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Locke-Segundo tratado sobre o governo

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| CLUBE DO LIVRO LIBERAL<br />

legislar não existe permanentemente, e em geral é exercido por muitos e é muito lento em vista da celeridade<br />

exigida na execução; além disso, como também é impossível prever e, portanto, ter um provimento de leis para<br />

atender a todos os acidentes e todas as urgências que podem dizer respeito aos negócios públicos, ou fazer leis<br />

que jamais se arrisquem a ser nefastas se aplicadas com um rigor inflexível, em todas as circunstâncias, a todas as<br />

pessoas que entram em seu campo de aplicação, o poder executivo guarda por isso uma certa liberdade para<br />

realizar muitos atos discricionários que não estão previstos na lei.<br />

161. Quando este poder é exercido no interesse da comunidade e de modo adequado às responsabilidades<br />

e objetivos do <strong>governo</strong>, trata-se sem dúvida de prerrogativa e jamais é questionado. É muito raro, se é que chega a<br />

ocorrer, que o povo manifeste escrúpulos ou rigor <strong>sobre</strong> este ponto, ou chegue a questionar a prerrogativa<br />

quando ela é empregada de uma maneira mais ou menos aceitável em vista do fim a que é destinada, ou seja, o<br />

bem comum, e não vise manifestamente prejudicá-lo. Mas se houver uma contestação entre o poder executivo e o<br />

povo a propósito de qualquer coisa reivindicada como prerrogativa, a tendência do exercício de tal prerrogativa<br />

para o bem ou o mal do povo decidirá facilmente a questão.<br />

162. É fácil imaginar que no início dos <strong>governo</strong>s, quando as comunidades civis pouco diferiam das famílias<br />

quanto ao número de pessoas, também pouco diferiam delas quanto ao número de leis; e como os governantes<br />

atuavam quase como pais e velavam pelo seu bem-estar, o <strong>governo</strong> se identificava quase inteiramente com a<br />

prerrogativa. Poucas leis estabelecidas serviam aos seus propósitos, e o discernimento e a cautela do governante<br />

supriam o resto. Mas quando o erro ou a lisonja persuadiu alguns príncipes a utilizar este poder para fins<br />

privados que só interessavam a eles mesmos, e não ao bem público, o povo reclamou leis expressas para<br />

circunscrever a prerrogativa naqueles pontos onde a considerava desvantajosa; proclamou então os limites da<br />

prerrogativa nos casos em que considerou necessário, que ele e seus ancestrais haviam deixado, em toda a<br />

amplitude, a cargo da sabedoria daqueles príncipes, que dela não fizeram um uso correto, ou seja, visando o bem<br />

público.<br />

163. As pessoas que dizem que o povo abusou da prerrogativa quando a fez definir, <strong>sobre</strong> um ponto<br />

qualquer, por leis positivas, têm uma idéia muito falsa de <strong>governo</strong>. Pois agindo assim ele não tirou do príncipe<br />

nada que lhe pertencesse por direito, mas apenas declarou que aquele poder que havia deixado indefinidamente<br />

em suas mãos ou nas de seus ancestrais para ser exercido para o bem do povo deixava de lhe ser destinado uma<br />

vez que o estava utilizando de outra maneira. Como o objetivo do <strong>governo</strong> é o bem da comunidade, as<br />

modificações feitas visando este objetivo não podem ser um atentado aos direitos de ninguém; em um <strong>governo</strong>,<br />

ninguém pode invocar um direito que se incline a um outro fim. Os únicos abusos são aqueles que prejudicam ou<br />

entravam o bem público. Aqueles que dizem o contrário, falam como se o príncipe tivesse um interesse distinto e<br />

separado do bem da comunidade; eis a razão e a fonte de onde procedem quase todos os males e as desordens<br />

que acompanham os <strong>governo</strong>s monárquicos. Realmente, se fosse assim, o povo sob seu <strong>governo</strong> não seria uma<br />

sociedade de criaturas racionais que entraram em uma comunidade visando o bem comum, mas deveria ser<br />

encarado como um rebanho de criaturas inferiores sob a dominação de um dono, que os mantém e os faz<br />

trabalhar para ele para seu próprio prazer ou proveito. Se os homens fossem tão desprovidos de razão e tão<br />

selvagens para entrar em sociedade em tais termos, talvez, como alguns o desejariam, a prerrogativa pudesse na<br />

verdade ser um poder arbitrário para realizar atos que prejudicassem o povo.<br />

164. Mas desde que não se pode imaginar que uma criatura livre se submeta a outra para ser prejudicada<br />

(embora quando ela encontrar um governante bom e sábio, talvez possa não considerar necessário determinar<br />

limites precisos ao seu poder <strong>sobre</strong> todas as coisas), a prerrogativa pode significar apenas a permissão que o povo<br />

concede a seus governantes para fazer várias coisas de sua própria livre escolha, nas situações em que a lei for<br />

omissa, e às vezes mesmo em contrário ao que reza o seu texto, visando o bem público e com a consagração<br />

popular dos atos realizados nestas condições. Um bom príncipe, consciente da missão que lhe foi confiada e<br />

preocupado com o bem público, não precisaria ter muita prerrogativa, ou seja, poder para fazer o bem; enquanto<br />

um príncipe mau e fraco desejaria invocar o poder que seus antecessores exerciam sem a orientação da lei como<br />

uma prerrogativa pertencente a ele pelo direito do seu cargo, que ele exerceria ao bel-prazer, para atingir ou

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