As “cartas” de Michel Tournier para o enigma da vida em
As “cartas” de Michel Tournier para o enigma da vida em
As “cartas” de Michel Tournier para o enigma da vida em
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
_________________________________________________________________<br />
<strong>As</strong> <strong>“cartas”</strong> <strong>de</strong> <strong>Michel</strong> <strong>Tournier</strong> <strong>para</strong> o <strong>enigma</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> ...<br />
dês, <strong>de</strong>senhava-se o <strong>enigma</strong> <strong>da</strong> aventura robsoniana <strong>da</strong> qual, <strong>de</strong> ant<strong>em</strong>ão, <strong>Tournier</strong><br />
avisa: não terá como fugir.<br />
[...] a algazarra <strong>da</strong> t<strong>em</strong>pesta<strong>de</strong> ressoava aos ouvidos <strong>de</strong> Robinson como o <strong>de</strong><br />
uma ass<strong>em</strong>bléia <strong>de</strong> bruxas a acompanhar o jogo maléfico <strong>em</strong> que ele, quisesse<br />
ou não, estava metido.” (p.7). 1<br />
O infortúnio do naufrágio <strong>em</strong> um ponto qualquer do Pacífico leva Robinson<br />
ao cenário possível <strong>para</strong> vivenciar até a última gota a trama <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong>.<br />
<strong>Tournier</strong> conduz a aventura robsoniana envolvendo o leitor no <strong>enigma</strong>. A<br />
ca<strong>da</strong> “carta” vivi<strong>da</strong> por Robinson, experimenta–se com ele a dor, o cansaço, o<br />
sofrimento e, também, a metamorfose. Realiza-se o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>leuziano <strong>de</strong> “experimentar”<br />
a escrita, ler-se um livro como se a um filme assistisse ou música<br />
ouvisse 2 . Aqui, um misto <strong>de</strong> sons, cores, cheiros, gostos e gozos perpassam um<br />
leitor “capturado”.<br />
Mas, vamos com Robinson <strong>de</strong>scobrir <strong>em</strong> que mundo novo ele fora lançado.<br />
Na beira <strong>da</strong> praia, entre rochas e mar, encontra-se o corpo <strong>de</strong> um D<strong>em</strong>iurgo<br />
(primeira carta encarna<strong>da</strong> por Robinson) que se esforça <strong>para</strong> levantar, recuperando<br />
aos poucos a consciência... E, espantosamente, inicia uma série <strong>de</strong> “elucubrações”<br />
a fim <strong>de</strong> conseguir novamente “organizar” a situação inusita<strong>da</strong> <strong>em</strong> que se encontra.<br />
Procura raciocinar estabelecendo as probabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> sua localização. T<strong>em</strong><br />
ain<strong>da</strong> poucos <strong>da</strong>dos. Move-se <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> outros sobreviventes.<br />
Percebe logo a forte presença dos el<strong>em</strong>entos: sol, do qual é necessária a<br />
primeira proteção; vegetação <strong>de</strong>nsa que é preciso transpassar. E lá vai o “arcano<br />
organizador” <strong>em</strong> busca <strong>de</strong> referências... eis que se <strong>de</strong><strong>para</strong> com o primeiro ser<br />
vivo – um bo<strong>de</strong> selvag<strong>em</strong>. A atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> Robinson diante do animal <strong>de</strong>sconhecido<br />
e, posteriormente, diante <strong>da</strong> Ilha batiza<strong>da</strong> improvisa<strong>da</strong>mente <strong>de</strong> ‘Ilha <strong>da</strong> Desolação’<br />
é a do estrangeiro <strong>em</strong> terra inóspita que se arma, estabelece estratégias <strong>de</strong><br />
segurança, “mapeia” o território, cria “saí<strong>da</strong>s” <strong>de</strong> <strong>em</strong>ergência e, dominado pelo<br />
medo e fúria, elimina o diferente que ameaça sua integri<strong>da</strong><strong>de</strong> - pois assim lhe<br />
parece.<br />
Percorrendo a Ilha, Robinson dá-se conta <strong>de</strong> sua solidão e passa a viver<br />
a espera... experimenta a imobili<strong>da</strong><strong>de</strong>, crendo na salvação. Ain<strong>da</strong> como a carta<br />
do <strong>de</strong>miurgo, a primeira que tirou do baralho do holandês, procurava abrigo à<br />
sombra <strong>de</strong> uma or<strong>de</strong>m ilusória, <strong>de</strong>ixava s<strong>em</strong>pre prontos os sinais <strong>de</strong> sua presença<br />
na ilha... a fogueira, os <strong>de</strong>stroços do Virginie que “certamente” seriam avistados<br />
por outra <strong>em</strong>barcação. Os dias iam transcorrendo e Robinson não se preocupava<br />
<strong>em</strong> contá-los... O T<strong>em</strong>po... não importava, a qualquer momento ele<br />
seria salvo...o T<strong>em</strong>po ...foram tantas horas <strong>de</strong> espera...<strong>de</strong> inércia que viu-se<br />
<strong>de</strong>lirando, alucinando “...o medo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o juízo aflorara-lhe muito <strong>de</strong> leve o<br />
espírito. Nunca mais o <strong>de</strong>ixaria”.(p.20)<br />
Ciências Humanas <strong>em</strong> Revista - São Luís, V. 4, n.2, <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro 2006 187