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Os caminhos da reforma - Jornal de Leiria

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| JORNAL DE LEIRIA | SOCIEDADE | ENTREVISTA |<br />

2 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2006 | 15<br />

tivesse acesso a todos os recursos<br />

<strong>de</strong> prevenção, tratamento, redução<br />

<strong>de</strong> <strong>da</strong>nos e reinserção disponíveis<br />

em meio livre.<br />

As salas <strong>de</strong> chuto foram muito<br />

critica<strong>da</strong>s por alguns políticos<br />

em Portugal, mas <strong>de</strong>fendi<strong>da</strong>s por<br />

si.<br />

As salas <strong>de</strong> consumo assistido<br />

são instalações que só fazem sentido<br />

se integra<strong>da</strong>s numa re<strong>de</strong> mais<br />

ampla <strong>de</strong> respostas no âmbito <strong>da</strong><br />

redução <strong>de</strong> <strong>da</strong>nos. São locais on<strong>de</strong><br />

os utilizadores dispõem do material<br />

necessário aos consumos em<br />

condições <strong>de</strong> higiene, evitando as<br />

condições <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>ntes em que esses<br />

consumos muitas vezes ocorrem.<br />

Além <strong>de</strong> reduzirem a probabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> infecção (quer o contágio<br />

VIH, hepatites, etc., quer <strong>da</strong> ocorrência<br />

<strong>de</strong> abcessos), as experiências<br />

<strong>de</strong> outros países revelam ganhos<br />

importantes no número <strong>de</strong> mortes<br />

por overdose. A principal mais-<br />

-valia <strong>de</strong>ste dispositivo é a aproximação<br />

do seu público-alvo, em<br />

geral os toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes mais<br />

<strong>de</strong>gra<strong>da</strong>dos física, mental e socialmente,<br />

aos profissionais <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>,<br />

permitindo alterar práticas<br />

<strong>de</strong> consumo e motivando para<br />

o acompanhamento nas estruturas<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.<br />

A toxico<strong>de</strong>pendência cura-se?<br />

Sim. A toxico<strong>de</strong>pendência é uma<br />

doença <strong>de</strong> evolução arrasta<strong>da</strong>, multifactorial,<br />

em cuja evolução há<br />

muitas vezes <strong>de</strong>scompensações,<br />

normalmente <strong>de</strong>signa<strong>da</strong>s como<br />

recaí<strong>da</strong>s, o que me parece injusto<br />

por comparação com outras doenças;<br />

ninguém fala <strong>de</strong> recaí<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

um diabético. Penso que há muitas<br />

pessoas que se libertam <strong>de</strong>finitivamente<br />

<strong>da</strong> <strong>de</strong>pendência, po<strong>de</strong>ndo<br />

consi<strong>de</strong>rar um <strong>de</strong>terminado<br />

período <strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> como encerrado.<br />

Têm é <strong>de</strong> interiorizar que<br />

qualquer contacto com as substâncias<br />

<strong>de</strong> que foram <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

lhe está ve<strong>da</strong>do.<br />

Existe uma taxa <strong>de</strong> sucesso <strong>de</strong><br />

recuperação dos toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

em Portugal?<br />

É muito variável. Existe uma<br />

panóplia bastante ampla <strong>de</strong> recursos<br />

terapêuticos, utilizáveis <strong>de</strong> acordo<br />

com as características individuais.<br />

Mesmo a comparação, por<br />

exemplo, entre os diversos mo<strong>de</strong>los<br />

<strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s terapêuticas<br />

envolve gran<strong>de</strong> dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>, porque<br />

o ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> po<strong>de</strong> ser<br />

muito diferente. Há comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

que acolhem toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

sem abrigo ou muito <strong>de</strong>sorganizados,<br />

e outras que só admitem<br />

toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes com elevado<br />

grau <strong>de</strong> motivação. <strong>Os</strong> resultados<br />

são muito variáveis. No entanto,<br />

arriscaria uma taxa <strong>de</strong> recuperação<br />

global para todos os programas<br />

em torno dos 30 por cento<br />

passados cinco anos.<br />

Ao fim <strong>de</strong> quantos anos se po<strong>de</strong><br />

consi<strong>de</strong>rar “curado” um ex-consumidor<br />

<strong>de</strong> drogas duras?<br />

Habitualmente toma-se como<br />

referência um período <strong>de</strong> cinco<br />

anos, embora possam ocorrer problemas<br />

mais tar<strong>de</strong>.<br />

O que po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve um pai fazer<br />

