07.06.2013 Views

As “cartas” de Michel Tournier para o enigma da vida em

As “cartas” de Michel Tournier para o enigma da vida em

As “cartas” de Michel Tournier para o enigma da vida em

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

_________________________________________________________________<br />

<strong>As</strong> <strong>“cartas”</strong> <strong>de</strong> <strong>Michel</strong> <strong>Tournier</strong> <strong>para</strong> o <strong>enigma</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ...<br />

[...] Sei agora que todos os homens traz<strong>em</strong> <strong>em</strong> si – e dir-se-ia, acima <strong>de</strong> si – uma<br />

frágil e complexa montag<strong>em</strong> <strong>de</strong> hábitos, respostas, reflexos, mecanismos,<br />

preocupações, sonhos e implicações, que se formou e, vai-se transformando,<br />

no permanente contato com os seus s<strong>em</strong>elhantes. Priva<strong>da</strong> <strong>da</strong> seiva, esta <strong>de</strong>lica<strong>da</strong><br />

florescência <strong>de</strong>finha e <strong>de</strong>sfaz-se.” (p.47).<br />

Em pleno turbilhão <strong>de</strong>ssas forças <strong>de</strong> restauração/dissolução, Robinson<br />

esforça-se <strong>para</strong> manter-se atento, lúcido. Em muitos momentos, ao percorrer os<br />

caminhos <strong>de</strong> “Speranza”, duvi<strong>da</strong> <strong>de</strong> seus sentidos...são “cheiros <strong>da</strong> infância”<br />

que <strong>de</strong> repente lhe inva<strong>de</strong>m o corpo, sensações que lhe perpassam o espírito. É<br />

o espanto ao <strong>de</strong>scobrir a marca <strong>de</strong> seu pé inscrita na rocha... Denunciando o<br />

longo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong> que se encontra na ilha.<br />

O T<strong>em</strong>po... “O que me surge repentinamente como evidência imperiosa<br />

é a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> lutar contra o t<strong>em</strong>po, isto é: <strong>de</strong> aprisionar o t<strong>em</strong>po. Na medi<strong>da</strong><br />

<strong>em</strong> que vivo dia a dia, abandono-me, o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>sliza-me por entre os <strong>de</strong>dos,<br />

perco o meu t<strong>em</strong>po, perco-me.” (p.53)<br />

Desenvolve uma série <strong>de</strong> estratégias <strong>para</strong> domesticar o t<strong>em</strong>po; adia a<br />

festa do primeiro pão que conseguira retirar <strong>de</strong> “Speranza”. Armazena o fruto<br />

<strong>de</strong> sua colheita. Lamenta não po<strong>de</strong>r transformar <strong>em</strong> capital, <strong>em</strong> dinheiro, o resultado<br />

<strong>de</strong> sua produção. Encontra um aliado na sua luta <strong>para</strong> manter-se humano: o<br />

cão, companheiro <strong>de</strong> viag<strong>em</strong> no Virginie, reaparece e, <strong>para</strong> Robinson, “test<strong>em</strong>unha<br />

e recompensa minha vitória sobre as forças dissolventes que me arrastavam<br />

<strong>para</strong> o abismo. O cão é o natural companheiro do hom<strong>em</strong>... lerei <strong>de</strong> futuro nos<br />

seus bons olhos cor <strong>de</strong> avelã se tenho sabido manter-me à altura <strong>de</strong> hom<strong>em</strong>,<br />

malgrado o horrível <strong>de</strong>stino que me arrasta <strong>para</strong> o chão.”(p.57)<br />

Robinson imagina que recupera sua humani<strong>da</strong><strong>de</strong> ao construir um abrigo<br />

<strong>para</strong> morar... uma casa – símbolo e força moral, espaço sagrado que comportará<br />

rituais <strong>para</strong> o uso. <strong>Tournier</strong> nos revela aqui a dimensão do espaço e t<strong>em</strong>po domesticados,<br />

a ânsia do <strong>de</strong>miurgo <strong>em</strong> “racionalizar” “Speranza”, a luta <strong>para</strong> preservar<br />

um “museu do humano”.<br />

Nos momentos <strong>de</strong> reflexão, <strong>em</strong> que enfrenta o medo <strong>de</strong> ‘per<strong>de</strong>r a palavra’,<br />

constituindo “Speranza”, Robinson não se dá conta, mas a contaminação<br />

prossegue – já vive o contágio, a “captura” <strong>de</strong>leuziana. Sinais <strong>de</strong>sse contágio<br />

evi<strong>de</strong>nciam-se ao leitor:<br />

Creio que a alma só começa a ter um conteúdo assinalável <strong>para</strong> além <strong>da</strong> cortina<br />

<strong>de</strong> pele que se<strong>para</strong> o interior do exterior, e que ela se enriquece infinitamente à<br />

medi<strong>da</strong> que se anexa aos círculos mais amplos <strong>em</strong> torno do ponto-eu. Robinson<br />

só é infinitamente rico no momento <strong>em</strong> que coinci<strong>de</strong> com Speranza, to<strong>da</strong> ela.<br />

(p.61)<br />

Ciências Humanas <strong>em</strong> Revista - São Luís, V. 4, n.2, <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro 2006 191

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!