15.02.2015 Views

Aqui - História da Medicina

Aqui - História da Medicina

Aqui - História da Medicina

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

46<br />

tinha, a eripsela exulcera<strong>da</strong> e os alfectos cutâneos<br />

untando a parte, miriga as dores <strong>da</strong> gota e mortifica o<br />

cancro, interiormente tomado cura a icterícia” (30) .<br />

Terá então tido esta obra alguma função reprodutora<br />

e até de legitimação na aplicação dessas terapêuticas<br />

excrementórias nas terras do interior beirão Ou serão<br />

elas a perduração <strong>da</strong>s aculturações sucessivas de<br />

estratos de saberes pré-romanos, romanos, dos<br />

sincretismos religiosos medievais ou até mesmo o<br />

eco <strong>da</strong>s informações escritas no Portugal-Médico E<br />

se assim foi, quem é que o terá lido, difundido e<br />

aplicado por esta raia beiroa As lógicas sociais,<br />

económicas e ambientais dessa raia têm vindo a ser<br />

modifica<strong>da</strong>s a um ritmo avassalador nos últimos anos,<br />

tornando prioritária a tarefa de recolha sistemática<br />

destes últimos saberes naturalistas tal como ain<strong>da</strong><br />

se manifestam no viver actual <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des.<br />

Saberes que perduraram através <strong>da</strong>s dores dos<br />

quotidianos raianos e que, para a sua cabal<br />

compreensão, ao longo desta breve análise<br />

relembrámos sempre as palavras de B. Malinowski:<br />

“si l’on veut comprendre um élement culturel, il faut<br />

entre choses, expliquer son rapport direct ou instrumental<br />

à Ia satisfaction des besoins essentiels, qu’ils<br />

soient élémentaires, c’est à dire biologiques, ou derives,<br />

c’est à dire culturels” (31) .<br />

* Licenciado em História. Docente no ISMAG/<br />

ISHT-Universi<strong>da</strong>de Lusófona<br />

Notas<br />

1) J. L. Dias, Etnografia <strong>da</strong> Beira, vol. I, 2ª Ed., Lisboa,<br />

1944; vol. II, 2ª Ed., Lisboa, 1964; vol. III, 2ª Ed., Lisboa,<br />

1955; vol. IV, 2ª Ed., Lisboa, 1971; vol. V, 2ª Ed., Lisboa,<br />

1966; vol. VI, 2ª Ed., Lisboa, 1967; vol. VII, Lisboa, 1948;<br />

vol. VIII, Lisboa, 1953; vol. IX, Lisboa, 1955; vol. X, Lisboa,<br />

1970; vol. XI, Lisboa, 1971. Reedição <strong>da</strong> Câmara Municipal<br />

de I<strong>da</strong>nha-a-Nova, 1991-1992.<br />

2) J. L. Dias, Etnografia <strong>da</strong> Beira, vol. XI, p. 11<br />

3) Veja-se por exemplo a descrição <strong>da</strong> Beira <strong>da</strong> autoria<br />

