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Locke-Segundo tratado sobre o governo

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| CLUBE DO LIVRO LIBERAL<br />

191. Pelo primeiro deles, um homem está naturalmente livre de sujeição a qualquer <strong>governo</strong>, embora ele<br />

tenha nascido em um lugar sob sua jurisdição; mas se ele rejeitar o <strong>governo</strong> legal do país em que nasceu, deve<br />

também renunciar ao direito que lhe pertencia por suas leis e às posses ali situadas que lhe cabem por herança de<br />

seus ancestrais, no caso destes últimos terem participado da fundação do <strong>governo</strong>.<br />

192. Pelo segundo, os habitantes de qualquer país que são descendentes e derivam um título a seus bens<br />

daqueles a que estão submetidos, e têm um <strong>governo</strong> imposto <strong>sobre</strong> eles contra seu livre consentimento, mantêm o<br />

direito à posse de seus ancestrais, embora eles não tenham consentido livremente no <strong>governo</strong>, cujas duras<br />

condições foram impostas pela força <strong>sobre</strong> os proprietários daquele país. Como o primeiro conquistador jamais<br />

tem direito à terra daquele país, o povo, que é constituído pelos descendentes daqueles que foram constrangidos<br />

pela violência a se curvar ao jugo de um <strong>governo</strong> de força, tem sempre o direito de sacudir este jugo e se libertar<br />

da usurpação ou da tirania que a espada lhe impôs, até obter de seus chefes uma forma de <strong>governo</strong> na qual ele<br />

consinta voluntariamente e por escolha. Jamais se poderia presumir que ele pudesse fazer isso até que estivesse<br />

em um pleno estado de liberdade para escolher seu <strong>governo</strong> e seus governantes, ou pelo menos até que tivesse<br />

leis positivas, às quais ele próprio ou seus representantes tivessem dado seu livre consentimento, e também até<br />

que lhe fosse reconhecido o direito de propriedade legítimo, ou seja, o direito que cada indivíduo possui de ser<br />

proprietário daquilo que lhe pertence em condições que interditam qualquer outra pessoa a lhe subtrair uma<br />

parte qualquer sem seu próprio consentimento; sem isso, quem quer que esteja sob qualquer <strong>governo</strong> não tem o<br />

estatuto de homem livre, mas de escravo, sob o qual a força da guerra se exerce sem intermediário. Quem duvida<br />

que os cristãos gregos, descendentes dos antigos proprietários daquele país, possam legitimamente sacudir o jugo<br />

turco, sob o qual generam por tanto tempo, quando tiverem poder para isso?<br />

193. Se concordamos que o conquistador em uma guerra justa tem tanto direito aos bens quanto poder<br />

<strong>sobre</strong> as pessoas do conquistado – o que evidentemente é falso – nada indica que este <strong>governo</strong> se transforme em<br />

um poder absoluto se se prolongar, porque como os descendentes destes são todos homens livres, se ele lhes<br />

outorga bens e posses para habitar em seu país (sem o que ele não valeria nada), eles adquirem a propriedade de<br />

tudo o que ele lhes transfere, na medida em que se trata de uma transferência. A natureza da propriedade é que,<br />

sem o próprio consentimento do homem, ela não pode ser dele tomada.<br />

194. Suas pessoas são livres por direito de nascença, e suas propriedades, não importa a sua extensão, são<br />

propriedades próprias e estão à sua própria disposição, não àquela do conquistador; caso contrário, não haveria<br />

propriedade. Supondo-se que o conquistador dá mil acres a um homem e a seus herdeiros para sempre, mas, a<br />

outro, ceda mil acres durante a sua vida, sob um aluguel de cinqüenta ou cem libras por ano. O primeiro não tem<br />

direito a seus mil acres perpetuamente e o segundo aos seus, durante sua vida, se pagar o aluguel fixado? O<br />

locatário vitalício não tem a propriedade de tudo aquilo que pode extrair da terra por seu trabalho e sua indústria,<br />

durante o período fixado, supondo que isso atinja a um montante equivalente ao dobro do aluguel? Pode-se<br />

sustentar que o rei, ou o conquistador, após ter feito essa cessão, possa invocar o poder que lhe confere a<br />

conquista para retomar as terras, em sua totalidade ou em parte, dos herdeiros do primeiro destes dois homens,<br />

ou do segundo durante sua vida, quando ele está pagando seu aluguel? Ou ele pode retomar de um ou de outro os<br />

bens ou o dinheiro que obtiveram da terra, como bem entender? Se pode, isso então significa o fim de todos os<br />

contratos livres e voluntários do mundo. Basta existir poder suficiente para anulá-los a qualquer momento. E<br />

todas as doações e promessas dos homens que estão no poder não passam de escárnio e conluio; pois pode haver<br />

algo mais ridículo que dizer, “Eu lhe dou isso para sempre, a você e aos seus” – utilizando para isso o modo de<br />

comunicação mais confiável e solene que se possa imaginar –, embora o que tenha de ser compreendido é que eu<br />

tenho o direito, se quiser, de retomá-lo de você amanhã?<br />

195. Eu não vou discutir agora se os príncipes estão isentos das leis de seu país, mas estou certo de que<br />

devem submissão às leis de Deus e da natureza. Nenhum indivíduo, nenhum poder, pode se isentar das<br />

obrigações que essa lei eterna lhes impõe. Elas são tão grandes e tão fortes no caso das promessas, que a própria<br />

onipotência pode estar a elas vinculadas. As cessões, as promessas e os juramentos são compromissos julgados<br />

pelo Todo-Poderoso. Seja o que for que alguns bajuladores digam aos príncipes do mundo, estes, juntamente com

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