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Locke-Segundo tratado sobre o governo

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| CLUBE DO LIVRO LIBERAL<br />

13. Se neste capítulo, ou não importa onde em toda a obra, ele apresentou outras provas da “autoridade<br />

real de Adão”, além da freqüência com que ele a afirma, o que passa por um argumento na opinião de alguns,<br />

convido quem quiser se encarregar de me mostrar o local e a página, para que eu possa me convencer de meu<br />

erro e reconhecer meu descuido. Se não se encontrar qualquer argumentação deste tipo, imploro àqueles que<br />

tanto exaltaram este livro que se perguntem se não estão dando ao mundo a ocasião de suspeitar que eles<br />

defendem a monarquia absoluta, não pela força das razões e dos argumentos, mas porque cedem àquela do<br />

interesse e estão então resolvidos a aplaudir qualquer autor que escreva a favor de uma tal doutrina, dando-lhe<br />

ou não uma justificativa racional. Espero que mal saibam que homens providos de razão e desprovidos de<br />

preconceitos se lançam a ganhar sua confiança, porque, em um discurso destinado a estabelecer “o poder<br />

monárquico absoluto de Adão” em oposição à “liberdade natural” da humanidade, este grande doutor que eles<br />

invocam no assunto disse tão pouco para prová-lo que seria mais natural concluir que não há muita coisa a ser<br />

dita.<br />

14. Contudo, eu não queria me poupar nenhum esforço para conhecer plenamente o pensamento de nosso<br />

autor; então consultei suas Observações <strong>sobre</strong> Aristóteles, Hobbes etc., a fim de ver se ele se servia de<br />

argumentos, quaisquer que fossem eles, para apoiar sua querida tese da “soberania de Adão”, em suas<br />

controvérsias com os outros, uma vez que foi tão parcimonioso em seu <strong>tratado</strong> <strong>sobre</strong> o Poder natural dos reis. Nas<br />

observações <strong>sobre</strong> o Leviatan do Sr. Hobbes, creio que ele agrupou, em resumo, a totalidade dos argumentos dos<br />

quais o vi se servir onde quer que seja em seus escritos: “Se Deus criou apenas Adão, e depois, de uma parte de<br />

seu corpo, fez a mulher, e se, a partir de um e de outro, toda a humanidade se encontra engendrada como uma<br />

parte deles mesmos e se multiplica; se Adão recebeu de Deus o domínio não somente <strong>sobre</strong> sua mulher e <strong>sobre</strong> os<br />

filhos que nasceram deles, mas também <strong>sobre</strong> a terra inteira para submetê-la e <strong>sobre</strong> todas as criaturas que aqui<br />

vivem, de tal maneira que, durante toda a vida de Adão, nenhum homem pudesse reivindicar ou possuir o que<br />

quer que seja, salvo em virtude de uma doação, de uma cessão ou de uma autorização emanando dele, eu me<br />

pergunto etc.” (O. p. 165). Aqui encontramos o resumo de todos os argumentos para a “soberania de Adão” e<br />

contra a “liberdade natural” que se encontram disseminados em seus escritos. Ei-los: “a criação de Adão por<br />

Deus”, o “poder” que Ele lhe deu <strong>sobre</strong> Eva e o “poder” que ele possuía, como “pai, <strong>sobre</strong> seus filhos”; eu os<br />

examinarei a todos, um por um.<br />

CAPÍTULO III<br />

DO TÍTULO DE ADÃO À SOBERANIA PELA CRIAÇÃO<br />

15. No prefácio de suas Observações <strong>sobre</strong> a Política de Aristóteles, Sir Robert nos diz: “não se pode supor<br />

que a humanidade seja naturalmente livre, sem negar que Adão tenha sido criado”; assim sendo, eu não vejo como<br />

a criação de Adão pôde lhe conceder um poder soberano <strong>sobre</strong> o que quer que fosse, pois ela consistia apenas,<br />

para ele, em receber o ser diretamente da onipotência e da mão de Deus; não compreendo então porque a<br />

“hipótese da liberdade natural equivale à negação da criação de Adão” e seria de muita ajuda se alguém me<br />

explicasse isto, porque nosso autor não se dignou ele próprio de fazê-lo. Não experimento qualquer dificuldade<br />

em supor que a humanidade seja naturalmente livre, ainda que eu sempre tenha acreditado que “Adão foi criado”;<br />

ele foi criado, ou começou a existir, em virtude de uma ação direta do poder divino, sem a intervenção de pais ou<br />

sem que seres da mesma espécie devessem ter existido antes dele para gerá-lo; e isso, no momento determinado<br />

por Deus; e, da mesma maneira, antes dele, o leão, o rei dos animais, começou a existir em virtude do poder<br />

criador de Deus; em conseqüência, se o único fato de um ser existir em virtude deste poder, sem nada além, é<br />

suficiente para lhe conferir a soberania, nosso autor raciocinando desta forma vem provar que o leão pode fazer<br />

valer um direito tão bom quanto aquele de Adão e, certamente, mais antigo. Não! pois Adão extraía seu direito de<br />

“Deus, que o havia designado”, diz o autor em outra parte. Neste caso, não foi o fato da “criação”, isoladamente,<br />

que concedeu o poder a Adão; é então possível “supor que a humanidade seja livre sem negar que Adão foi<br />

criado”, porque foi o ato pelo qual Deus o “designou” que o fez rei.

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