As “cartas” de Michel Tournier para o enigma da vida em
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<strong>As</strong> <strong>“cartas”</strong> <strong>de</strong> <strong>Michel</strong> <strong>Tournier</strong> <strong>para</strong> o <strong>enigma</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ...<br />
Sexta-feira eventualmente apanhasse, <strong>de</strong>veria saber que era <strong>para</strong> seu próprio<br />
b<strong>em</strong>. Mas, n<strong>em</strong> tudo estava tão tranqüilo assim; do mesmo modo como Robinson<br />
sentiu a presença <strong>de</strong> uma outra ilha, também agora tinha a sensação <strong>de</strong> que<br />
havia um outro Sexta-feira, diferente <strong>da</strong>quele tão domesticado.<br />
Robinson irá atormentar-se ao <strong>de</strong>scobrir que Sexta-feira <strong>de</strong>positou sua<br />
“s<strong>em</strong>ente negra” na terra <strong>de</strong> “Speranza” – que gerou com ela filhas bastar<strong>da</strong>s.<br />
Descarrega sua fúria sobre ele, consome-se com a “traição” <strong>de</strong> sua esposa.<br />
Mas, o que mais lhe incomo<strong>da</strong>va era a suspeita <strong>de</strong> que havia algo que não conseguia<br />
captar naquele selvag<strong>em</strong>; e se todo ele fosse uma adição <strong>de</strong> coisas igualmente<br />
admiráveis que ele ignora só por cegueira?<br />
Por mais que <strong>de</strong>sse continui<strong>da</strong><strong>de</strong> ao seu dia-a-dia organizado, Robinson<br />
estava <strong>em</strong> estado <strong>de</strong> espera. Esperava um acontecimento <strong>de</strong>cisivo, perturbador,<br />
um começo radicalmente novo que inutilizaria todos os <strong>em</strong>preendimentos passados<br />
ou futuros. Esse acontecimento perturbador v<strong>em</strong> pelas mãos <strong>de</strong> Sexta-feira<br />
– a explosão <strong>da</strong> gruta põe pelos ares a ilha <strong>de</strong> Robinson, sua <strong>em</strong>presa estava<br />
<strong>de</strong>struí<strong>da</strong>. Tudo ardia <strong>em</strong> chamas... é chega<strong>da</strong> a hora <strong>de</strong> Saturno, que se apresentou<br />
<strong>para</strong> Robinson ain<strong>da</strong> no Virginie pendurado pelos pés. Como na profecia<br />
<strong>da</strong>s cartas, achava-se Crusoé <strong>de</strong> cabeça <strong>para</strong> baixo.<br />
Sexta-feira ia arrastá-lo <strong>para</strong> outra coisa. <strong>Tournier</strong> <strong>de</strong>sven<strong>da</strong>-nos as sensações<br />
<strong>de</strong> Robinson: “A este reino telúrico que lhe era odioso... e que ele morria<br />
por <strong>de</strong>scobrir. Debatia-se na sua velha pele um novo Robinson, que aceitava, <strong>de</strong><br />
ant<strong>em</strong>ão, <strong>de</strong>ixar ruir a ilha administra<strong>da</strong> <strong>para</strong> se internar, atrás <strong>de</strong> um iniciador<br />
irresponsável, num caminho <strong>de</strong>sconhecido.” (p.167)<br />
Os próximos dias realizarão a profecia do arcano décimo quinto: Gêmeos,<br />
a nova forma <strong>da</strong> Vênus metamorfosea<strong>da</strong>. Os Gêmeos apresentam-se ligados<br />
pelo pescoço aos pés do Anjo bissexuado. Robinson, encorajado por Sexta-feira,<br />
passou a expor-se nu ao sol. Foi <strong>de</strong>sabrochando, <strong>de</strong> seu corpo irradiava um<br />
calor...experimentava uma segurança que jamais conhecera. Aproximava-se ca<strong>da</strong><br />
vez mais dos el<strong>em</strong>entos, estava por tornar-se el<strong>em</strong>entar, um “Robinson <strong>de</strong> sol na<br />
ilha torna<strong>da</strong> solar”, no dizer <strong>de</strong>leuziano.<br />
O <strong>de</strong>sfecho se avizinha... a metamorfose segue seu curso. <strong>Tournier</strong> faz<br />
com que o par <strong>de</strong> Gêmeos encontre o arcano Leão, <strong>de</strong>senhando a profecia<br />
anuncia<strong>da</strong>: “Duas crianças dão-se as mãos frente a um muro que simboliza a<br />
ci<strong>da</strong><strong>de</strong> solar. O <strong>de</strong>us-sol ocupa todo o alto <strong>de</strong>sta carta que lhe é <strong>de</strong>dica<strong>da</strong>. Na<br />
ci<strong>da</strong><strong>de</strong> solar – suspensa entre o t<strong>em</strong>po e a eterni<strong>da</strong><strong>de</strong>, entre a vi<strong>da</strong> e a morte – os<br />
habitantes estão revestidos <strong>de</strong> pueril inocência, tendo acedido à sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> solar<br />
que, mais ain<strong>da</strong> do que androgínica, é circular. Uma serpente a mor<strong>de</strong>r a<br />
cau<strong>da</strong> é a figura <strong>de</strong>sta erótica fecha<strong>da</strong> sobre si própria. É o zênite <strong>da</strong> perfeição<br />
humana, infinitamente difícil <strong>de</strong> conquistar, ain<strong>da</strong> mais difícil <strong>de</strong> conservar.” (p.9)<br />
O <strong>enigma</strong> <strong>de</strong> <strong>Tournier</strong> t<strong>em</strong> seu <strong>de</strong>ciframento na metamorfose <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong>...<br />
a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> el<strong>em</strong>entar que não se restringe à duali<strong>da</strong><strong>de</strong> do sexo mas,<br />
Ciências Humanas <strong>em</strong> Revista - São Luís, V. 4, n.2, <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro 2006 195