Sumário - Núcleo de Estudos da Antiguidade - UERJ
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O mundo fornece ao mito um real histórico, <strong>de</strong>finido, por mais longe que se<br />
recue no tempo, pela maneira como os homens o produziram ou utilizaram. O mito<br />
restitui uma imagem natural <strong>de</strong>ste real. “A função do mito é evacuar o real<br />
literalmente” (BARTHES, 1987, XX), <strong>de</strong>ssa forma não se trata <strong>de</strong> uma história<br />
fantasiosa, porém recria<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma forma literária.<br />
Roland Barthes acredita que<br />
“a mitologia participa <strong>de</strong> um construir do mundo, tomando como ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong><br />
permanente a constatação <strong>de</strong> que o homem <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> burguesa se encontra,<br />
a ca<strong>da</strong> instante, imerso numa falsa natureza. Ela tenta recuperar, sob as<br />
inocências <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> relacional mais ingênua, a profun<strong>da</strong> alienação que essas<br />
inocências têm por função camuflar. Esse <strong>de</strong>sven<strong>da</strong>r <strong>de</strong> uma alienação é, portanto,<br />
um ato político: baseado numa concepção responsável <strong>da</strong> linguagem, a mitologia<br />
postula <strong>de</strong>ste modo a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa linguagem. A mitologia é uma concordância<br />
com o mundo, não tal como ele é, mas tal como preten<strong>de</strong> sê-lo.” (1987, XX)<br />
Para Mircea Elia<strong>de</strong>, por outro lado, o mito conta uma história sagra<strong>da</strong>; relata<br />
um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”,<br />
ou seja, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma<br />
reali<strong>da</strong><strong>de</strong> passou a existir, seja uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong> total, o Cosmos, ou apenas um<br />
fragmento. É sempre, portanto, a narrativa <strong>de</strong> uma “criação”: ele relata <strong>de</strong> que<br />
modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que realmente<br />
aconteceu, do que se manifestou plenamente. Os personagens dos mitos são os<br />
Entes Sobrenaturais e são conhecidos, sobretudo, pelo que fizeram no tempo<br />
prestigioso dos “primórdios”. Os mitos revelam, portanto, sua ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> criadora e<br />
<strong>de</strong>sven<strong>da</strong>m a sacrali<strong>da</strong><strong>de</strong> (ou simplesmente a “sobrenaturali<strong>da</strong><strong>de</strong>”) <strong>de</strong> suas obras.<br />
É importante frisar que o mito é consi<strong>de</strong>rado uma história sagra<strong>da</strong> e,<br />
portanto, uma história “ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira”, porque sempre se refere a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s. O mito<br />
cosmogônico é “ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro”, porque a existência do mundo aí está para prová-lo;<br />
o mito <strong>da</strong> origem <strong>da</strong> morte é igualmente “ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro”, porque é provado pela<br />
mortali<strong>da</strong><strong>de</strong> do homem, e assim por diante.<br />
Pelo fato <strong>de</strong> relatar as gestas dos Entes Sobrenaturais e a manifestação <strong>de</strong><br />
seus po<strong>de</strong>res sagrados, o mito se torna o mo<strong>de</strong>lo exemplar <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
humanas significativas. Mesmo a conduta e as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s profanas do homem têm<br />
por mo<strong>de</strong>lo as façanhas dos Entes Sobrenaturais.<br />
Os mitos, efetivamente, narram não apenas a origem do mundo, dos<br />
animais, <strong>da</strong>s plantas e do homem, mas também <strong>de</strong> todos os acontecimentos<br />
primordiais, em conseqüência dos quais o homem se converteu no que é hoje. Se<br />
o mundo existe, se o homem existe, é porque os Entes Sobrenaturais<br />
<strong>de</strong>senvolveram uma atitu<strong>de</strong> criadora no “princípio”. To<strong>da</strong>via, após a cosmogonia e<br />
a criação do homem, ocorreram outros eventos, e o homem, tal como é hoje, é o<br />
resultado direto <strong>da</strong>queles eventos míticos.<br />
Assim como o homem mo<strong>de</strong>rno se consi<strong>de</strong>ra constituído pela história, o<br />
homem <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s arcaicas acredita, <strong>da</strong> mesma forma, que é o resultado <strong>de</strong><br />
um certo número <strong>de</strong> eventos míticos. Embora consi<strong>de</strong>rando o resultado do curso<br />
<strong>da</strong> História Universal, o homem mo<strong>de</strong>rno não se sente obrigado a conhecê-la em<br />
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