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Os caminhos da reforma - Jornal de Leiria

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14 | 2 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2006 | SOCIEDADE | ENTREVISTA | JORNAL DE LEIRIA |<br />

RICARDO GRAÇA<br />

João Goulão, presi<strong>de</strong>nte do Instituto <strong>da</strong> Droga e Toxico<strong>de</strong>pendência<br />

A toxico<strong>de</strong>pendência<br />

cura-se<br />

Profundo conhecedor do fenómeno <strong>da</strong>s toxico<strong>de</strong>pendências, João<br />

Goulão diz que não há recursos financeiros nem humanos que<br />

permitam alargar mais a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Centros <strong>de</strong> Atendimento a<br />

Toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. E, por isso, as respostas têm que ser “flexíveis”.<br />

Defensor <strong>da</strong>s salas <strong>de</strong> chuto e <strong>da</strong> <strong>de</strong>scriminilização do consumo <strong>de</strong><br />

drogas, acredita que os números oficiais só representam meta<strong>de</strong> do<br />

número <strong>de</strong> toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes existentes. Homem <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong><br />

assumido, admite que é muito difícil combater as listas <strong>de</strong> espera<br />

nos CATs. Em jovem experimentou haxixe.<br />

Não queremos seguir uma política<br />

<strong>de</strong> betão, mas apostar em respostas<br />

<strong>de</strong> proximi<strong>da</strong><strong>de</strong>”. O que<br />

quis dizer com isto?<br />

Houve um período (última meta<strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 90) em que a nossa<br />

priori<strong>da</strong><strong>de</strong> foi dotar todos os distritos<br />

do continente com, pelo menos,<br />

um Centro <strong>de</strong> Atendimento a Toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

(CAT), criar uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sabituação e complementar<br />

este dispositivo com uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s terapêuticas, sendo<br />

que, neste último caso, a iniciativa<br />

foi sobretudo cometi<strong>da</strong> às enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

dos sectores social e privado.<br />

Esta re<strong>de</strong> teve um enorme<br />

incremento nesse período. No entanto,<br />

ain<strong>da</strong> hoje existem áreas lacunares.<br />

Não há recursos financeiros<br />

e menos ain<strong>da</strong> recursos humanos<br />

que o permitam. Além do mais, a<br />

variabili<strong>da</strong><strong>de</strong> do fenómeno impõe<br />

que acompanhemos os fluxos<br />

“migratórios” <strong>da</strong> população que<br />

preten<strong>de</strong>mos servir. Daí que as respostas<br />

para as áreas on<strong>de</strong> temos<br />

lacunas tenham <strong>de</strong> ser mais flexíveis<br />

e facilmente mobilizáveis. Dou-<br />

-lhe um exemplo, uma vez que este<br />

jornal é <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong>: estamos prestes<br />

a abrir uma extensão do CAT <strong>de</strong><br />

<strong>Leiria</strong> na Marinha Gran<strong>de</strong>. E esta<br />

nova uni<strong>da</strong><strong>de</strong> correspon<strong>de</strong> a uma<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntifica<strong>da</strong>.<br />

E nas zonas que não dispõem<br />

<strong>de</strong> resposta?<br />

Noutras zonas problemáticas,<br />

será possível acorrer às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

através, por exemplo, <strong>de</strong> equipas<br />

móveis, utilizando carrinhas.<br />

A i<strong>de</strong>ia é encontrar respostas ágeis,<br />

eficazes e pouco dispendiosas. Não<br />

é possível pensar em instalar CATs<br />

em todos os concelhos do país.<br />

E para quando este tipo <strong>de</strong><br />

apoios no distrito <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong>?<br />

A instalação ou alargamento<br />

<strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> respostas passa por<br />

um diagnóstico <strong>de</strong> base territorial,<br />

tão rigoroso quanto possível, a realizar<br />

pelos nossos serviços em estreita<br />

colaboração com os municípios,<br />

outros parceiros <strong>da</strong> administração<br />

pública e os dos sectores social e<br />

privado que intervêm na área. Com<br />

base nesses diagnósticos serão <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s<br />

áreas <strong>de</strong> intervenção, elenca<strong>da</strong>s<br />

as priori<strong>da</strong><strong>de</strong>s locais e anuncia<strong>da</strong>s<br />

as regras para os diversos<br />

tipos <strong>de</strong> intervenção. Este é um processo<br />

que preten<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>senvolver<br />

no primeiro semestre <strong>de</strong>ste ano.<br />

Tem i<strong>de</strong>ia do número <strong>de</strong> toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

i<strong>de</strong>ntificados no<br />

distrito <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong>?<br />

Apenas posso <strong>da</strong>r-lhe uma i<strong>de</strong>ia<br />

dos toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes em acompanhamento<br />

nos CAT do Distrito.<br />

Sei que o número tem vindo a<br />

aumentar significativamente. Em<br />

2004 tínhamos 635 utentes acompanhados<br />

no CAT <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong>.<br />

Referiu que as estatísticas existentes<br />

sobre o número <strong>de</strong> toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

não são reais, pois<br />

“há uma população toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

que não está diagnostica<strong>da</strong>”.<br />

O que fazer para chegar até<br />

eles?<br />

Apesar do alargamento <strong>da</strong> re<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> cui<strong>da</strong>dos, há um número significativo<br />

