07.06.2013 Views

As “cartas” de Michel Tournier para o enigma da vida em

As “cartas” de Michel Tournier para o enigma da vida em

As “cartas” de Michel Tournier para o enigma da vida em

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

_________________________________________________________________<br />

Maria Cristina Bunn<br />

Neste ensaio pretendo me aproximar <strong>de</strong> uma Sociologia do Romance,<br />

aqui mais como simulacro <strong>da</strong> reflexão filosófico-literária <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> pelos filósofos<br />

Gilles Deleuze e <strong>Michel</strong> <strong>Tournier</strong> acerca do mito “Robinson Crusoé”. É<br />

necessário precisar o lugar <strong>da</strong> filosofia <strong>em</strong> que se encontram os dois pensadores<br />

que aqui me guiam. Deleuze, o filósofo <strong>da</strong> “experimentação”, escreve e pensa<br />

valendo-se do ritmo e do tom do artista, contamina-se com a não-filosofia <strong>para</strong><br />

mergulhar na reflexão filosófica. Já <strong>Tournier</strong> formou-se <strong>em</strong> filosofia e “ban<strong>de</strong>ouse”<br />

<strong>para</strong> a Literatura, tornando-se romancista reconhecido também por sua verve<br />

filosófica. Estranhas contaminações, contágios <strong>de</strong>leuzianos que neste ensaio atravessam<br />

também a sociologia, lugar original <strong>de</strong> minha formação acadêmica.<br />

É bom ain<strong>da</strong> dizer que entendo simulacro como Deleuze, enquanto imagens<br />

construí<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong> <strong>de</strong>ss<strong>em</strong>elhança, <strong>da</strong> alteri<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> diferença. E é na<br />

busca <strong>da</strong> produção <strong>de</strong> uma outra leitura, interpretação contamina<strong>da</strong> pela sociologia,<br />

que percorrerei o caminho do romancista <strong>Tournier</strong> <strong>em</strong> sua obra “Sexta-feira<br />

ou os limbos do Pacífico”, numa viag<strong>em</strong> com os personagens e cenários <strong>de</strong>ste<br />

mito recriado. A construção <strong>de</strong>ste ensaio alimenta-se ain<strong>da</strong> do posfácio à obra<br />

<strong>de</strong> <strong>Tournier</strong> escrito por Deleuze.<br />

Ao recriar o drama <strong>de</strong> Robinson Crusoé, vítima <strong>de</strong> um naufrágio no século<br />

XVIII, e arr<strong>em</strong>essado literalmente a uma ilha <strong>de</strong>serta do Pacífico, <strong>Tournier</strong><br />

nos permite pensar acerca <strong>da</strong> racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> que sustentava o sujeito Robinson<br />

<strong>em</strong> seu mundo oci<strong>de</strong>ntal organizado e previsível. Lutando contra a solidão,<br />

Robinson experimenta a fragili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> suas crenças e conceitos e vive a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> transformar sua visão <strong>de</strong> mundo instrumental e colonizadora. Da<br />

resistência às agruras que a catástrofe do naufrágio lhe impôs, ao “estranhamento”<br />

criador com a chega<strong>da</strong> do personag<strong>em</strong> Sexta-feira – o selvag<strong>em</strong> - po<strong>de</strong>mos<br />

pensar questões que conformam a racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> instrumental cartesiananewtoniana,<br />

substrato <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal mo<strong>de</strong>rna, <strong>em</strong> confronto com uma<br />

racionali<strong>da</strong><strong>de</strong> substantiva que resgata o sujeito ao apresentar-lhe “linhas <strong>de</strong> fuga”.<br />

No sentido <strong>de</strong>leuziano, linhas <strong>de</strong> fuga são vias que nos transportam <strong>para</strong> fora <strong>da</strong><br />

moldura, do enquadramento, trazendo à tona o sujeito dos “<strong>de</strong>sejos”, não mais<br />

apenas <strong>da</strong> razão.<br />

Construí este ensaio seguindo a cena inicial do romance, qual seja: Robinson<br />

encontra-se ain<strong>da</strong> no navio Virginie, refugiado na cabine à frente <strong>de</strong> seu capitão<br />

que lhe propõs um jogo <strong>de</strong> cartas on<strong>de</strong> “<strong>da</strong>va livre curso à sua veia divinatória”.<br />

Apresentado por <strong>Tournier</strong> como hom<strong>em</strong> “malicioso” e “gozador”, o capitão inquietava<br />

Robinson, colocado <strong>de</strong>sconfortavelmente na posição <strong>de</strong> objeto <strong>de</strong> diversão<br />

alheio por força <strong>da</strong> t<strong>em</strong>pesta<strong>de</strong> que se intensificava. <strong>As</strong> cartas retira<strong>da</strong>s<br />

no jogo, <strong>em</strong> tom pr<strong>em</strong>onitório, marcarão as experiências <strong>de</strong> Robinson na Ilha.<br />

Embarqu<strong>em</strong>os, então, nesta viag<strong>em</strong>.<br />

À bordo do Virginie seguia Robinson <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> fortuna no Novo<br />

Mundo...que riquezas iria encontrar? Nas cartas coloca<strong>da</strong>s pelo capitão holan-<br />

186<br />

Ciências Humanas <strong>em</strong> Revista - São Luís, V. 4, n.2, <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro 2006

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!