja Iluminação), transmutação e imortalidade,<br />
mãos. O vitral revela, pois, um entendimento do mito em analogia com o simbolismo místico do Ouro<br />
de Apuleio como uma alegoria hermética ao Amor metálico⁷⁶ (podendo também ser arbitrariamente<br />
Gnóstico Unitário e permite uma análise unificada dos relacionada com <strong>Psique</strong>, na medida em que esta tem<br />
pormenores materiais e simbólicos que o compõem, acesso ao Conhecimento, ou com <strong>Eros</strong>, uma vez que<br />
deixando perceber que todos eles se revestem a sua condição divina pressupõe que já é detentor<br />
de particular sentido orgânico: o vidro permite a desse Conhecimento e que pode revelá-lo através<br />
entrada da Luz no espaço onde o vitral foi colocado; da iniciação); a atitude de observação adoptada pela<br />
o chumbo⁷², metal saturnino que os alquimistas figura em vigília relativamente à que dorme pode ser<br />
operativos acreditavam poder ser transformado em duplamente interpretada como a descoberta de <strong>Psique</strong><br />
ouro, une e ao mesmo tempo fracciona o vidro em 5 (destacando a curiosidade enquanto característica<br />
partes verticais, simulando as grades de uma janela propulsora do Conhecimento) ou como a orientação<br />
esotérica⁷³ e remetendo para a simbologia do número de <strong>Eros</strong> (realçando o seu papel como guia iniciático<br />
5 («sinal de união, número nupcial», «símbolo do de <strong>Psique</strong>); o estado onírico pode ser duplamente<br />
homem» completo e também «do andrógino» e ainda<br />
da «harmonia pentagonal» – em analogia com o<br />
entendido como uma oportunidade de descoberta<br />
⁷² Para um significado do metal Chumbo nos contextos herméticos, vide<br />
CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 192.<br />
⁷³ Para um significado da Janela nos contextos herméticos, vide CHEVALIER<br />
e GHEERBRANT, 1994, p. 382.<br />
⁷⁴ CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 196; para um significado do<br />
pentagrama - também designado pentagrama de Hermes gnóstico – nos<br />
contextos esotéricos, vide CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 518.<br />
⁷⁵ CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 697.<br />
⁷⁶ CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 495 e 496.