<strong>de</strong> toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes que<br />

não nos procura. Em muitos casos,<br />

são pessoas <strong>de</strong> tal forma <strong>de</strong>sorganiza<strong>da</strong>s<br />

pessoal e socialmente que<br />

só através <strong>de</strong> uma atitu<strong>de</strong> proactiva,<br />

indo ao seu encontro nos meios<br />

on<strong>de</strong> se movimentam, será possível<br />

aproximá-los do sistema <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong> e, em alguns casos, mobilizá-los<br />

para tratamento. Isto faz-se,<br />

por exemplo, com a intervenção<br />

<strong>de</strong> equipas <strong>de</strong> rua, centros <strong>de</strong> acolhimento<br />

e outras respostas no<br />

âmbito <strong>da</strong> redução <strong>de</strong> <strong>da</strong>nos.<br />

Qual é a percentagem <strong>de</strong>stes<br />

casos ?<br />

Varia nas diversas zonas<br />

do País. Em geral, encontramos<br />

mais situações <strong>de</strong>stas<br />

nas gran<strong>de</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />

on<strong>de</strong> o <strong>de</strong>senraizamento<br />

social é maior (Lisboa e Porto),<br />

mas também acontece<br />

noutras regiões. Penso que<br />

a percentagem conheci<strong>da</strong> é igual<br />

à percentagem <strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong>.<br />

Existem quatro Centros <strong>de</strong><br />

Atendimento a Toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

para <strong>de</strong>zasseis concelhos<br />

no distrito <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong>. Não lhe<br />

parece insuficiente?<br />

Como disse, não po<strong>de</strong>mos ter a<br />

velei<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> instalar um CAT em<br />

ca<strong>da</strong> concelho; a partir dos existentes,<br />

procuramos encontrar respostas<br />

<strong>de</strong> proximi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

De que forma estão a combater<br />

as listas <strong>de</strong> espera nos CATs e<br />

nos programas <strong>de</strong> substituição?<br />

Infelizmente, temos neste momento<br />

gran<strong>de</strong>s dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s (na prática,<br />

quase total impossibili<strong>da</strong><strong>de</strong>) <strong>de</strong><br />

reforçar as nossas equipas, por questões<br />

que têm a ver com a necessária<br />

aprovação do quadro <strong>de</strong> pessoal<br />

do IDT, no que diz respeito aos<br />

contratos individuais <strong>de</strong> trabalho.<br />

Por isso, temos <strong>de</strong> fazer mais com<br />

os recursos humanos <strong>de</strong> que dispomos,<br />

reorganizando as equipas<br />

e mobilizando alguns técnicos entre<br />

equipas. No entanto, em alguns<br />

CATs nem mesmo assim conseguimos<br />

<strong>da</strong>r to<strong>da</strong>s as respostas que<br />

preten<strong>de</strong>mos. É um esforço que<br />

vamos continuar, a par <strong>de</strong> uma<br />

maior articulação e colaboração<br />

com as estruturas <strong>da</strong> redução <strong>de</strong><br />

<strong>da</strong>nos.<br />

O que pensa <strong>da</strong> reestruturação<br />

que está a ser feita na área <strong>da</strong><br />

saú<strong>de</strong>?<br />

Sou favorável à melhoria <strong>da</strong><br />

articulação entre as diversas respostas<br />

e ao reforço do papel dos<br />

cui<strong>da</strong>dos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> primários. No<br />

IDT temos feito um gran<strong>de</strong> esforço<br />

<strong>de</strong> aproximação ao restante sistema<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, no sentido <strong>de</strong> agilizar<br />

as respostas aos nossos utentes,<br />

sendo certo que não queremos ser<br />

um Serviço Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> para<br />

toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e que servimos<br />

uma população ca<strong>da</strong> vez mais doente,<br />

dos pontos <strong>de</strong> vista físico, mental<br />

e social.<br />

Consi<strong>de</strong>ra que as penas a cumprir<br />

por crimes ligados à toxico<strong>de</strong>pendência<br />

são exagera<strong>da</strong>s?<br />

Há muitas pessoas que estão<br />

presas, não pelos consumos, mas<br />

por crimes aquisitivos relacionados<br />

com os consumos. Penso que<br />

há dispositivos legais, como o envio<br />

para estruturas <strong>de</strong> tratamento em<br />

alternativa ao cumprimento <strong>de</strong> pena<br />

<strong>de</strong> prisão, que não estão a ser <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>mente<br />

explorados.<br />

Mesmo sabendo que a gran<strong>de</strong><br />

maioria dos reclusos é toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte,<br />

não <strong>de</strong>veria existir um<br />

estabelecimento <strong>de</strong> reclusão só<br />

para estes casos?<br />

Dado o volume <strong>da</strong> população<br />

prisional relaciona<strong>da</strong> com a droga,<br />

essa não me parece uma solução<br />

viável. Deveríamos era po<strong>de</strong>r<br />

garantir que a população reclusa<br />

“...não queremos<br />

ser um Serviço<br />

Nacional <strong>de</strong><br />

Saú<strong>de</strong> para<br />

toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes”

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