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15 DE JUNHO DE 2008 CAUSA OPERÁRIA<br />
TEORIA 17<br />
190 ANOS DO SEU NASCIMENTO<br />
Karl Marx<br />
GEORGE PLEKHANOV<br />
Reproduzimos nesta edição um artigo do pioneiro do<br />
marxismo na Rússia, Jorge Plekhânov, escrito para o<br />
primeiro jornal do Partido Operário Social-<br />
Democrata Russo, o Iskra<br />
O número trinta e cinco do<br />
Iskra vem à luz no dia do vigésimo<br />
aniversário da morte<br />
de Karl Marx, ao qual se dedica<br />
o lugar preeminente nesse<br />
número.<br />
Se é certo que o grande<br />
movimento internacional do<br />
proletariado foi o fenômeno<br />
social mais notável do século<br />
XIX, não se pode deixar de<br />
reconhecer que o fundador da<br />
Associação Internacional de<br />
Trabalhadores foi o homem<br />
mais notável desse século.<br />
Lutador e pensador ao mesmo<br />
tempo, não só organizou os<br />
primeiros quadros do exército<br />
internacional dos trabalhadores,<br />
como também forjou<br />
para ele, em colaboração com<br />
seu amigo constante, Friedrich<br />
Engels, a arma espiritual<br />
com que este exército desferiu<br />
tão rudes golpes no inimigo<br />
e que lhe dará, a seu tempo,<br />
a vitória completa. Se o<br />
socialismo se converteu em<br />
ciência é a Karl Marx que o<br />
devemos. E se os trabalhadores<br />
conscientes compreendem<br />
bem, atualmente, que<br />
para a emancipação definitiva<br />
da classe trabalhadora é necessária<br />
a revolução social e<br />
que esta revolução deve ser<br />
obra da própria classe trabalhadora,<br />
se são atualmente<br />
inimigos irreconciliáveis infatigáveis<br />
da ordem de coisas<br />
burguesa, isso se deve à influência<br />
do socialismo científico.<br />
Do ponto de vista da “razão<br />
prática”, o socialismo científico<br />
se distingue do utópico<br />
precisamente porque<br />
põe a descoberto as contradições<br />
radicais da sociedade<br />
capitalista e denuncia implacavelmente<br />
toda inutilidade<br />
dos planos de reforma social,<br />
às vezes muito engenhosos e<br />
sempre inspirados na maior<br />
boa vontade, preconizados<br />
pelos socialistas utópicos das<br />
distintas escolas como meio<br />
mais seguro para acabar com<br />
a luta de classes e reconciliar<br />
o proletariado com a burguesia.<br />
O proletariado contemporâneo<br />
que assimilou a teoria<br />
do socialismo científico e que<br />
permaneça fiel ao espírito do<br />
mesmo, não pode deixar de<br />
ser revolucionário, por lógica<br />
e por sentimento, isto é, não<br />
pode deixar de pertencer à<br />
variedade mais “perigosa” de<br />
revolucionários.<br />
Coube a Marx a grande<br />
honra de ser o socialista mais<br />
odiado pela burguesia do século<br />
XIX. Mas coube-lhe também<br />
a invejável honra de ser<br />
o mestre mais respeitado pelo<br />
proletariado dessa mesma<br />
época. Ao mesmo tempo que<br />
se concentrava ao seu redor<br />
o rancor dos exploradores,<br />
seu nome ia adquirindo notoriedade<br />
e respeito cada dia<br />
maiores entre os explorados.<br />
E agora, no princípio do século<br />
XX, os proletários conscientes<br />
de todos os países<br />
consideram-no como seu<br />
mestre e se vangloriam de<br />
Marx como um dos espíritos<br />
mais vastos e mais profundos,<br />
como um dos caracteres<br />
mais nobres e abnegados que<br />
conhece a história. “O santo<br />
cuja lembrança se festeja no<br />
dia primeiro de maio se chama<br />
Karl Marx”, escrevia um<br />
periódico burguês em Viena,<br />
em fins de abril de 1890. E,<br />
com efeito, a manifestação<br />
anual dos trabalhadores de<br />
todo o mundo constitui uma<br />
homenagem majestosa, ainda<br />
