teoria da literatura III.indd - Universidade Castelo Branco
teoria da literatura III.indd - Universidade Castelo Branco
teoria da literatura III.indd - Universidade Castelo Branco
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
42<br />
1.14 – Sobre a Linguagem Poética<br />
ATENÇÃO - PONTO DE VISTA DA TEORIA<br />
LITERÁRIA FENOMENOLÓGICA:<br />
Seria uma imprevidência pelo menos técnica confundirem-se<br />
linguagem e super-sujeito organizante [poeta].<br />
A linguagem, ou pré-texto, não está organiza<strong>da</strong>, nem é<br />
organizável; oferece, isto sim, as condições para que<br />
a língua, ou texto, se organize. Por isso a linguagem<br />
não se exaure em nenhuma objetivação específi ca; <strong>da</strong><br />
mesma maneira que a existência humana não se esgota<br />
em nenhuma etapa de realização <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Se<br />
o pré-texto se esvaísse na produção do texto catedral<br />
medieval, a cristan<strong>da</strong>de teria desaparecido aí. A linguagem<br />
sempre pode mais, porque o homem transcende<br />
o seu discurso. E é em razão <strong>da</strong> maior ou menor força<br />
transformadora <strong>da</strong> linguagem que uma época produz<br />
uma tragédia grega, uma catedral, ou um arranha-céu,<br />
operando ca<strong>da</strong> um destes sistemas de signos, exigências<br />
diversas de liber<strong>da</strong>de. Tanto mais que, sendo a linguagem<br />
“a casa do Ser”, e o Ser o horizonte do homem,<br />
o caráter apodigmático de uma época é determinado<br />
pelo grau de essencialização do homem. O signo mais<br />
signo é a própria existência humana, o homem mesmo,<br />
gerador de todos os signos. Mas para que isto aconteça<br />
é indispensável a permanente garantia de liber<strong>da</strong>de.<br />
Existir plenamente é empreender um movimento de<br />
liber<strong>da</strong>de. É o que faz o poeta, é o que faz o homem.<br />
O poeta o faz poeticamente, assistido e acobertado pela<br />
ação reveladora <strong>da</strong> linguagem.<br />
E continuando falando, com maior ou menor proprie<strong>da</strong>de<br />
– teremos feito outra coisa ao longo dessa<br />
prolonga<strong>da</strong> noite ocidental? –, <strong>da</strong> dinâmica <strong>da</strong> physis,<br />
<strong>da</strong> condição de possibili<strong>da</strong>de de qualquer estruturação.<br />
Se prosseguirmos encaminhando a refl exão até o questionamento<br />
<strong>da</strong> literarie<strong>da</strong>de, do entretexto, teremos de<br />
advertir que uma auto-especifi cação <strong>da</strong> dinâmica <strong>da</strong><br />
physis em termos de mímesis é pré-requisito de confi<br />
guração de qualquer discurso poético. Evidentemente<br />
a análise que só tenha olhos para o texto constituído, a<br />
análise que não apenas pressupõe o entretexto como<br />
um fato, mas só o encara e somente o vê enquanto<br />
produção de estrutura pronta, esta análise é cega frente à<br />
dinâmica de possibili<strong>da</strong>de de estruturação <strong>da</strong>s estruturas<br />
prontas, frente a mímesis. Ela ignora que a mímesis é o<br />
dínamo <strong>da</strong>s metáforas, dos símbolos, <strong>da</strong>s metonímias.<br />
A mímesis é a physis <strong>da</strong> <strong>literatura</strong>. E somente se dá<br />
àqueles que sabem, com paciência e competência,<br />
seguir procurando o “tesouro escondido”. To<strong>da</strong> moe<strong>da</strong><br />
só tem valor se por detrás de si está o lastro, o respaldo,<br />
a garantia do tesouro guar<strong>da</strong>do. A moe<strong>da</strong> é a língua,<br />
os signos, o texto. A linguagem é o Signo, o pré-texto,<br />
o tesouro escondido.<br />
