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Locke-Segundo tratado sobre o governo

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| CLUBE DO LIVRO LIBERAL<br />

55. Admito que as crianças não nascem neste estado de plena igualdade, embora tenham nascido para<br />

isso. Seus pais têm uma espécie de <strong>governo</strong> e jurisdição <strong>sobre</strong> eles quando eles vêm ao mundo e durante algum<br />

tempo depois, mas é apenas temporário. Os laços desta sujeição são como as fraldas que eles vestem e protegem a<br />

fragilidade de sua infância. A idade e a razão, à medida que elas crescem, pouco a pouco as liberta delas, até o dia<br />

em que caem completamente e deixam o homem absolutamente livre.<br />

56. Adão foi criado como um homem perfeito, seu corpo e sua mente em completa posse de sua força e de<br />

sua razão, e assim foi capaz, desde o primeiro instante, de promover seu próprio sustento e preservação, e<br />

governar suas ações de acordo com os ditames da lei da razão nele implantada por Deus. A partir dele o mundo foi<br />

povoado com seus descendentes, que nasceram todos bebês, frágeis e desamparados, sem conhecimento ou<br />

compreensão. Mas para suprir os defeitos deste estado imperfeito até o momento em que o progresso do<br />

crescimento e a idade o tivessem removido, Adão e Eva, e depois deles todos os pais, estavam sujeitos pela lei da<br />

natureza a uma obrigação de preservar, alimentar e educar as crianças que tivessem gerado; não como criaturas<br />

produzidas por eles, mas pela obra de seu próprio Criador, o Todo-Poderoso, a quem deviam delas prestar contas.<br />

57. Uma mesma lei devia reger Adão e toda a sua posteridade, a lei da razão. Mas como sua descendência<br />

veio ao mundo de uma maneira diferente da dele, por um nascimento natural que a produzia ignorante e<br />

desprovida do uso da razão, ela não se encontrou imediatamente sob essa lei. Pois ninguém pode estar sujeito a<br />

uma lei que não é promulgada para ele; e como apenas a razão promulga e faz conhecer a lei, não se pode admitir<br />

que ela se aplique a quem não chegou à idade da razão. Os filhos de Adão, que não eram regidos por esta lei da<br />

razão desde o seu nascimento, não eram de início livres. A lei, em sua verdadeira noção, não é tanto a limitação,<br />

mas a direção de um agente livre e inteligente em seu próprio interesse, e só prescreve visando o bem comum<br />

daqueles que lhe são submetidos. Se eles pudessem ser mais felizes sem ela, a lei desapareceria como um objeto<br />

inútil; não é confinando alguém que lhe tornamos inacessíveis os lodaçais e os precipícios. De forma que, mesmo<br />

que possa ser errada, a finalidade da lei não é abolir ou conter, mas preservar e ampliar a liberdade. Em todas as<br />

situações de seres criados aptos à lei, onde não há lei, não há liberdade. A liberdade consiste em não se estar<br />

sujeito à restrição e à violência por parte de outras pessoas; o que não pode ocorrer onde não há lei: e não é, como<br />

nos foi dito, uma liberdade para todo homem agir como lhe apraz. (Quem poderia ser livre se outras pessoas<br />

pudessem lhe impor seus caprichos?) Ela se define como a liberdade, para cada um, de dispor e ordenar <strong>sobre</strong> sua<br />

própria pessoa, ações, possessões e tudo aquilo que lhe pertence, dentro da permissão das leis às quais está<br />

submetida, e, por isso, não estar sujeito à vontade arbitrária de outra pessoa, mas seguir livremente a sua própria<br />

vontade.<br />

58. Portanto, o poder que os pais exercem <strong>sobre</strong> seus filhos procede daquele dever, que lhes é imposto, de<br />

cuidar de sua descendência durante a condição imperfeita da infância. Deve formar sua mente e governar as ações<br />

de sua ainda ignorante imaturidade, até que a razão assuma seu lugar e os liberte dessa preocupação. É isso que<br />

as crianças desejam e é essa a obrigação dos pais. Deus, que dotou o homem do entendimento para dirigir suas<br />

ações, deu-lhe também, como um atributo a ele vinculado, uma liberdade de vontade e uma liberdade de agir,<br />

dentro dos limites fixados pela lei que o rege. Mas enquanto ele estiver em um estado em que não tem<br />

entendimento de sua própria pessoa para dirigir sua vontade, não tem qualquer vontade própria para seguir.<br />

Aquele que compreende por ele deve também desejar por ele, comandar sua vontade e dirigir suas ações; mas<br />

quando chega ao estado que tornou seu pai um homem livre, o filho também<br />

se torna um homem livre.<br />

59. Isto está presente em todas as leis a que o homem está sujeito, sejam naturais ou civis. O homem está<br />

sujeito à lei da natureza? O que o torna livre dessa lei? O que lhe dá a livre disposição de sua propriedade segundo<br />

seu próprio desejo dentro do âmbito daquela lei? Eu respondo: Um estado de maturidade em que se supõe que ele<br />

seja capaz de conhecer aquela lei, e assim manter suas ações dentro de seus limites. Quando adquiriu esse estado,<br />

supõe-se que ele tem conhecimento de até que ponto aquela lei será seu guia e até onde ele pode fazer uso de sua<br />

liberdade, e assim a atinge; até então deve ser guiado por outra pessoa que se presume conhecer até que ponto a

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