de L. Chaves, A Beira, Exposição portuguesa em Sevilha,<br />

Lisboa, 1929; J. Pina Cabral, Os Contextos <strong>da</strong><br />

Antropologia, Lisboa, 1991, pp. 25 -37.<br />

4) J. L. Dias, op. cit., p.9<br />

5) O. Ribeiro, “Beira Baixa” in Guia de Portugal, II vol.,<br />

Lisboa, s/d, p. 625.<br />

6) J. Le Goff, O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente<br />

Medieval, Lisboa, 1985, p. 62.<br />

7) J. P. Ferrier, Antéelha geographie ça sert d’abord à<br />

parler du territoire, on le métier des géographes, Aix en<br />

Provence, 1984, p. 21.<br />

8) J. dos Santos, “Savoirs de Ia flore en Cévennes” in<br />

Les savoirs naturalistes populaires, Paris, 1985, p. 66.<br />

9) J. Barrau, “A propos du concept d’etnoscience” in<br />

Les savoirs naturalistes populaires, Paris, 1985, p. 9.<br />

10) R. Chartier, A História Cultural entre práticas e<br />

representações, Lisboa, 1988, pp. 62-63.<br />

11) A. Carril, Etnomedicina. Acercamento a Ia<br />

terapéutica popular, Valladolid, 1991, p. 9.<br />

12) Plinio, N. H., XVIII, 18.<br />

13) C. H., 75 (L162, 18).<br />

14) Dioscorides, De natura medica: II, 81.<br />

15) J. Bermejo Barrera, “La esposa, Ia amante, el<br />

alimento y el excremento” in Mitologia y Mitos de Ia<br />

Hispania Preromana, Madrid, 1982, pp 217-237.<br />

16) J. G. Bourke, Escatalogia y Civilizacion, Madrid,<br />

1976, p. 64.<br />

17) Op. cit., pp. 298-299.<br />

18) R. Joly, Le niveaux de Ia science hipocratique. Contribution<br />

à Ia psycologie de Phistoire des sciences, Paris,<br />

1966, p. 54.<br />

19) G. Bachelard, La formation del espírito científico.<br />

Contribuccion a un psicoanalises del conocimiento<br />

objectivo. Buenos Aires, 1972, pp. 199-214. Ver ain<strong>da</strong> G.<br />

Bachelard, A psicanálise do fogo, Lisboa, 1989, pp. 80-<br />

86.<br />

20) F. Henriques, J. Caninas et alli, “<strong>Medicina</strong> e farmácia<br />

popular dos Cortelhões e Plingacheiros” in Preservação,<br />

9-11, 1990, p.<br />

21) A. Garcia y Bellido, Espana y los Españoles hace<br />

dos mil avios según Ia “geografia” de Strábon, Madrid,<br />

1945, pp. 155-156.<br />

22) Catulle, Poésies, Paris, 1949.<br />

23) J. Bermejo Barrera, “Los excrementos y Ia politica<br />

- una nota a Estrabón: III, 4, 16” in Mitologia y Mitos de Ia<br />

Hispania Preromana, Madrid, 1982, pp 21-42; J. C.<br />

Bermejo Barrera, “El erudito y Ia barbarie” in Mitologia y<br />

Mitos de Ia Hispania Preromana, Madrid, 1986, pp. 13 -<br />

44<br />

24) J. R. Nazaré, Prolegomènes à l’Ethnosociologie de<br />

Ia Musique, Paris, 1984, p. 196.<br />

25) Assinale-se um caso de utilização de excrementos<br />

de vaca para fins curativos. Prática utiliza<strong>da</strong> em Oledo,<br />

povoação que também faz parte do concelho de I<strong>da</strong>nhaa-Nova.<br />

Segue-se o relato tal como nos foi transmitido<br />

pela informadora de uma situação ocorri<strong>da</strong> há cerca de<br />

20 anos. M. R. D. era na altura mãe de uma filha de dois<br />

anos de i<strong>da</strong>de: “Ela estava senta<strong>da</strong> de costas para a<br />

lareira e mal eu voltei costas ela fez balanço com o banco<br />

e caiu de costas para o lume. Imediatamente se levantou<br />

a chorar mas já com as nádegas assa<strong>da</strong>s e com as brasas<br />

agarra<strong>da</strong>s ao rabinho. Como era Domingo e não havia<br />

médico mandei o meu marido à farmácia. Mas como<br />

ain<strong>da</strong> era longe e ela chorava muito uma velhota que<br />

era nossa vizinha apareceu à janela e conforme se<br />

apercebeu do que se passava disse-me: Oh Maria, põe-<br />

-lhe bosta de vaca de cima <strong>da</strong> queimadura, quanto mais<br />

depressa melhor. Então eu fui buscar, envolvi numa fral<strong>da</strong><br />

quente e puz-lhe em cima do rabinho, ela chorou mas

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!