A impossibili<strong>da</strong>de de formalização <strong>da</strong> linguagem é<br />
que abre as diferentes possibili<strong>da</strong>des de formalização,<br />
que são as línguas. E todo discurso é sempre discurso<br />
dentro de uma língua. Expulsar o signo, em nome<br />
de uma desconcertante leitura ao exclusivo nível<br />
<strong>da</strong> linguagem, é cair mais uma vez na armadilha <strong>da</strong><br />
setorização. O que se pretende é uma compreensão<br />
integra<strong>da</strong>, onde se equilibrem o pré-texto, o texto e o<br />
entretexto.<br />
A instância lingüística <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem crítica corresponde<br />
ao delineamento sintático <strong>da</strong> obra literária,<br />
<strong>da</strong>s leis de construção ou sintagmáticas, <strong>da</strong>s regras de<br />
articulação de signifi cado e signifi cante, ou <strong>da</strong>s normas<br />
de engendramento do discurso, enquanto ativi<strong>da</strong>de<br />
executiva ou exercício de construção. Reconhece-se a<br />
tensão saussureana, e prossegue-se o trabalho de previsão<br />
técnica considerando a sintaxe como álgebra <strong>da</strong><br />
palavra, uma vez que a estrutura de ambas compõe-se<br />
de vocabulário e cálculo.<br />
Descrever o sistema sígnico implica defi nir o signo<br />
do sistema enquanto representação <strong>da</strong> coisa, e não<br />
uma simples coisa, porque indício, referência, indicação;<br />
e implica igualmente precisar o sistema do<br />
signo, enquanto função combinatória, já que estamos<br />
fun<strong>da</strong>mentalmente diante de esquema de combinações<br />
analógicas ou homológicas, objetiva<strong>da</strong>s através de<br />
metáforas, metonímias, dos mais diversifi cados jogos<br />
simbolizadores. As questões semânticas naturalmente<br />
agrupam-se ou decorrem do esforço refl exivo dirigido<br />
para a apreensão do signifi cado. Da mesma maneira<br />
que, do prisma do signifi cante, emergem os problemas<br />
fonológicos e morfológicos. E é no centro ou no interior<br />
de to<strong>da</strong> essa ampla arquitetura que a discussão<br />
sobre a literarie<strong>da</strong>de se reencontra, se dilacera e retoma<br />
a sua perdi<strong>da</strong> peculiari<strong>da</strong>de. Mesmo constatando que<br />
a poesia altera a estrutura <strong>da</strong> língua criando uma outra<br />
estrutura de língua, é indispensável perceber que tudo<br />
isso acontece em conseqüência <strong>da</strong> ação libertadora <strong>da</strong><br />
linguagem. Ain<strong>da</strong> mais: não restam dúvi<strong>da</strong>s de que os<br />
signos mobilizados pela literarie<strong>da</strong>de são os signos <strong>da</strong><br />
língua. O que isto não nos autoriza é a identifi car signo<br />
literário (entretexto) com signo-lingüístico (texto). A<br />
rigor o signo literário é um anti-signo.<br />
No protocolo lingüístico, os signifi cantes são considerados<br />
a partir de uma língua determina<strong>da</strong>. As<br />
alavancas significantes – metáforas, metonímias,<br />
diferentes conexões sensoriais – são meros segmentos<br />
de substituições textuais. To<strong>da</strong> a força problemática,<br />
resultante do pacto polivalente de sujeito e objeto,<br />
fi ca minimiza<strong>da</strong> ou enfraqueci<strong>da</strong>. E essa força, uma<br />
vez preserva<strong>da</strong> no seu ímpeto mais global, é de tal<br />
modo propulsora que se pode afi rmar: “a história <strong>da</strong><br />
metafísica, como a história do Ocidente, será a história<br />
destas metáforas e destas metonímias”. [DERRIDA,<br />
Jacques. L’écriture et la différence. Paris: Seuil,