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Locke-Segundo tratado sobre o governo

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| CLUBE DO LIVRO LIBERAL<br />

nenhum juramento de fidelidade ou de obediência, ou nenhum outro ato público de homenagem ou de submissão<br />

ao <strong>governo</strong> de seu país.<br />

63. Assim, a liberdade de um homem e sua faculdade de agir segundo sua própria vontade estão<br />

fundamentadas no fato dele possuir uma razão, capaz de instruí-lo naquela lei pela qual ele vai ser regido, e fazer<br />

com que saiba a que distância ele está da liberdade de sua própria vontade. Deixá-lo entregue a uma liberdade<br />

desenfreada antes que tenha a razão para guiá-lo não é conceder-lhe o privilégio de ter sua natureza livre, mas<br />

lançá-lo no meio de selvagens e abandoná-lo em um estado miserável e inferior ao dos homens, como sendo o seu.<br />

É isso que coloca nas mãos dos pais a autoridade de governar a minoridade de seus filhos. Deus lhes confiou a<br />

tarefa de cuidar dessa maneira de sua descendência e depositou neles pendores de ternura e de solicitude<br />

apropriados para equilibrar este poder, e para aplicá-lo, na medida em que sua sabedoria o designar, pelo bem<br />

das crianças, enquanto elas dele necessitarem.<br />

64. Mas que razão pode provocar a transformação deste cuidado que os pais devem a sua descendência<br />

em uma dominação arbitrária absoluta por parte do pai? O poder do pai não deve ultrapassar aquela disciplina<br />

que ele considera mais eficaz para proporcionar força e saúde ao corpo dos filhos, vigor e retidão às suas mentes,<br />

o que melhor prepara seus filhos para serem mais úteis a si mesmos e aos outros; e, se a condição assim o exigir,<br />

fazer com que trabalhem, quando forem capazes, para prover seu próprio sustento. Mas neste poder também a<br />

mãe, juntamente com o pai, tem sua parte.<br />

65. O pai não detém este poder em virtude de um direito natural particular, mas somente por ser guardião<br />

de seus filhos, e quando ele abandona este cuidado, perde seu poder <strong>sobre</strong> eles, o que segue paralelo a sua<br />

alimentação e educação, às quais está inseparavelmente ligado, e pertence tanto ao pai adotivo de uma criança<br />

abandonada quanto ao pai natural de outra. A isso se reduz o poder que o simples fato da procriação proporciona<br />

ao homem <strong>sobre</strong> sua descendência; quando o cuidado termina também se extingue o poder, e este é todo o direito<br />

que ele tem ao nome e à autoridade de pai. E o que acontece com este poder paterno naquela parte do mundo em<br />

que a mulher tem mais de um marido ao mesmo tempo? Ou naquelas partes da América onde, quando o marido e<br />

a mulher se separam, o que acontece freqüentemente, as crianças são entregues à mãe, a seguem e estão<br />

completamente sob seus cuidados e sob seu encargo? Se o pai morre enquanto os filhos são pequenos, em toda<br />

parte eles não devem naturalmente à mãe durante sua minoridade a mesma obediência, que deviam a seu pai<br />

quando ele estava vivo? Quem pretenderá que a mãe tenha um poder legislativo <strong>sobre</strong> seus filhos? Que ela possa<br />

estabelecer regras que os obriga perpetuamente, pelas quais eles devem orientar todos os interesses de sua<br />

propriedade, e limitar sua liberdade durante todo o curso de suas vidas? Ou que ela possa fazer cumprir a<br />

observação dessas regras com penas capitais? Este é o poder próprio do magistrado, de que o pai não tem nem<br />

mesmo a sombra. A autoridade que exerce <strong>sobre</strong> seus filhos é apenas temporária, e não atinge sua vida ou sua<br />

propriedade; é apenas uma ajuda à fragilidade e à imperfeição de sua minoridade, uma disciplina necessária a sua<br />

educação; e embora um pai possa dispor de suas próprias possessões como lhe apraz quando seus filhos estão em<br />

risco de morrer pela miséria, seu poder não se estende às vidas ou aos bens, que sua própria indústria ou a<br />

generosidade de outra pessoa tornou seus; nem também a sua liberdade, uma vez que chegaram à libertação da<br />

idade do discernimento. Então o império do pai cessa, e daí em diante ele não pode dispor da liberdade do seu<br />

filho, mais do que pode dispor daquela de qualquer outro homem; e fica-se bem distante de uma jurisdição<br />

absoluta ou perpétua, pois um homem pode se subtrair a ela com licença da autoridade divina, deixando o pai e a<br />

mãe para se ligar a sua mulher.<br />

66. Mas embora haja um momento em que a criança se torna tão livre da sujeição à vontade e à<br />

autoridade de seu pai quanto seu próprio pai é livre da sujeição à vontade de qualquer outra pessoa, e ambos não<br />

estão sob outra restrição exceto aquela comum aos dois, seja ela a lei da natureza ou a lei civil de seu país, esta<br />

liberdade não isenta um filho da honra que ele, pela lei de Deus e da natureza, deve prestar a seus pais. Quando<br />

Deus tornou os pais instrumentos em seu grande desígnio de continuidade do gênero humano, e ensejo da vida de<br />

seus filhos, assim como impôs <strong>sobre</strong> eles a obrigação de alimentar, preservar e criar sua descendência, também<br />

colocou <strong>sobre</strong> as crianças uma obrigação perpétua de honrar seus pais, que, contendo em si uma estima e

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