que não premeditada, à memória<br />
do homem genial cujo<br />
programa uniu em um todo<br />
estruturado a luta cotidiana<br />
dos trabalhadores por melhores<br />
condições de venda de sua<br />
força de trabalho com a luta<br />
revolucionária contra o regime<br />
econômico vigente. A<br />
única coisa que se pode dizer<br />
é que tal festa não tem nada em<br />
comum com as festas religiosas:<br />
o proletariado contemporâneo<br />
honra seus “santos”<br />
pelo quanto a atuação dos<br />
mesmos tenha contribuído<br />
para aproximar os tempos<br />
felizes em que a humanidade<br />
emancipada instaurará seu<br />
reino celestial na terra, deixando<br />
o céu para os anjos e<br />
pássaros...<br />
o:Entre as absurdas lendas<br />
postas em circulação com relação<br />
a Marx, consta a fábula<br />
de que o autor de O Capital<br />
professava sentimentos adversos<br />
com relação aos russos.<br />
Na realidade odiava o<br />
czarismo russo, o qual desempenha<br />
o papel ignominioso<br />
de gendarme internacional<br />
disposto a arrasar todo movimento<br />
de emancipação em<br />
qualquer lugar que ele se inicie.<br />
Marx seguia todas as manifestações<br />
sérias do desenvolvimento<br />
interior da Rússia<br />
com um interesse e, sobretudo,<br />
com um conhecimento<br />
profundo da matéria, difícil de<br />
achar entre seus contemporâneos<br />
ocidentais. O operário<br />
alemão Lessner conta, em<br />
suas lembranças sobre Marx,<br />
a alegria deste quando apareceu<br />
a tradução russa de O<br />
Capital e quão agradável lhe<br />
era a crença de que na Rússia<br />
surgiriam pessoas capazes de<br />
compreender e difundir as<br />
idéias do socialismo científico.<br />
O prólogo da tradução<br />
russa do Manifesto Comunista,<br />
assinado por ele e Engels,<br />
demonstra que a simpatia pelos<br />
revolucionários russos e o<br />
desejo impaciente de vê-los<br />
vitoriosos o mais depressa<br />
possível os conduzia, inclusive,<br />
a exagerar a importância<br />
do nosso movimento revolucionário<br />
naquela época. Suas<br />
relações com Lopatin e Hartmann<br />
mostram a alegre acolhida<br />
de que eram objeto em<br />
sua casa hospitaleira os revolucionários<br />
russos proscritos.<br />
Sua desavença com Herzen foi<br />
provocada, em parte, por um<br />
quid pro quo acidental e, em<br />
parte, por uma desconfiança<br />
merecida em relação a esse<br />
socialismo eslavófilo do qual,<br />
por desgraça, se havia feito<br />
profeta na literatura ocidental<br />
nosso brilhante compatriota,<br />
sob a influência das grandes<br />
decepções de 1848-1851. O<br />
vigoroso ataque de Marx contra<br />
esse socialismo eslavófilo,<br />
na primeira edição de O Capital<br />
não só não merece ser condenado<br />
como também é digno<br />
de elogios, sobretudo na atualidade,<br />
quando este socialismo<br />
ressuscita em nosso país<br />
sob a forma do partido chamado<br />
socialista-revolucionário.<br />
Finalmente, no que diz respeito<br />
à luta encarniçada de Marx<br />
contra Bakunin na Associação<br />
Internacional de Trabalhadores,<br />
nada tem a ver com a origem<br />
russa desse anarquista e<br />
se explica simplesmente pela<br />
oposição irredutível existente<br />
entre as concepções de um e<br />
de outro. Quando as publicações<br />
do grupo Emancipação<br />
do Trabalho começaram a difundir<br />
as idéias social-democratas<br />
entre os revolucionários<br />
russos, Engels, numa carta<br />
a V. I. Zasulich, manifestava<br />
seu pesar pelo fato que<br />
isto não tivesse acontecido<br />
durante o tempo em que<br />
Marx estava vivo, o<br />
qual, a julgar por suas<br />
palavras, teria acolhido<br />
com grande<br />
