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26<br />
penas (até a de morte), pelo que Lázaro Rodrigues<br />
Pinheiro começa a ter uma vi<strong>da</strong> dupla... Assim,<br />
aparentemente, continua a ser católico praticante, indo<br />
à igreja e confessando-se mas, no seu íntimo, não<br />
acreditava no Mistério <strong>da</strong> Santissima Trin<strong>da</strong>de nem<br />
tinha Cristo por Deus ver<strong>da</strong>deiro e como o Messias<br />
pro-metido; antes, esperava ain<strong>da</strong> por Ele «e só<br />
acreditava no Deus dos Céus, a quem se encomen<strong>da</strong>va<br />
com a oração do Padre Nosso, mas não dizendo Jesus<br />
no fim...» (45) . Clandestinamente, comunicava com<br />
outras pessoas <strong>da</strong> mesma nação, às quais se<br />
declarava por judeu; e, na intimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> sua casa, ele<br />
e a família praticavam os ritos e cerimónias ju<strong>da</strong>icas,<br />
guar<strong>da</strong>ndo os sábados como se fossem dias santos<br />
e jejuando nas festas comemorativas do Dia Grande<br />
<strong>da</strong> Rainha Ester...<br />
Porém, o destino não lhe permitiria manter esta<br />
situação por muito tempo. Em finais de 1710, alguns<br />
familiares são presos pela Inquisisão e ele, receando<br />
ser descoberto através dos seus testemunhos<br />
aconselha-se com Paulo de Figueiredo de Refóios,<br />
comissário do Santo Oficio em Castelo Branco e parte<br />
imediatamente para Lisboa, apresentando-se no<br />
palácio dos Estaus, ao Rossio, em 5.2.1711...<br />
Inicia-se, assim, o seu processo perante o dito Tribunal,<br />
emcuja Mesa começa a confessar, a 14.2.1711,<br />
denunciando parentes e conhecidos pertencentes a<br />
diversos ramos de cristãos-novos: Moratos, I<strong>da</strong>nhas,<br />
Viseus, Penteados, Aires, Nunes, Sordos, Cunhas,<br />
Pavas, etc.<br />
Do inventário feito aos seus bens, a 26.3.1711,<br />
consta possuir em Castelo Branco uma vinha no Vale<br />
do Romei-ro, que comprara por 150000 réis; mais<br />
outro pe<strong>da</strong>ço de vinha, no sítio <strong>da</strong> Ribeira, que lhe<br />
custara 15 a 16000 réis; e a botica, avalia<strong>da</strong> em cerca<br />
de 50 a 60000 réis.<br />
A 11.2.1711, volta à Mesa onde confessa mais culpas<br />
mas o Tribunal não se dá por satisfeito pois o<br />
réu, involuntária ou proposita<strong>da</strong>mente, não incriminara<br />
algumas pessoas já comprometi<strong>da</strong>s noutros<br />
processos e com os quais comungara a sua crença...<br />
Por tal motivo, é admoestado e advertido <strong>da</strong>s faltas e<br />
diminuições do seu testemunho, sendo entregue ao<br />
juízo ordinário e entrando nos cárceres secretos <strong>da</strong><br />
Inquisição, a 18.3.1711.<br />
A 12.6.1711, produz mais confissão mas,<br />
considera<strong>da</strong> insuficiente e não totalmente ver<strong>da</strong>deira,<br />
é acusado de heresia e apostasia e condenado à prova<br />
do tormento 20.6.1711). Este realiza-se 6 dias depois,<br />
pelas 9 horas <strong>da</strong> manhã e perante o inquisidor Manuel<br />
<strong>da</strong> Cunha Pinheiro (pelo ordinário), os deputados Frei<br />
Miguel Barbosa e Marfim Monteiro de Azevedo, o<br />
notário, médico e cirurgião e outros oficiais <strong>da</strong><br />
Inquisição. O notário lê-lhe a sentença e, mais uma<br />
