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<strong>Segundo</strong> Tratado Sobre o Governo Civil 87<br />
direitos. Mas se tudo se reduz a este fato, o único direito que ele concede é aquele que o mais forte opõe ao mais<br />
fraco em nome da força bruta. <strong>Segundo</strong> este critério, o indivíduo mais forte tem o direito de se apossar de tudo o<br />
que quiser.<br />
185. O conquistador, mesmo em uma guerra justa, não tem por sua conquista nenhum direito de<br />
dominação <strong>sobre</strong> aqueles que a ele se juntaram no combate, nem também <strong>sobre</strong> os habitantes do país subjugado<br />
que não tenham se oposto a ele ou <strong>sobre</strong> os descendentes daqueles que lutaram contra ele; estes estão livres de<br />
qualquer sujeição a ele e, se seu <strong>governo</strong> precedente for dissolvido, permanecem em liberdade para começar e<br />
construir outro para si.<br />
186. É verdade que o conquistador, por meio da força que tem <strong>sobre</strong> ele, em geral os impele, com uma<br />
espada no peito, a se curvarem às suas condições e a se submeterem ao <strong>governo</strong> que ele quiser lhes dar; mas a<br />
pergunta é a seguinte: Que direito tem ele de fazer isso? Responder que estes homens se submetem por seu<br />
próprio consentimento, é admitir que seu próprio consentimento seria necessário para conceder ao conquistador<br />
um título para governar <strong>sobre</strong> eles. Falta apenas considerar se as promessas extorquidas pela força, sem direito,<br />
podem ser consideradas consentimento, e até que ponto elas obrigam; ao que eu respondo que elas não obrigam a<br />
absolutamente nada; porque, seja o que for que alguém toma de mim à força, eu ainda mantenho o direito de<br />
posse, e ele é obrigado no mesmo momento a me restituir. Aquele que tira de mim o meu cavalo deve<br />
imediatamente devolvê-lo e eu ainda tenho o direito de retomá-lo. Pela mesma razão, aquele que me obrigou a<br />
uma promessa deve imediatamente devolvê-la, isto é, liberar-me da obrigação de cumpri-la; ou posso eu mesmo<br />
retomá-la, ou seja, decidir se vou cumpri-la. Pois a lei da natureza só me impõe obrigações em virtude das regras<br />
que ela prescreve, não podendo me obrigar pela violação de suas regras, como extorquindo qualquer coisa de<br />
mim pela força. Isso não altera nada o fato de dizer “Eu dei minha palavra”, assim como meu gesto não tem por<br />
efeito desculpar o emprego da força e transmitir meus direitos, quando enfio a mão em meu bolso e entrego eu<br />
mesmo minha carteira ao ladrão que a exige com uma pistola no meu peito.<br />
187. De tudo isso resulta que o <strong>governo</strong> de um conquistador, imposto pela força ao vencido, contra quem<br />
ele não tinha o direito de guerra, ou que não se aliou aos seus inimigos, embora a isso tivesse direito, não é<br />
legítimo.<br />
188. Mas suponhamos que todos os homens daquela comunidade, sendo todos membros do mesmo corpo<br />
político, tivessem se associado naquela guerra injusta, na qual eles são vencidos, e que, em conseqüência disso,<br />
suas vidas estejam à mercê do conquistador.<br />
189. Eu afirmo que isso não diz respeito a seus filhos que estão em sua minoridade, pois um pai não tem<br />
em si um poder <strong>sobre</strong> a vida e a liberdade de seu filho, e nenhum ato seu pode produzir a perda de uma ou de<br />
outra. Assim, os filhos, aconteça o que acontecer com seus pais, são homens livres, e o poder absoluto do<br />
conquistador não se estende além das pessoas dos homens que lhes estão subjugados, e morre com eles; e ainda<br />
que ele possa governá-los como escravos, sujeitos a seu poder arbitrário absoluto, não tem tal direito de<br />
dominação <strong>sobre</strong> seus filhos. Ele não pode ter poder <strong>sobre</strong> eles exceto por seu próprio consentimento, seja o que<br />
for que ele possa induzi-los a dizer ou fazer; e não tem autoridade legal, pois o que os compele à submissão é a<br />
força, não a escolha.<br />
190. Todo homem nasce com um direito duplo: primeiro, um direito de liberdade <strong>sobre</strong> sua pessoa, <strong>sobre</strong><br />
a qual nenhum outro homem tem poder e só ele próprio pode dispor livremente<br />
a ela; segundo, o direito, de preferência a qualquer outro homem, de dividir com seus irmãos os bens de seu pai.