alegria a obra editorial<br />
desse grupo.<br />
O que diria o<br />
grande autor de<br />
O Capital se tivesse<br />
vivido até<br />
nossos dias e soubesse<br />
que conta<br />
com muitos adeptos<br />
entre os trabalhadores<br />
russos?<br />
Qual não seria<br />
sua satisfação se<br />
pudesse inteirarse<br />
de acontecimentos<br />
tais como<br />
os que se deram recentemente<br />
em Rostov<br />
do Don! Na época<br />
em que viveu, um<br />
marxista russo era<br />
um fenômeno raro e<br />
os homens avançados<br />
do nosso país,<br />
no melhor dos casos,<br />
contemplavam<br />
este fenômeno<br />
raro com um<br />
sorriso de bondosa<br />
comiseração. Agora<br />
as idéias marxistas<br />
predominam no movimento<br />
revolucionário<br />
russo, e os revolucionários<br />
de nosso país, que, por<br />
velho costume, rechaçam-nas<br />
total ou parcialmente, na realidade,<br />
há muito tempo que<br />
deixaram de avançar apesar de<br />
sua fraseologia revolucionária<br />
- sonora na maior parte dos<br />
casos - para passar, sem que<br />
tenham dado conta disso, ao<br />
vasto campo dos atrasados.<br />
Foram ditas e repetidas não<br />
poucas futilidades a propósito<br />
de suas freqüentes querelas<br />
com os adversários. Gente<br />
agradável, mas de visão estreita,<br />
explicou essas querelas<br />
por uma pretensa irresistível<br />
paixão pela polêmica, originada<br />
por sua vez, de um mal caráter.<br />
Na realidade, a luta<br />
quase que ininterrupta que<br />
teve que sustentar, sobretudo<br />
no início de sua atuação pública,<br />
tinha sua origem não nas<br />
particularidades de seu caráter<br />
pessoal e sim pelo significado<br />
social das idéias que<br />
defendia. Marx foi um dos primeiros<br />
socialistas que soube<br />
colocar-se inteiramente, na<br />
teoria e na prática, do ponto de<br />
vista da luta de classes e separar<br />
os interesses do proletariado<br />
dos da pequena burguesia.<br />
Desse modo, não é<br />
surpreendente que se visse<br />
obrigado a enfrentar freqüentemente<br />
os teóricos do socialismo<br />
pequeno burguês,<br />
muito numerosos então, sobretudo<br />
entre os intelectuais<br />
alemães. Cessar a polêmica<br />
com esses teóricos significaria<br />
renunciar à idéia de unir o<br />
proletariado num partido especial<br />
dotado de uma finalidade<br />
histórica própria e que não<br />
marche a reboque da pequena<br />
burguesia. “Nossa finalidade<br />
- dizia o periódico de<br />
Marx, A Nova Gazeta do<br />
Reno, em abril de 1850 - consiste<br />
numa crítica implacável<br />
dirigida mais contra nossos<br />
falsos amigos, que contra<br />
nossos inimigos declarados; e<br />
ao ocupar esta posição, renunciamos<br />
alegremente à popularidade<br />
democrática barata”.<br />
Os inimigos declarados<br />
eram menos perigosos precisamente<br />
porque não poderiam<br />
obscurecer a consciência de<br />
classe dos proletários, enquanto<br />
os socialistas pequeno-burgueses,<br />
com seus programas<br />
“acima das classes”,<br />
iam arrastando muitos trabalhadores.<br />
A luta contra eles era<br />
inevitável e Marx realizou<br />
com a mestria inimitável que<br />
lhe era própria. Nós, os revolucionários<br />
russos, não devemos<br />
esquecer seu exemplo,<br />
pois nos vemos obrigados a<br />
atuar em condições muito<br />
semelhantes às existentes na<br />
Alemanha pré-revolucionária.<br />
Nós que, por assim dizer, nos<br />
achamos cercados pelos teóricos<br />
pequeno-burgueses do<br />
“socialismo russo” especifico,<br />
devemos nos lembrar<br />
agora que os interesses do<br />
proletariado nos obrigam a<br />
criticar implacavelmente nossos<br />
falsos<br />
amigos,<br />