vez, insiste em que diga to<strong>da</strong> a ver<strong>da</strong>de, «para<br />
descargo <strong>da</strong> consciência e salvação <strong>da</strong> sua alma, pois<br />
só assim evitaria os trabalhos e perigos a que iria ser<br />
submetido», advertindo-o «com muita cari<strong>da</strong>de, de que<br />
se naquela diligência morresse, quebrasse algum<br />
membro ou perdesse qualquer sentido, a culpa seria<br />
unicamente dele e não dos senhores inquisidores e<br />
mais ministros do Santo Oficio, que haviam feito justiça<br />
conforme o merecimento <strong>da</strong> sua causa». (45)<br />
O réu responde com o silêncio a tão insidiosa e<br />
hipócrita argumentação, pelo que é amarrado ao potro<br />
e sofre os primeiros 3 tratos <strong>da</strong> polé. Desesperado<br />
com as dores, grita e clama por audiência, onde<br />
denuncia outros praticantes, entre os quais o Dr.<br />
Manuel Mendes Monforte (tio de sua mulher e médico<br />
no Brasil), a própria mulher e o filho mais velho, apenas<br />
com 13 anos.<br />
Tudo isto não satisfaz ain<strong>da</strong> os inquisidores, sendo<br />
levado de novo à tortura e desta vez, submetido a<br />
«tratamento» completo. Não podendo suportar mais<br />
o sofrimento, pede misericórdia e perdão, «com<br />
mostras de arrependimento». A 30.6.1711,a Mesa do<br />
Santo Tribunal revê pela 4ª vez o seu processo e acaba<br />
por condená-lo a cárcere e hábito penitencial e a<br />
abjurar <strong>da</strong>s culpas em Auto de Fé, celebrado no Rossio<br />
a 26.7.1711, com a presença d’El-Rei, altas<br />
individuali<strong>da</strong>des e muito povo.<br />
Finalmente, Lázaro Rodrigues Pinheiro é libertado<br />
a 6.8.1711 e regressa a Castelo Branco, retomando o<br />
seu trabalho na botica. Mas, pouco tempo depois, a<br />
16.10.1711, a mulher e o filho mais velho<br />
apresentam-se voluntáriamente nos Paços <strong>da</strong><br />
Inquisição em Lisboa (os Estaus), a fim de<br />
confessarem também as suas culpas, saindo<br />
reconciliados pelo mesmo Tribunal, a 7 e 27.10.1711,<br />
respectivamente. (46)<br />
O casal irá ter mais filhos e para eles o pesadelo<br />
terminou... mas não para a sua geração.<br />
Ora, processos semelhantes ao que acabei de<br />
descrever foram levantados a muitos cristãos-novos<br />
albicastrenses, em especial no decurso dos séculos<br />
XVII e XVlll; e alguns deles pagariam na fogueira um<br />
pesado tributo pelas suas convicções...<br />
XV - Drama e Escân<strong>da</strong>lo na Igreja de Santa<br />
Isabel (1805).<br />
Assento 43 (S2 - 50, fl. 18v) - D. Leonor Pereira<br />
Pessoa, casa<strong>da</strong> com o sargento-mor José Pessoa<br />
Tavares, faleceu com todos os sacramentos e com<br />
testamento de mão comum com seu marido, em o<br />
qual deixou se disses-sem 2 ofícios e missas até o<br />
sétimo dia; faleceu, digo, em os 20 de Outubro de<br />
1805 e foi sepulta<strong>da</strong> na igreja <strong>da</strong> Misericórdia, que<br />
serve de presente de freguesia, de que fiz este termo<br />
que assinei / O Vig° Manuel Martins Pelejão.<br />
Comentário<br />
No Assento de óbito, acima transla<strong>da</strong>do, não<br />
vislumbramos a menor alusão aos sucessos<br />
dramáticos ocorridos na igreja de Santa Isabel, a<br />
quando <strong>da</strong> inumação dos restos mortais de D. Leonor