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Alma Africana no Brasil Os iorubás - Quilombo Ilha

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A linguagem cotidiana dos <strong>iorubás</strong>, extremamente rica em metáforas, abrange um imenso<br />

conjunto de lendas, contos, fábulas, vigorosos ditados, provérbios, relatos mitológicos e<br />

históricos. A tradição oral realiza, conforme afirma Vansina (1982), dois níveis de registro: um<br />

consciente - registro de acontecimentos passados (crônicas orais de um rei<strong>no</strong> ou genealogias<br />

de uma sociedade segmentária) e o outro, inconsciente - literatura oral em todas suas formas:<br />

epopéias; poemas, que incluem canções, cantigas e cânticos; fórmulas, que incluem<br />

provérbios, charadas, orações e genealogias e narrativas, compreendendo estas a maioria<br />

das mensagens históricas conscientes.<br />

A tradição oral é entretanto, além desse imenso conjunto literário, a grande escola da<br />

vida. Baseada numa concepção de homem e de universo que confere à Palavra origem divina,<br />

nela reconhece um poder sagrado, criador, capaz de preservar e destruir. Hampate Bâ (1982),<br />

referindo-se às sociedades orais, aponta para o fato de que em tais sociedades o vínculo entre<br />

o homem e a palavra é muito forte: o homem permanece ligado à palavra que profere. Sendo a<br />

palavra uma força fundamental emanada do próprio Ser Supremo, possui caráter sagrado e a<br />

ela vinculam-se forças ocultas. A tradição africana concebe a fala como um dom de Deus:<br />

divina <strong>no</strong> sentido descendente e sagrada <strong>no</strong> sentido ascendente, materializa ou exterioriza as<br />

vibrações das forças. A fala humana, eco da fala divina, pode colocar em movimento forças<br />

latentes <strong>no</strong>s seres e objetos, como um homem que levanta e se volta ao ouvir seu <strong>no</strong>me. É,<br />

por essa razão, o grande agente ativo da magia africana (p. 186). Sendo o universo visível<br />

concebido e sentido como a concretização ou o envoltório de um universo invisível constituído<br />

de forças em perpétuo movimento, a ação mágica (manipulação das forças) geralmente almeja<br />

restaurar o equilíbrio perturbado e restabelecer a harmonia.<br />

Naturalmente, o poder da palavra de um homem depende de como ele utiliza sua fala. O<br />

poder criador e operativo da palavra encontra-se em relação direta com a conservação ou com<br />

a ruptura da harmonia <strong>no</strong> homem, <strong>no</strong> mundo que o cerca e na relação entre o homem e o<br />

mundo. Por isso a mentira é considerada uma verdadeira lepra moral. A língua que falsifica a<br />

palavra vicia o sangue daquele que mente. Aquele que corrompe sua palavra, corrompe a si<br />

próprio, diz o adágio 15 . Quando alguém pensa uma coisa e diz outra, separa-se de si mesmo,<br />

rompendo a unidade sagrada, reflexo da unidade cósmica. Cria desarmonia ao redor de si e<br />

em seu próprio interior.<br />

Cuida-te para não te separares de ti mesmo. É melhor que o mundo fique separado de ti<br />

do que tu separado de ti mesmo. Esta relação homem/palavra, em que a mentira não tem<br />

lugar, é particularmente enfatizada quando se trata de transmitir palavras herdadas de<br />

ancestrais ou de pessoas idosas, na corrente de transmissão oral. O tradicionalista é<br />

disciplinado interiormente, preparado para jamais mentir, considerado um homem bem<br />

15 Estes adágios são citados por Hampate Bâ em A Tradição Viva (1982)<br />

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