por exemplo, os “socialistas-revolucionários”<br />
bastante<br />
conhecidos por nossos<br />
leitores, por mais que nossa<br />
implacável critica provoque a<br />
indignação dos amigos bem<br />
intencionados, mas de visão<br />
estreita, com pretensões de<br />
paz e acordo entre as distintas<br />
“frações” revolucionárias.<br />
A doutrina de Marx é a “álgebra<br />
da revolução”. A compreensão<br />
da mesma é necessária<br />
a todos quantos queiram<br />
travar uma luta consciente:<br />
contra a ordem de coisas existentes<br />
em nosso pais. E isso<br />
é tão certo que houve um tempo<br />
em que muitos ideólogos<br />
da burguesia russa sentiram<br />
necessidade de fazer-se marxistas.<br />
As idéias de Marx<br />
eram insubstituíveis para eles<br />
na sua luta contra as teorias<br />
antidiluvianas do populismo,<br />
as quais se encontravam em<br />
viva contradição com as novas<br />
relações econômicas na<br />
Rússia. Isto os jovens ideólogos<br />
burgueses compreenderam<br />
bem, eles que conheciam<br />
melhor do que os demais a<br />
literatura contemporânea das<br />
ciências sociais. Esses ideólogos<br />
se colocaram sob a<br />
bandeira do marxismo e, lutando<br />
sob a mesma, adquiriram<br />
uma notoriedade considerável.<br />
Mas quando os populistas<br />
foram destroçados,<br />
quando suas vetustas teóricas<br />
se converteram num monte de<br />
ruínas lamentáveis, nossos<br />
marxistas de novo cunho decidiram<br />
que o marxismo já tinha<br />
cumprido sua missão e<br />
que havia chegado o momento<br />
de submetê-lo a uma crítica<br />
rigorosa. Esta “crítica” se<br />
efetuava sob o pretexto de que<br />
o pensamento social devia<br />
continuar avançando, mas o<br />
único resultado da mesma foi<br />
que, sob a cobertura dessa<br />
crítica, nossos fogosos aliados<br />
realizaram um movimento<br />
de retrocesso e se instalaram<br />
nas posições teóricas dos<br />
burgueses ocidentais de matiz<br />
social-reformista. Por<br />
mais lamentável que fosse o<br />
resultado dessa campanha<br />
crítica proclamada de um<br />
modo tão altissonante, por<br />
mais doloroso que fosse para<br />
os social-democratas russos<br />
assistir a essas transformações<br />
“críticas” de pessoas<br />
com quem haviam lutado recentemente<br />
contra o inimigo<br />
comum, e que tinham a esperança<br />
de encontrar uma afinidade<br />
mais estreita mais a frente,<br />
estes deviam reconhecer,<br />
raciocinando em sã consciência,<br />
que a retirada de nossos<br />
neo-marxistas para a “montanha<br />
sagrada” do reformismo<br />
burguês não só era completamente<br />
natural como também<br />
era uma configuração indireta<br />
da justeza da interpretação<br />
materialista da história, criada<br />
por Marx. Em nosso país,<br />
em 1895-1896, se sentiam<br />
atraídas pelo marxismo, pessoas<br />
que nem por sua posição<br />
social nem por sua contextura<br />
mental e moral tinham alguma<br />
coisa em comum com o<br />
proletariado ou com sua luta<br />
emancipadora. Houve uma<br />
época em que o marxismo esteve<br />
em moda em todas as repartições<br />
públicas petersburguenses.<br />
Se<br />
este estado<br />
de coisas<br />
pudesse<br />
ter se<br />
prolongado,<br />
teria demonstrado<br />
que os fundadores do socialismo<br />
científico tinham se<br />
equivocado ao afirmar que o<br />
modo de pensar é determinado<br />
pelo modo de viver e que<br />
as classes altas não podem ser<br />
as depositárias das idéias sociais<br />
revolucionárias de nossos<br />
dias. Mas a “crítica de<br />
Marx”, iniciada imediatamente<br />
depois de terminada a luta<br />
contra as aspirações reacionárias<br />
do populismo, confirmou<br />
mais uma vez que Marx e<br />
