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Locke-Segundo tratado sobre o governo

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| CLUBE DO LIVRO LIBERAL<br />

era monárquico e pertencia ao pai, pode não ser fora de propósito considerar aqui por que os povos no início em<br />

geral determinaram este regime, que, embora a superioridade do pai talvez pudesse ter suscitado a primeira<br />

instituição de algumas comunidades sociais e ter colocado, no início, o poder nas mãos de uma só pessoa; porém é<br />

evidente que a razão que manteve a forma de <strong>governo</strong> <strong>sobre</strong> uma só pessoa não foi qualquer estima ou respeito à<br />

autoridade paterna, pois todas as pequenas monarquias, ou seja, quase todas as monarquias que ainda estão em<br />

seu início, permanecem em geral, pelo menos em certas circunstâncias, eletivas.<br />

107. No começo, então, na origem do mundo, a autoridade do pai durante a infância dos seus<br />

descendentes habituou-os ao comando de um só homem e ensinou-lhes que, quando este era exercido com<br />

solicitude e habilidade, com afeição e amor para com aqueles que lhe eram submissos, isso bastava para<br />

proporcionar aos homens toda a felicidade política que eles buscavam em sociedade. Não admira que eles se<br />

estabelecessem e prosseguissem naquela forma de <strong>governo</strong> a que desde sua infância estavam acostumados, e que,<br />

por experiência, consideravam tranqüila e segura. Se a isso acrescentarmos que a monarquia se apresentou<br />

simples e clara a homens que nunca haviam sido instruídos em formas de <strong>governo</strong> e a quem jamais a ambição ou<br />

a insolência do poder havia ensinado a se precaver contra as usurpações da prerrogativa ou as inconveniências do<br />

poder absoluto, que este regime sucessivamente se arriscava a reivindicar e lhes impor, não é de se estranhar que<br />

eles não se preocupassem em descobrir procedimentos que contivessem quaisquer exorbitâncias por parte<br />

daqueles a quem escolheram para seus chefes e equilibrassem o poder do <strong>governo</strong>, repartindo-o entre diferentes<br />

mãos. Eles não haviam conhecido a opressão de uma dominação tirânica, e o espírito da época, suas possessões<br />

ou seu modo de vida (que proporcionavam pouca substância para a cobiça ou para a ambição) também não lhes<br />

dava razão para temê-la ou preveni-la; por isso não surpreende que eles tenham se submetido a um <strong>governo</strong> cuja<br />

estrutura não somente era a mais simples e<br />

a mais clara, mas também a mais adequada a seu atual estado e condição, que os instava muito mais a se defender<br />

contra as invasões e as depredações do estrangeiro que a multiplicar as leis.<br />

A igualdade de um modo de vida simples e modesto, confinando seus desejos dentro dos limites da<br />

pequena propriedade de cada homem, despertava poucas controvérsias, e por isso não havia necessidade de<br />

muitas leis para decidi-las ou uma variedade de funcionários para dirigir o processo ou cuidar da execução da<br />

justiça, visto não haver delitos ou delinqüentes. Pois deve-se supor que, naquela época, aqueles que se quisessem<br />

bem o bastante para se reunir em sociedade deviam ter alguma familiaridade e amizade uns pelos outros, alguma<br />

confiança mútua, e não deveriam ter apreensões a não ser a respeito de estranhos, não um do outro; por isso,<br />

imagina-se que sua principal preocupação fosse como se colocarem ao abrigo de forças estrangeiras. Era natural<br />

que se submetessem a uma estrutura de <strong>governo</strong> que melhor atingisse este resultado; e escolhessem o homem<br />

mais sábio e mais corajoso para comandá-los em suas guerras, protegê-los contra seus inimigos e <strong>sobre</strong>tudo dessa<br />

maneira se tornar seu chefe.<br />

108. Vemos, assim, que os reis dos índios da América – que é o modelo das primeiras épocas na Ásia e na<br />

Europa, quando havia muito poucos habitantes para o território e a ausência de pessoas e de dinheiro não davam<br />

aos homens a tentação de ampliar sua posse de terra ou de lutar por uma extensão maior – são pouco mais que<br />

generais de seus exércitos; e embora tenham o comando absoluto na guerra, no interior de seu país e em tempo<br />

de paz exercem uma dominação muito pequena e têm uma soberania muito moderada; as decisões <strong>sobre</strong> paz e<br />

guerra em geral cabem ao povo ou a um conselho. Somente a guerra, que não admite pluralidade de dirigentes,<br />

devolve naturalmente o comando à autoridade única do rei.<br />

109. Mesmo em Israel, a principal função de seus juízes e de seus primeiros reis parece ter sido a de<br />

capitães de guerra e comandantes de seus exércitos; isto (além do que significa estar ou não à frente do povo, que<br />

era marchar para a guerra e voltar para casa na liderança de seus exércitos) aparece claramente na história de<br />

Jefté. Quando os amonitas lutavam contra Israel, os galaditas, atemorizados, enviaram uma delegação a Jefté, um<br />

bastardo de sua família que eles haviam expulso, e fizeram com ele um acordo, em que se comprometiam a fazer<br />

dele seu chefe, se ele os ajudasse contra os amonitas. Cumpriram o acordo com as seguintes palavras: “E o povo o<br />

nomeou chefe e comandante” (Juízes 11,11), o que, ao que parece, era função do juiz. “Ele foi juiz de Israel” (Juízes<br />

12,7), ou seja, foi seu comandante-geral durante seis anos. Quando Jotão censura os siquemitas e lhes recorda sua

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