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Locke-Segundo tratado sobre o governo

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<strong>Segundo</strong> Tratado Sobre o Governo Civil 49<br />

51. Assim, eu acho que é muito fácil conceber sem qual quer dificuldade como o trabalho pôde constituir,<br />

no início, a origem de um título de propriedade <strong>sobre</strong> os bens comuns da natureza, e como o uso que se fazia dele<br />

lhe servia de limite. Então, não podia existir qualquer motivo para se disputar um título, nem qualquer dúvida a<br />

respeito da dimensão da posse que ele autorizava. O direito e a conveniência andavam juntos. Como cada homem<br />

tinha o direito a tudo em que podia aplicar o seu trabalho, não tinha a tentação de trabalhar mais do que para o<br />

que pudesse usar. Isso não deixava espaço para controvérsia quanto ao título, nem para usurpação do direito dos<br />

outros. A parte que cada um talhava para si era facilmente reconhecível; era tão inútil quanto desonesto talhar<br />

uma parte grande demais ou tomar mais que o necessário.<br />

CAPÍTULO VI<br />

DO PODER PATERNO<br />

52. Talvez possa ser censurado, criticado como fora de propósito em um discurso desta natureza o fato de<br />

eu divulgar palavras e denominações que circulam no mundo, e talvez não seja impróprio oferecer novas<br />

acepções quando as velhas podem induzir os homens a erros, como é provável ter ocorrido com este do pátrio<br />

poder, que parece situar o poder dos pais <strong>sobre</strong> seus filhos inteiramente <strong>sobre</strong> o pai, como se a mãe não o<br />

compartilhasse. Ora, se consultarmos a razão ou a revelação, veremos que ela tem um igual direito. Isto<br />

justificaria perguntar se não seria mais exato chamá-lo de poder dos pais? Pois sejam quais forem os deveres que<br />

a natureza e o direito de geração impõem às crianças, certamente as obriga da mesma forma <strong>sobre</strong> as suas duas<br />

causas concorrentes. Então, vemos que a lei positiva de Deus sempre os reúne sem distinção quando ordena a<br />

obediência aos filhos. “Honra teu pai e tua mãe” (Ex 20,12); “Quem almaldiçoar o pai ou a mãe” (Lv 20,9);<br />

“Respeite cada um de vós o pai e a mãe” (Lv 19,3); “Filhos, obedecei vossos pais” (Ef 6,1), é como se exprimem o<br />

Antigo e o Novo Testamento.<br />

53. Se este simples fato tivesse sido devidamente considerado, mesmo sem que se aprofundasse muito na<br />

questão, isso talvez pudesse ter evitado que os homens incorressem em erros tão crassos quando delegaram este<br />

poder dos pais; que, embora pudesse, sem forçar seu sentido, tomar o nome de dominação absoluta e autoridade<br />

real, quando, sob o título de poder paterno, parecia reservado ao pai, no entanto soou um pouco estranho, e seu<br />

próprio nome trai o absurdo, se este poder supostamente absoluto <strong>sobre</strong> as crianças fosse chamado poder dos<br />

pais; e, além disso, descobriu-se que ele pertence também à mãe. Pois convirá muito pouco aos propósitos<br />

daqueles homens que defendem o absoluto poder e autoridade da paternidade, como o chamam, que a mãe tenha<br />

qualquer participação nele. E seria de muito pouca serventia à monarquia que tanto defendem, se pelo próprio<br />

nome parecesse que aquela autoridade fundamental de cuja origem eles derivariam seu <strong>governo</strong> de apenas uma<br />

pessoa não estivesse colocada em uma, mas em duas pessoas ao mesmo tempo. Mas deixemos de lado esta<br />

questão de nomes.<br />

54. Embora eu tenha dito anteriormente (Capítulo II) que, por natureza, todos os homens são iguais, não<br />

se pode supor que eu me referisse a todos os tipos de igualdade. A idade ou a virtude podem dar aos homens uma<br />

precedência justa. A excelência dos talentos e dos méritos pode colocar alguns acima do nível comum. O<br />

nascimento pode sujeitar alguns, e a aliança ou os benefícios podem sujeitar outros, reconhecendo-se aqueles a<br />

quem a natureza, a gratidão ou outros aspectos possam obrigar. E no entanto tudo isso coincide com a igualdade<br />

de todos os homens com respeito à jurisdição ou ao domínio de um <strong>sobre</strong> o outro, ou seja, a igualdade que<br />

apresentei como característica disso que se está tratando e que consiste, para cada homem, em ser igualmente o<br />

senhor de sua liberdade natural, sem depender da vontade nem da autoridade de outro homem.

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