Engels tinham razão: o modo<br />
de pensar dos “críticos” se<br />
achava determinado por sua<br />
posição social; ao rebelar-se<br />
contra o “fanatismo do dogma”,<br />
na realidade se rebelavam<br />
unicamente contra o<br />
conteúdo social-revolucionário<br />
da teoria marxista. O Marx<br />
de que tinham necessidade<br />
não era o que, durante toda<br />
sua vida – cheia de trabalho,<br />
de luta e de privações – fez<br />
arder o fogo sagrado do ódio<br />
contra a exploração capitalista.<br />
Marx, como caudilho do<br />
proletariado revolucionário,<br />
lhes parece grosseiro e “pouco<br />
científico”.O único Marx<br />
que tinham necessidade era<br />
aquele que no Manifesto. Comunista<br />
declarava que se<br />
achava disposto a apoiar a<br />
burguesia na medida em que<br />
esta era revolucionária em sua<br />
luta contra a monarquia absoluta<br />
e contra a pequena burguesia,<br />
O que lhes interessava<br />
era a parte democrática do<br />
programa social-democrata<br />
de Marx. Isto não poderia ser<br />
mais natural, mas precisamente<br />
essas aspirações completamente<br />
naturais de nossos<br />
“críticos”, tornavam evidente<br />
a falta de fundamento das<br />
esperanças dos que imaginam<br />
poder contar com eles como<br />
socialistas. Seu lugar era nas<br />
filas da oposição liberal, à qual<br />
subministraram na pessoa do<br />
diretor de Osvobokdenie (A<br />
Liberação) P. Struve – um intérprete<br />
zeloso e inteligente.<br />
O destino da teoria marxista<br />
mostra sua justeza, não<br />
só na Rússia. Como é sabido,<br />
os homens de ciência do ocidente,<br />
durante muito tempo,<br />
menosprezaram tal teoria por<br />
considerá-la um fruto sem<br />
sabor do fanatismo social-revolucionário.<br />
Mas à medida<br />
que foi transcorrendo o tempo,<br />
apareceu cada vez com<br />
mais evidência, mesmo para<br />
os olhos que olhavam através<br />
das lentes de limitação burguesa,<br />
que esse fruto do fanatismo<br />
social-revolucionário<br />
tinha, pelo menos, uma<br />
vantagem indiscutível: a de<br />
fornecer um método de investigação<br />
da vida social extraordinariamente<br />
fértil.<br />
Quanto mais se avançava no<br />
estudo científico da cultura<br />
primitiva, da História, do<br />
Direito, da Literatura e da<br />
Arte, mais os investigadores<br />
se aproximavam do materialismo<br />
histórico, apesar de que<br />
a maioria dos mesmos ou não<br />
soubesse absolutamente<br />
nada da teoria histórica de<br />
Marx ou temesse como o<br />
fogo seus pontos de vista<br />
materialistas, imorais e perigosos,<br />
aos olhos da burguesia<br />
contemporânea, para a<br />
tranqüilidade social. Assim<br />
vemos como a interpretação<br />
materialista começa a adquirir<br />
direito de cidadania no<br />
mundo científico. A obra A<br />
Interpretação Econômica da<br />
História, do professor norteamericano<br />
Seligman, que<br />
apareceu recentemente,<br />
atesta que os sacerdotes<br />
oficiais da<br />
ciência já<br />
começaram<br />
a<br />
dar-se conta da grande importância<br />
científica da teoria<br />
histórica de Marx. Seligman<br />
deixa transparecer, entre outros,<br />
os motivos psicológicos<br />
que impediram, até agora que<br />
o mundo científico burguês<br />
aceitasse e compreendesse<br />
essa teoria e se esforça por<br />
convencer seus colegas que<br />
se pode prescindir das conseqüências<br />
socialistas, assimilando<br />
unicamente a teoria<br />
histórica que lhes serve de<br />
base. Esta engenhosa consideração<br />
– que assinalamos de<br />
passagem, já se manifestava<br />
timidamente mas de um modo<br />
completamente claro nas<br />
Observações Críticas de P.<br />
