30.10.2012 Views

Locke-Segundo tratado sobre o governo

Locke-Segundo tratado sobre o governo

Locke-Segundo tratado sobre o governo

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

| CLUBE DO LIVRO LIBERAL<br />

ação quando a situação estiver tão ruim que a maioria a perceba, se canse e julgue necessário providenciar uma<br />

solução. Mas o poder executivo ou os príncipes sábios jamais correrão este risco, e é preciso que todos evitem isso<br />

ao máximo, pois não existe nada no mundo mais perigoso.<br />

CAPÍTULO XV<br />

DO PODER PATERNO, POLÍTICO E DESPÓTICO CONSIDERADOS EM CONJUNTO<br />

169. Embora eu já tenha tido a ocasião de falar desses poderes separadamente, os grandes erros que há<br />

algum tempo têm sido cometidos a respeito do <strong>governo</strong> me parecem provir daqueles que os têm confundido entre<br />

si; por isso, talvez não seja fora de propósito aqui examiná-los em conjunto.<br />

170. Em primeiro lugar, o poder paterno ou parental, nada mais é que aquele que os pais têm <strong>sobre</strong> seus<br />

filhos para governá-los visando o seu bem até que eles atinjam o uso da razão ou um estado de entendimento em<br />

que possam ser considerados capazes de compreender a regra que deve reger sua atividade, seja ela a lei da<br />

natureza ou a lei civil de seu país; capazes, quero dizer, de compreendê-la assim como a compreendem os outros<br />

homens livres que vivem submetidos a essa lei. O afeto e a ternura que Deus implantou no coração dos homens<br />

em relação a seus filhos tornam evidente que este não pretende ser um <strong>governo</strong> arbitrário e severo, mas apenas<br />

visando o auxílio, a instrução e a preservação de sua descendência. Mas, aconteça o que acontecer, como eu já<br />

provei, nada autoriza a crer que ele conceda aos pais um direito de vida e de morte <strong>sobre</strong> seu filho, ou <strong>sobre</strong> quem<br />

quer que seja, nem que ele mantenha o filho, quando crescer e já for um homem, em um estado de dependência<br />

diante da vontade de seus pais, salvo na medida em que a doação da vida e da educação, que deles recebeu, o<br />

obriga até à morte a respeitar seu pai e sua mãe, a honrá-los, agradecer-lhes, assisti-los e prover suas<br />

necessidades. O <strong>governo</strong> paterno é portanto um <strong>governo</strong> natural, mas não se estende aos mesmos objetivos e às<br />

mesmas competências do <strong>governo</strong> político; o poder do pai não atinge toda a propriedade do filho, da qual só ele<br />

próprio pode dispor.<br />

171. Em segundo lugar, o poder político é aquele poder que todo homem detém no estado de natureza e<br />

abre mão em favor da sociedade, e ali aos governantes que a sociedade colocou à sua frente, impondo-lhes o<br />

encargo, expresso ou tácito, de exercer este poder para seu bem e para a preservação de sua propriedade. Então<br />

este poder, que todo homem tem no estado de natureza, e que remete à sociedade em todos os casos em que a<br />

sociedade pode assegurá-lo, é para que eles utilizem os meios que considerarem bons e que a natureza permitir<br />

para preservar sua propriedade e para infligir aos outros, quando eles infringem a lei da natureza, a punição que<br />

sua razão considerar mais adequada para garantir sua preservação e a de toda a humanidade. Como a finalidade e<br />

a medida deste poder, quando está nas mãos de cada homem no estado de natureza, é a preservação de toda a sua<br />

sociedade, ou seja, de toda a humanidade em geral, não pode ter outra finalidade ou medida, quando está nas<br />

mãos dos magistrados, senão preservar os membros daquela sociedade em suas vidas, liberdades e posses; e por<br />

isso não pode ser um poder absoluto e arbitrário <strong>sobre</strong> suas vidas e bens, que devem ser preservados tanto<br />

quanto possível, mas um poder de fazer leis e completá-las por penalidades que sejam de natureza a assegurar a<br />

preservação do todo, amputando aquelas partes, e apenas aquelas, cuja corrupção se torne uma ameaça para as<br />

partes saudáveis e idôneas, pois a severidade só é legítima neste sentido. E este poder procede apenas do pacto,<br />

do acordo e do consentimento mútuo daqueles que compõem a comunidade.<br />

172. Em terceiro lugar, o poder despótico é um poder absoluto e arbitrário que um homem tem <strong>sobre</strong><br />

outro de lhe tirar a vida quando bem entender. Este poder não é um dom da natureza, pois ela não estabeleceu<br />

esta discriminação entre os homens; e nem efeito de um contrato, pois o homem, não possuindo tal poder

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!