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Locke-Segundo tratado sobre o governo

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<strong>Segundo</strong> Tratado Sobre o Governo Civil 13<br />

em mente, ele observa que “onde o legislativo não existe permanentemente, e o executivo é investido numa única<br />

pessoa que também tem parte do legislativo, aquela única pessoa, em um sentido muito tolerável, pode também<br />

ser chamada de suprema; não que ele detenha em si todo o poder supremo, que é aquele de fazer as leis, mas<br />

porque tem em si a execução suprema a partir da qual todos os magistrados inferiores derivam todos os seus<br />

poderes subordinados, ou, pelo menos, a maior parte deles”. Ele também pode ser chamado de supremo em vista<br />

do fato de que as leis não podem ser feitas sem seu consentimento. Mas, insiste <strong>Locke</strong>, “o poder executivo<br />

colocado apenas <strong>sobre</strong> uma pessoa que tem também parte do poder legislativo está claramente subordinado a<br />

este e lhe deve dar contas, podendo ser perfeitamente mudado e substituído” 51. Neste aspecto <strong>Locke</strong> antecipa<br />

Rousseau, cujo “príncipe” era um mero agente ou escravo da vontade geral soberana 52.<br />

O “pacto original” de <strong>Locke</strong>, como se poderá perceber, era um contrato social feito entre os homens que<br />

concordavam em se unir em uma sociedade civil. Não era, como o contrato original da Revolução dos Whigs, um<br />

contrato entre o rei e o povo. Diferentemente deles, e também de escritores europeus como Pufendorf, <strong>Locke</strong> não<br />

determina o relacionamento entre o povo e seu <strong>governo</strong> em termos de contrato, mas toma emprestado a idéia<br />

peculiarmente inglesa de curadoria. Ele não foi mais original nisso que em seu uso de outros elementos em sua<br />

teoria política, como o estado de natureza, pois ele havia sido usado por muitos escritores anteriores, às vezes<br />

como uma alternativa à teoria do contrato, às vezes em combinação com ela. Mas ele se adequou admiravelmente<br />

ao seu propósito, pois transmitia a noção de que embora sejam dados ao <strong>governo</strong> alguns poderes, ele era obrigado<br />

a usá-los não em seu próprio interesse, mas em prol da comunidade. <strong>Locke</strong> não somente aplica esta noção ao<br />

executivo, mas o utiliza também para assegurar que a legislatura não deverá abusar de seus poderes e violar os<br />

direitos do povo. “A comunidade”, observa ele, “coloca o poder legislativo em tais mãos enquanto as considere<br />

adequadas, confiando que será governada pelas leis proclamadas.” 53 É “apenas um poder fiduciário para agir<br />

visando alguns objetivos”, e “todo o poder conferido com confiança para se atingir um fim, é limitado por<br />

aquele fim, sempre que o fim for manifestamente negligenciado ou contrariado, a confiança deve necessariamente<br />

ser confiscada e o poder devolvido às mãos daqueles que o conferiram, que podem colocá-lo outra vez onde<br />

acharem melhor para sua segurança e garantia” 54. As várias funções do executivo estão expressas em termos<br />

semelhantes. Assim, seu poder de convocar e dissolver a assembléia legislativa “não concede ao executivo uma<br />

superioridade <strong>sobre</strong> ela, mas é uma confiança fiduciária nele colocada para a segurança do povo” 55. Se ele usasse a<br />

força dos controles “para impedir a reunião e a atuação do legislativo ... sem autoridade, e contrariamente à<br />

confiança nele depositada”, ele estaria em “um estado de guerra com pessoas, que têm o direito de restabelecer<br />

seu legislativo no exercício de seu poder.” 56 Quando o executivo tem um lugar na legislatura, como o rei da<br />

Inglaterra, ele tem “uma confiança dupla nele depositada”, e “age contra ambos quando começa a estabelecer sua<br />

própria vontade arbitrária como a lei da sociedade” 57. A referência à história recente em tudo isso é óbvia, mas é<br />

visível que <strong>Locke</strong> não apóia seu argumento no contrato original dos Whigs entre o rei e o povo.<br />

Aplicar a idéia da curadoria à política era utilizar uma metáfora, assim como a teoria do contrato era<br />

também na verdade uma metáfora de outro ramo da jurisprudência. O contrato social como uma teoria política<br />

está aberto a várias objeções bem conhecidas, mas estas não são tão aplicáveis à idéia da confiança, e como foi<br />

popularizado por <strong>Locke</strong>, desempenhou um papel valioso ao levar para casa a lição de que o <strong>governo</strong> não desfruta<br />

de poderes sem os correspondentes deveres e responsabilidades. Isso agora tornou-se um princípio reconhecido<br />

e inquestionável, com o resultado de que em negócios domésticos os direitos do homem não são mais as<br />

reclamações dos indivíduos contra um <strong>governo</strong> arbitrário, mas as reclamações garantidas aos homens pelo<br />

<strong>governo</strong>. De alguns anos para cá, a idéia da curadoria foi considerada moderna e o emprego mais frutífero como<br />

51 Parágrafos 151, 152.<br />

52 Sobre a separação dos poderes em <strong>Locke</strong>, cf. com a nota de E. Barker em sua tradução de Gierke, Natural Law and the Theory of Society, Cambridge, 1934, ii. 359.<br />

Ele observa que, embora <strong>Locke</strong> distinguisse entre o legislativo e os órgãos conjuntos executivo e federativo, ele não determinou o que é em geral entendido pela<br />

separação dos poderes, o que implica, como ocorre na constituição americana, que nenhum deles é superior a qualquer um dos outros. Ao contrário, <strong>Locke</strong><br />

estabeleceu expressamente a supremacia do legislativo.<br />

53 Parágrafo 136.<br />

54 Parágrafo 149.<br />

55 Parágrafo 156.<br />

56 Parágrafo 155.<br />

57 Parágrafo 222.

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