Struve – vem confirmar uma<br />
vez mais a verdade já velha de<br />
que é mais fácil um camelo<br />
passar pelo buraco de uma<br />
agulha que um ideólogo da<br />
burguesia passar para o ponto<br />
de vista do proletariado.<br />
Marx era um revolucionário<br />
dos pés à cabeça. Erguiase<br />
contra Deus e o capital<br />
como o Prometeu de Goethe<br />
se levanta contra Zeus. E,<br />
como esse Prometeu, podia<br />
dizer de si mesmo que sua<br />
missão consistia em educar<br />
alguns homens que souberam<br />
sofrer e gozar de um modo<br />
humano, que souberam “não<br />
respeitar-te a Ti, divindade<br />
inimiga dos homens”. A esta<br />
divindade servem precisamente<br />
os ideólogos burgueses.<br />
Sua missão consiste precisamente<br />
em defender os<br />
direitos da mesma por meio<br />
das armas espirituais, do<br />
mesmo modo que a polícia e<br />
as tropas sustentam-se com<br />
suas armas brancas e de fogo.<br />
Os homens de ciência burgueses<br />
aceitarão unicamente<br />
a teoria que não lhes pareça<br />
perigosa para Deus e o capital.<br />
Os homens de ciência da<br />
França, em geral, os dos países<br />
de língua francesa, são<br />
mais francos nesse sentido.<br />
Assim, por exemplo, Laveleye<br />
já dizia que a ciência econômica<br />
devia ser radicalmente<br />
transformada porque havia<br />
deixado de cumprir a missão<br />
da qual era incumbida, desde<br />
que Bastiat, irrefletidamente,<br />
havia comprometido a defesa<br />
da ordem de coisas existentes.<br />
E muito recentemente,<br />
A. Béchaud, num livro dedicado<br />
à escola francesa de<br />
economia política, apreciava,<br />
sem rodeios, o valor das distintas<br />
doutrinas econômicas,<br />
do ponto de vista de ver qual<br />
delas “dá uma arma mais efetiva<br />
aos adversários do socialismo”.<br />
Em vista disso, é<br />
compreensível que os ideólogos<br />
da burguesia que tenham<br />
assimilado as idéias de Marx,<br />
adotem, invariavelmente uma<br />
atitude “crítica”. A medida<br />
de sua posição “crítica” no<br />
que diz respeito a Marx é a incompatibilidade<br />
das concepções<br />
deste revolucionário infatigável<br />
e intransigente, com<br />
os interesses da classe dominante.<br />
Compreende-se assim<br />
que o burguês que pense de<br />
um modo conseqüente reconheça<br />
a justeza das idéias históricas<br />
de Marx melhor que<br />
sua teoria econômica: é mais<br />
fácil falsificar o materialismo<br />
histórico do que, por exemplo,<br />
a doutrina da mais-valia.<br />
Esta última – à qual um dos<br />
“críticos” burgueses de Marx<br />
mais salientes aplicou o expressivo<br />
qualificativo de teoria<br />
da exploração – conservará<br />
sempre nos meios ilustrados<br />
e científicos da burguesia<br />
a reputação de doutrina<br />
sem fundamento. Estes<br />
repudiam a teoria econômica<br />
de Marx e preferem a teoria<br />
econômica “subjetiva”, que<br />
tem a propriedade de considerar<br />
os fenômenos da vida<br />
econômica da sociedade independentemente<br />
de suas relações<br />
de produção, nas quais<br />
radica a origem da exploração<br />
do proletariado pela burguesia,<br />
exploração que é muito<br />
inconveniente recordar, precisamente<br />
agora quando a<br />
consciência de classe dos<br />
trabalhadores avança a passos<br />
tão rápidos.<br />
As idéias econômicas,<br />
históricas e filosóficas de<br />
Marx podem ser aceitas<br />
na ameaçadora integridade<br />
de seu conteúdo<br />
revolucionário apenas<br />
pelos ideólogos do<br />
proletariado, cujo interesse<br />
de classe<br />
está, não com a<br />
conservação, mas<br />
com a supressão<br />
da ordem de coisas<br />
capitalistas:<br />
com a revolução<br />
social.