para dissuadir um filho do consumo<br />

<strong>de</strong> drogas?<br />

A educação é sobretudo exemplo,<br />

atenção e disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong>. Será<br />

difícil aos pais terem <strong>de</strong>terminado<br />

discurso se abusam <strong>de</strong> álcool, medicamentos<br />

ou substâncias ilícitas. É<br />

importante que haja informação<br />

correcta sobre as diversas substâncias,<br />

mas também atenção aos<br />

percursos dos filhos: ao rendimento<br />

escolar, à sua integração social, aos<br />

seus níveis <strong>de</strong> auto-estima. É muito<br />

importante conhecer os amigos,<br />

estar atento ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>da</strong> sua sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e apoiar as activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

que lhe dão gozo. No processo<br />

<strong>de</strong> autonomização há que<br />

jogar o “jogo <strong>da</strong> cor<strong>da</strong>”, tendo o<br />

cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong> não puxar <strong>de</strong>mais nem<br />

largar <strong>de</strong> repente.<br />

Qual a atitu<strong>de</strong> que os pais <strong>de</strong>vem<br />

ter quando <strong>de</strong>sconfiam que o filho<br />

po<strong>de</strong>rá estar envolvido em drogas?<br />

Não há receitas infalíveis, mas<br />

mais uma vez a disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

para discutir com ele os seus problemas<br />

é fun<strong>da</strong>mental. Esse po<strong>de</strong><br />

ser um passo importante para evitar<br />

que uma continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uso<br />

possa conduzir à <strong>de</strong>pendência. Em<br />

alguns casos, po<strong>de</strong>rá haver necessi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> recurso a aju<strong>da</strong> especializa<strong>da</strong>.<br />

Um pai babado<br />

As novas drogas são uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

O seu consumo em discotecas<br />

e locais nocturnos po<strong>de</strong> ser<br />

um factor <strong>de</strong>terminante para o<br />

aumento <strong>de</strong>ste tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência?<br />

Essa é uma <strong>da</strong>s nossas preocupações,<br />

pelo que a intervenção <strong>de</strong><br />

carácter preventivo e <strong>de</strong> redução<br />

<strong>de</strong> riscos constituem uma <strong>da</strong>s nossas<br />

priori<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Essas intervenções<br />

serão tanto mais eficazes quanto<br />

mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s entre pares,<br />

com o necessário enquadramento<br />

técnico.<br />

Apoiou Jerónimo <strong>de</strong> Sousa nas<br />

Presi<strong>de</strong>nciais. Que comentários<br />

lhe merecem os resultados <strong>de</strong>stas<br />

eleições?<br />

A sua candi<strong>da</strong>tura era a que<br />

melhor po<strong>de</strong>ria influenciar a evolução<br />

<strong>da</strong> nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> para que<br />

o fenómeno <strong>da</strong> toxico<strong>de</strong>pendência<br />

fosse enfrentado nas suas causas<br />

mais profun<strong>da</strong>s e não apenas<br />

nos efeitos mais visíveis. Além disso,<br />

apenas posso formular o <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>de</strong> que o novo Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong><br />

República <strong>de</strong>dique tanta atenção e<br />

sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> a este tema como o<br />

Dr. Jorge Sampaio.<br />

Foi coor<strong>de</strong>nador <strong>da</strong> Casa Pia<br />

para a área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>. Como tem<br />

acompanhado o processo judicial?<br />

Acredita que se fará justiça?<br />

Acredito que serão encontrados<br />

e punidos os culpados, porque as<br />

vítimas existem. Tive oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> conhecer os <strong>da</strong>nos físicos e<br />

psíquicos que sofreram as vítimas<br />

<strong>da</strong> Casa Pia<br />

Sendo que os indicadores para<br />

este ano são a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

crise. Quais as suas perspectivas?<br />

Será mais um ano <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s<br />

dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s individuais e sociais.<br />

