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<strong>Segundo</strong> Tratado Sobre o Governo Civil 33<br />
A se referir à primogenitura, apenas o mais velho devia herdar. Se eram necessárias regras auxiliares, por<br />
exemplo quando o pai morre sem deixar filhos, estas não são conhecidas de maneira precisa. O importante é que<br />
eu saiba a que senhor devo obedecer. Eu jamais obedeço ao “poder paterno”, mas a qualquer um que esteja dele<br />
investido. Não estabelecendo o direito, Filmer se restringe à posse e termina por consagrar os direitos de um<br />
usurpador, um Cade ou um Cromwell. Faltam precisões. Quem deve herdar, o neto por uma filha ou o sobrinho<br />
por um irmão? A filha ou o tio? O neto por uma filha mais moça ou a filha de uma filha mais velha? O filho mais<br />
velho de uma concubina ou o filho mais moço da esposa? Quais são os efeitos da legitimação? Quem deve herdar,<br />
o mais velho deficiente mental ou o mais moço reconhecido por sua sabedoria? A partir de que grau de loucura<br />
intervém a prescrição dos direitos? Quem está em julgamento? Será que o filho do herdeiro proscrito por sua<br />
loucura tem preferência <strong>sobre</strong> o filho daquele que reinou? Todos estes problemas estão presentes na história. Não<br />
faltam exemplos na Inglaterra e na Escócia.<br />
Partindo de Adão, não se pode saber quem é rei hoje em dia. A situação seria a mesma se Adão houvesse<br />
recebido o poder de perdoar os pecados ou de curar as enfermidades. O direito civil não pode servir para<br />
determinar o herdeiro, pois é uma instituição divina inicial que rege a sucessão, e portanto um direito anterior e<br />
superior a todo <strong>governo</strong>. É pretensioso presumir que Deus impõe uma regra sucessória sem indicar quem herda.<br />
A proibição do incesto é acompanhada da definição dos relacionamentos de parentesco que impedem o casa<br />
mento. De modo contrário, a Escritura não determina quem é o mais velho, porque não estabelece em parte<br />
alguma a regra da primogenitura.<br />
Filmer afirma, sem provar, que os patriarcas recebiam de Adão um poder soberano. A condenação à<br />
morte, pronunciada por Judá contra sua nora Tamar, não prova que ele tenha sido soberano. Não é porque ele a<br />
pronunciou, que tinha o direito de fazê-lo. Além disso, Judá era um filho mais moço de Jacó; se ele detinha a<br />
autoridade paterna de Adão, isso ocorreu durante a vida de seu próprio pai e de seus irmãos. Abrão comandava<br />
um exército de 318 homens e Esaú, um de 400 homens. Para isso precisariam ser herdeiros de Adão? Um<br />
fazendeiro das Índias Ocidentais pode reunir mais que isso. Estes números correspondem simplesmente à<br />
autoridade que um homem exerce <strong>sobre</strong> sua família e <strong>sobre</strong> seus servidores. O direito de fazer a guerra e de<br />
concluir a paz não prova a soberania; os fazendeiros, os capitães dos navios, devem às vezes exercê-los. Isto seria<br />
uma marca de soberania, que não resultaria em nenhum elo com aquela de Adão. Abraão não vivia como um<br />
monarca universal. Ele mantinha com Lot relações de amizade baseadas na igualdade. Ele enviou a grande<br />
distância seus criados para encontrar uma esposa para seu filho. Não possuiu terra de sua propriedade durante<br />
muito tempo. O exemplo de Esaú, invocado por Filmer, é ainda mais interessante. Como querer insistir ao mesmo<br />
tempo que Esaú fosse rei e súdito de Jacó? O poder patriarcal continuou depois do Dilúvio porque ainda havia<br />
patriarcas, mas Filmer não estabelece em parte alguma que estes o tenham sido pelos direitos de Adão.<br />
Os filhos de Noé dividiram a terra. Ignora-se de que maneira as nações modernas descendem deles. A<br />
divisão efetuada entre Sem, Cam e Jafé fundaram a independência mútua de todas as famílias. A dispersão,<br />
ocorrida depois do fracasso do empreendimento unitário da torre de Babel, reforçou esta independência.<br />
Entretanto, nada indica que tenha havido correspondência entre a autoridade paterna e a autoridade real. A<br />
língua não pode servir para identificar uma e outra. A divisão lingüística e nacional da humanidade não nos ensina<br />
nada <strong>sobre</strong> os <strong>governo</strong>s ou <strong>sobre</strong> as formas de <strong>governo</strong>. Nessa época, a Escritura sugere mais a existência de uma<br />
república que de uma monarquia absoluta. O conjunto da população tomava as decisões. Filmer fixa em 72 o<br />
número de povos distintos que foram formados após o episódio de Babel e supõe que Deus tenha tido o cuidado<br />
de manter a autoridade paterna: no entanto, pelo menos não existia mais herdeiro de Adão. Filmer considera<br />
Nemrod o patriarca seguinte, mas lhe censura haver procurado estender seu domínio através da conquista. Ora, o<br />
poder não ultrapassa os limites da família, exceto por conquista ou por convenção. Em seguida, Filmer enumera<br />
um grande número de reinados e acrescenta que cada cidade possuía um rei. A realeza não pertencia<br />
portanto apenas ao herdeiro único de Adão. Os escalões intermediários da sucessão permanecem desconhecidos.<br />
Não obstante eles existem, e a autoridade patriarcal não experimentou interrupções durante a estada dos<br />
Israelitas no Egito. Filmer conta a história dos Judeus, mas não prova que os patriarcas fossem reis, nem que<br />
patriarcas ou reis recebessem seu direito de Adão. Fala também dos reis gregos. Critica os argumentos extraídos<br />
da antigüidade helênica pagã, mas se utiliza deles quando lhe é conveniente.<br />
Em seguida, diz que Deus escolheu Moisés e Josué como príncipes dos Judeus. Sustenta que Deus<br />
restabeleceu o direito antigo e original de sucessão ao <strong>governo</strong> paterno quando concedeu reis aos Israelitas. Deus