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Locke-Segundo tratado sobre o governo

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| CLUBE DO LIVRO LIBERAL<br />

uma fórmula para regulamentar os relacionamentos entre os estados civilizados e suas colônias ou outros povos<br />

atrasados 58.<br />

<strong>Locke</strong> reconhece que ao detentor do poder executivo deve ser permitida alguma arbitrariedade, e “este<br />

poder deve atuar discricionariamente em vista do bem público, sem a prescrição da lei, e às vezes até contra ela, é<br />

o que se chama prerrogativa” 59. Na Inglaterra, inclui “o poder de convocar os parlamentos... assim como<br />

determinar a época, o local e a duração... mas ainda com esta confiança”, acrescenta ele, “que deverá ser usada<br />

para o bem da nação à medida que assim o requererem as exigências das épocas e a variedade da ocasião” 60. Se é<br />

feita a pergunta “Quem julgará quando este poder é utilizado corretamente?”, ele responde, “Não pode haver juiz<br />

na terra”. Se “o legislativo ou o executivo, quando detêm o poder em suas mãos, planejam ou começam a<br />

escravizar ou a destruir o povo, este não tem outro remédio ... senão apelar aos céus” 61. Assim chegamos à famosa<br />

justificativa de <strong>Locke</strong> de um fundamental direito de revolução. Hobbes defendeu que o afastamento da<br />

autoridade soberana destruiria o estado e envolveria um retorno ao caos do estado da natureza: <strong>Locke</strong>, ao<br />

contrário, distingue entre “a dissolução da sociedade e a dissolução do <strong>governo</strong>”, e embora admita que esta<br />

conquista de fora possa “cortar os <strong>governo</strong>s pela raiz e despedaçar as sociedades”, insiste que um <strong>governo</strong> pode<br />

ser dissolvido internamente, e um novo <strong>governo</strong> ser estabelecido, sem a destruição do próprio corpo político 62.<br />

Esta é a conclusão que ele retira de episódios anteriores na história inglesa e em particular da bem sucedida<br />

revolução de 1688. Ele percebe que aprovando dessa forma a revolução, pode ser acusado de promover “um<br />

estímulo a rebeliões freqüentes”. Argumenta que o povo está mais propenso a ser levado à rebelião pela tirania e<br />

pela opressão, enquanto um <strong>governo</strong> que sabe que pode ser deposto se abusar de sua autoridade estará menos<br />

propenso a agir errado. Além disso, “tais revoluções não ocorrem <strong>sobre</strong> cada pequena má administração nos<br />

negócios públicos”, pois “o povo não abandona tão facilmente suas antigas formas como alguns estão prontos a<br />

sugerir. Ele dificilmente vai ser convencido a corrigir as falhas reconhecidas na estrutura a que está habituado”.<br />

Na verdade, o conservadorismo natural e a inércia levarão o povo a suportar “grandes erros por parte do <strong>governo</strong>,<br />

muitas leis erradas e inconvenientes, e todo o tipo de deslizes da fragilidade humana ... sem revolta ou queixas” 63.<br />

Podemos também imaginar por que <strong>Locke</strong> não encontra lugar para a melhoria do <strong>governo</strong> através de<br />

emenda constitucional, e precisa defender uma solução tão drástica quanto a revolução. Sem dúvida ele<br />

estava em parte preocupado em apoiar a recente revolução de 1688, afinal de contas tudo o que foi conseguido<br />

então dificilmente seria conseguido por outros meios. Podemos perceber que hoje em dia, em um país com um<br />

sistema de <strong>governo</strong> representativo, onde as mudanças de ministro podem ser efetuadas através de um processo<br />

constitucional normal, um direito de revolução não é necessário como um elemento em nossa teoria política. Mas<br />

devemos nos lembrar que foi através da influência da idéia de curadoria de <strong>Locke</strong>, ou da teoria do contrato dos<br />

Whigs, que veio a ser reconhecido que os <strong>governo</strong>s são organismos responsáveis, e não são simplesmente dotados<br />

de privilégios para serem utilizados para seu próprio prazer. Hoje isso nos parece um truísmo óbvio, mas é a<br />

aceitação deste princípio 64, tanto quanto qualquer outra coisa, que faz a diferença entre nossa atitude em relação<br />

à política e à atitude, digamos assim, de um cortesão de Luís XV. Além disso, os acontecimentos recentes<br />

tornaram o direito da revolução mais uma vez uma questão ativa, e na guerra contra a Alemanha percebemos<br />

isso. “Quem duvida”, perguntava <strong>Locke</strong>, “que os cristãos gregos... possam legitimamente derrubar a tirania turca<br />

sob a qual gemeram tanto tempo, quando tiverem poder para fazê-lo?” 65 Apoiamos os movimentos de<br />

resistência nos países ocupados da Europa, e não duvidávamos de que teria sido direito do povo alemão se<br />

levantar e derrubar o <strong>governo</strong> nazista; esperávamos que eles o fizessem, e teríamos recebido com alegria a<br />

tentativa que houvesse sido feita. Nossos alvos de guerra e a suposição de que nossa causa era justa implicavam<br />

que, de fora e como um ato de guerra, nós nos considerássemos justificados ao estimular tal revolução. Estávamos<br />

58 Para um esboço do desenvolvimento da idéia da curadoria como uma teoria política, ver J.W. Gough, Political Trusteeship , in Politica, iv, 1939, p. 220-247.<br />

59<br />

Parágrafo 160.<br />

60<br />

Parágrafo 167.<br />

61<br />

Parágrafo 168.<br />

62<br />

Parágrafo 211. <strong>Locke</strong>, ao contrário de Hobbes, pode fazer esta distinção porque para ele o <strong>governo</strong> era estabelecido, não pelo pacto original, mas como uma<br />

confiança subseqüente.<br />

63<br />

Parágrafos 223-225.<br />

64<br />

Evidentemente não é de modo algum um princípio novo, e <strong>Locke</strong> estava apenas ex pondo novamente a doutrina que herdou, juntamente com a lei da natureza, dos<br />

pensadores medievais. Mas era necessário tornar a expô-la no século XVII, devido aos ataques feitos da parte do <strong>governo</strong> despótico.<br />

65<br />

Parágrafo 192.

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