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(...) os<br />
“Problemata”<br />
aristotélicos já<br />
conferiam<br />
superiori<strong>da</strong>de<br />
espiritual à<br />
melancolia<br />
seria<br />
característica<br />
de vocações<br />
heróicas ou do<br />
génio poético<br />
ou filosófico, e<br />
influenciaria<br />
assim to<strong>da</strong> a<br />
cultura<br />
ocidental,<br />
nomea<strong>da</strong>mente<br />
a partir do<br />
Renascimento.<br />
activas, agressivas e irritantes, e era lugar residual<br />
após evaporação de elementos aquosos dos outros<br />
humores, sujeita a variações rápi<strong>da</strong>s e perigosas,<br />
passando de muito fria a muito quente, e existindo<br />
grande facili<strong>da</strong>de de obstrução <strong>da</strong>s vias de drenagem.<br />
Os sintomas têm pois origem física, somático-humoral.<br />
Percebe-se assim a natureza dos tratamentos<br />
fisicos, visando o reequilíbrio humoral-sangrias, dietas,<br />
purgas. Acrescente-se ain<strong>da</strong> o xarope heléboro,<br />
considerado específico, e que se utilizava em diarreias,<br />
vómitos, sendo as fezes negras considera<strong>da</strong>s efeito<br />
<strong>da</strong> expulsão <strong>da</strong> bílis negra.<br />
O predomínio de tratamentos físicos e alguns bem<br />
agressivos não deve<br />
fazer esquecer a<br />
psicoterapia associa<strong>da</strong><br />
(a medicina<br />
helénica é uma paideia)<br />
quando o diálogo<br />
com o paciente era<br />
considerado possível.<br />
Galeno fixara à<br />
descrição e definição<br />
de Melancolia que fará<br />
autori<strong>da</strong>de até ao<br />
século XVIII, pelo<br />
menos, descrevendo<br />
três varie<strong>da</strong>des distintas:<br />
1ª - afecção melancólica<br />
localiza<strong>da</strong> no<br />
encéfalo;<br />
2ª - afecção generaliza<strong>da</strong>,<br />
em que a bílis<br />
negra invade, através<br />
do sangue, o organismo<br />
inteiro e também o encéfalo;<br />
3ª - afecção melancólica, primeiramente situa<strong>da</strong> a<br />
nível do estômago e orgãos digestivos - a Hipocondria<br />
- e que atinge o encéfalo por exalações e vapores.<br />
Só no século XVII, Burton descreverá a melancolia<br />
amorosa (que Galeno já sugerira) e a melancolia<br />
religiosa, já mais moderna.<br />
Por outro lado, os”Problemata” aristotélicos jà<br />
conferiam superiori<strong>da</strong>de espiritual à melancolia: seria<br />
característica de vocações heróicas ou do génio<br />
poético ou filosófico, e influenciaria assim to<strong>da</strong> a<br />
cultura ocidental, nomea<strong>da</strong>mente a partir do<br />
Renascimento.<br />
Em to<strong>da</strong>s as Centúrias há descrições de casos que<br />
diríamos hoje psiquiátricos e em to<strong>da</strong>s há casos de<br />
Melancolia. Em muitas há descrições clínicas feitas<br />
com pormenor e agudeza, e os tratamentos que<br />
descreve e que geralmente não variam muito.<br />
Importantes são os comentários, onde mistura<br />
conhecimento práticos e uma erudição onde estão<br />
presentes não só os seus mestres Hipócrates,<br />
Galeno, Avicena, Conciliator, Aliabate, Sorano de<br />
Efeso, Areteu <strong>da</strong> Capadócia, Rufo, Paulo de Egina<br />
(Egineta), etc, num ecletismo assinalável, mas<br />
também referências <strong>da</strong> cultura humanística.<br />
Seleccionei apenas algumas Curas, por se<br />
prenderem com concepções ou atitudes posteriores<br />
e até actuais ou por anotações curiosas ou mesmo<br />
pioneiras de alguns casos.<br />
Assim, na Cura 34 (1ª Centúria) e que é claramente<br />
o que hoje designamos por psicose puerperal, é muito<br />
bem descrito o quadro de agitação confusional “ não<br />
estar firme do juizo, to<strong>da</strong> a noite agita<strong>da</strong> com terror e<br />
medo, dormiu pouco, falando várias coisas e palavras<br />
semelhantes às que<br />
eram proferi<strong>da</strong>s no<br />
quarto ou lhe eram<br />
objecta<strong>da</strong>s”. O tratamento<br />
iniciou-se mas<br />
“como os assistentes<br />
asseverassem que a<br />
mulher era atormenta<strong>da</strong><br />
pelo mau espírito e<br />
chamassem os frades<br />
para o expulsar, desistimos<br />
<strong>da</strong> cura e não mais<br />
a visitámos”. E, acrescenta,<br />
“desde modo a<br />
deixámos mentecapta e<br />
furibun<strong>da</strong>”.<br />
Firmemente, Amato<br />
opôs-se às opiniões que<br />
considera não-científicas.<br />
Também na cura 54<br />
(4ª Centúria), refere um<br />
indivíduo sofrendo de<br />
melancolia flatuosa hipocondríaca, e comenta depois<br />
as proezas de um frade que se intitulava médico e<br />
“por amor de S. Francisco afirmava curar to<strong>da</strong>s as<br />
moléstias, e em breve tempo o matou”.<br />
Na cura 35 (1ª Centúria), faz um comentário notável<br />
precisando a distinção entre mania e melancolia.<br />
“Os loucos de mania provenientes de combustão<br />
<strong>da</strong> bile amarela, são arrebatados, barulhentos,<br />
atrevidos e agressivos. Os melancólicos provenientes<br />
<strong>da</strong> bile negra, são tímidos, receosos de tudo, tristes,<br />
gostando antes <strong>da</strong> solidão e evitando a conversação<br />
dos homens”. E cita Galeno e... Homero! Esta<br />
referência remete de facto para a Ilía<strong>da</strong>, canto VI,<br />
quando Belerofonte, “ tendo incorrido no ódio de todos<br />
os Deuses, errou, sózinho, através <strong>da</strong> planície Aleia,<br />
consumindo o seu coração, evitando as pega<strong>da</strong>s dos<br />
homens”.<br />
Apesar de Amato não admitir que pudesse tratar-se<br />
duma mesma afecção com dois pólos distintos (Mania/melancolia<br />
), conclui que “ esta doente encontrava-<br />
-se muitas vezes disposta para rir, de modo que se