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Locke-Segundo tratado sobre o governo

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| CLUBE DO LIVRO LIBERAL<br />

nós veremos a seguir. Assim, aquele que pela conquista tem o direito <strong>sobre</strong> a pessoa de um homem para destruílo<br />

se assim o quiser, não tem por isso um direito <strong>sobre</strong> seus bens, para se apossar e desfrutar deles. É a força<br />

brutal utilizada pelo agressor que dá ao seu adversário o direito de tirar sua vida e destruí-lo se quiser, como se<br />

fosse uma criatura nociva, mas só o dano continuado lhe dá o direito de se apossar dos bens do outro homem.<br />

Embora eu possa matar um ladrão que me assalta na estrada, não tenho o direito (que parece menor) de tirar seu<br />

dinheiro e deixá-lo ir embora; isto me tornaria um ladrão. Sua força e o estado de guerra em que se colocou<br />

fizeram com que ele perdesse o direito a sua vida, mas não deu a mim o direito de assumir seus bens. Então, o<br />

direito de conquista se estende apenas às vidas daqueles que se associaram na guerra, não a seus bens, exceto<br />

para reparar os danos causados e os encargos da guerra, e isso também sob reserva dos direitos da esposa e dos<br />

filhos inocentes.<br />

183. Mesmo que o conquistador tenha a justiça do seu lado, como se poderia supor, ele não tem o direito<br />

de se apoderar de mais do que o conquistado poderia ser confiscado; sua vida está à sua mercê, assim como seu<br />

serviço e os bens de que ele pode se apropriar para reparar os danos causados, mas não pode se apropriar dos<br />

bens de sua esposa e dos seus filhos; eles também têm direito aos bens de que ele desfrutava e à partilha da<br />

propriedade que possuía. Por exemplo, se eu causei um dano a outro homem no estado de natureza (e todas as<br />

comunidades civis estão entre si no estado de natureza) e, como eu me recuso a reparar o mal, ele se coloca no<br />

estado de guerra, em que defendo pela força minhas aquisições injustas, o que faz de mim o agressor. Eu sou<br />

conquistado: certamente, minha vida está à mercê do conquistador, mas não a de minha esposa e as de meus<br />

filhos. Eles não fizeram a guerra nem ajudaram nela. Eu não poderia confiscar suas vidas, que não me pertencem.<br />

Minha esposa tem uma parte em meus bens, que eu também não poderia confiscar. O mesmo ocorre com meus<br />

filhos, que, tendo nascido de mim, têm o direito de ser sustentados com o produto do meu trabalho ou do meu<br />

capital. Resumindo, o conquistador tem um direito à reparação pelos danos recebidos e os filhos têm direito aos<br />

bens de seu pai para o seu sustento. Quanto à parte da esposa, seja ela fruto do seu trabalho ou de um pacto que<br />

lhe proporcionou esse direito, é evidente que seu marido não poderia confiscar o que era dela. O que deve ser<br />

feito nesse caso? Eu respondo: Como a lei fundamental da natureza exige que todos sejam preservados na medida<br />

do possível, em conseqüência disso, se não existe o bastante para satisfazer a ambos, ou seja, para as perdas do<br />

conquistador e para o sustento dos filhos, aquele que está provido, até com excesso, deve renunciar a uma parte<br />

de sua indenização plena e ceder o lugar àqueles que correm o risco de perecer sem ela.<br />

184. Mas vamos supor que os encargos e os prejuízos da guerra devam ser recuperados pelo conquistador<br />

até o último centavo; e que os filhos do conquistado sejam espoliados de todos os bens de seu pai, e sejam<br />

deixados para morrer de fome; embora nessa dívida a satisfação seja devida ao conquistador, isso dificilmente lhe<br />

dá um título a qualquer país que ele conquiste. É pouco provável que o montante dos prejuízos de guerra possa se<br />

igualar ao valor das terras de uma superfície considerável, em qualquer parte do mundo em que não reste mais<br />

espaço sem dono ou inculto. E como eu não me apossei das terras do conquistador, uma vez que isso me era<br />

impossível, sendo eu o vencido, parece pouco provável que eu lhe tenha causado qualquer outro prejuízo que<br />

possa equivaler ao valor de minhas próprias terras, supondo-se que elas sejam mais ou menos tão vastas e tão<br />

bem cultivadas quanto a sua parte que eu invadi. A destruição de um produto de um ou dois anos, pois raramente<br />

atinge quatro ou cinco, representa o prejuízo mais grave que em geral poderia ser causado. Quanto ao dinheiro e<br />

às riquezas e ao tesouro desse tipo que puderam ser tomados, estes não são bens da natureza e possuem apenas<br />

um valor ilusório: a natureza jamais lhes atribuiu um valor real. Por seu padrão, eles não têm mais valor que o<br />

wampompeke dos americanos para um príncipe europeu, ou a moeda de prata da Europa teria tido antigamente<br />

para um americano. O produto de cinco anos não vale a propriedade perpétua da terra, lá onde não existem terras<br />

sem dono nem áreas baldias que pudessem ser tomadas por aquele que foi desapossado; isto será facilmente<br />

admitido despojando-se o dinheiro de seu valor imaginário, pois a desproporção ultrapassa a relação de cinco<br />

para cinco mil, embora, ao mesmo tempo, o produto de meio ano tenha mais valor que a herança onde, havendo<br />

mais terra do que os habitantes possuem e fazem uso, qualquer um tem a liberdade de utilizar a área baldia. Mas<br />

lá, raramente os conquistadores se preocupam em se apossar das terras dos vencidos. Assim, no estado de<br />

natureza (no qual todos os príncipes e todos os governantes permanecem em referência um ao outro), os<br />

prejuízos que os homens se causam podem dar a um conquistador poder para desapropriar a posteridade do<br />

vencido e privá-la daquela herança que devia ser perpetuamente posse dela e de seus descendentes. Na verdade,<br />

o conquistador será levado a se considerar o dono; e é condição própria dos vencidos não poder disputar seus

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