E também para as instituições. No<br />

que diz respeito ao IDT, os meios<br />

ficarão aquém do <strong>de</strong>sejável, pelo<br />

que teremos que fazer melhor com<br />

os meios disponíveis.<br />

É a favor <strong>da</strong> legalização <strong>da</strong>s<br />

drogas?<br />

Sou a favor do enquadramento<br />

legal actual, que é <strong>de</strong> <strong>de</strong>scriminalização<br />

do consumo <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as<br />

drogas, mantendo a penalização,<br />

que serve para continuar a <strong>da</strong>r um<br />

sinal <strong>de</strong> <strong>de</strong>svalor social. Daqui a<br />

alguns anos, essa questão será remeti<strong>da</strong><br />

muito mais para a esfera <strong>da</strong><br />

capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha e responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

individual.<br />

Alguma vez experimentou drogas?<br />

Como alguém disse, “fui um<br />

jovem do meu tempo”. Apenas<br />

experimentei haxixe, mas nunca<br />

tive consumos regulares. ■<br />

Elisabete Cruz<br />

Ricardo Rosenheim Rodrigues<br />

A serie<strong>da</strong><strong>de</strong>, o cui<strong>da</strong>do nas respostas e a forma como domina os assuntos ligados à sua área impressiona.<br />

João Goulão mostra um profundo conhecimento e uma sensibili<strong>da</strong><strong>de</strong> fora do comum para esta problemática.<br />

No final <strong>da</strong> entrevista, um pouco mais solto, conta que foi pai recentemente. Um brilho<br />

aparece nos olhos quando conta que agora só tem tempo para o mais novo elemento <strong>da</strong> família. O trabalho<br />

que <strong>de</strong>senvolve é uma paixão que o “absorve quase por completo”. Licenciado em Medicina pela<br />

Facul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina <strong>de</strong> Lisboa, começou a trabalhar na área <strong>da</strong> toxico<strong>de</strong>pendência em 1987. Esteve<br />

à frente do Serviço <strong>de</strong> Prevenção e Tratamento <strong>da</strong> Toxico<strong>de</strong>pendência e exerceu, entretanto, as funções<br />

<strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nador para a área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong> <strong>da</strong> Casa Pia <strong>de</strong> Lisboa. Sem medo relata-nos o “horror”<br />

que sentiu , na examinação <strong>de</strong> algumas <strong>da</strong>s vítimas do processo Casa Pia. Arrepiante! Uma experiência<br />

apesar <strong>de</strong> tudo “gratificante”, conta.<br />

Comunista assumido, a sua vi<strong>da</strong> “é e foi feita <strong>de</strong> lutas”.<br />

Fernando Negrão, o homem que substituiu ao leme do IDT (já <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> sua criação e resultado <strong>da</strong><br />

fusão do IDDT e do SPTT) foi seu opositor político nas legislativas <strong>de</strong> 2002 no Algarve. Conta que<br />

após a <strong>de</strong>rrota ligou a Negrão a felicitá-lo. Na altura o vencedor respon<strong>de</strong>u-lhe: “A vi<strong>da</strong> dá muitas voltas.<br />

É possível que tenhamos oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar juntos” Meses <strong>de</strong>pois, tendo Fernando Negrão<br />

sido nomeado, acabou <strong>de</strong> facto por convidá-lo para seu acessor. ■<br />

Perguntas<br />

dos outros<br />

Marino Tralhão<br />

director do Cat <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong><br />

Para quando a existência <strong>de</strong><br />

direcções clínicas nas direcções<br />

regionais?<br />

Está em curso a nomeação <strong>de</strong><br />

“Interlocutores Regionais” para<br />

as diversas áreas (prevenção,<br />

tratamento, redução <strong>de</strong> <strong>da</strong>nos<br />

e reinserção) que funcionarão<br />

junto <strong>da</strong>s Delegações Regionais<br />

garantindo a articulação<br />

entre as respectivas Uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

Especializa<strong>da</strong>s e os <strong>de</strong>partamentos<br />

dos Serviços Centrais<br />

do IDT.<br />

Pascal Timóteo, presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong><br />

associação <strong>de</strong> Pais <strong>da</strong> Escola<br />

EB2 3 Correia Mateus e polícia<br />

<strong>de</strong> profissão<br />

Quando são <strong>de</strong>tidos toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

por posse <strong>de</strong><br />

estupefacientes para consumo,<br />

são conduzidos para a<br />

Comissão <strong>de</strong> Dissuasão para<br />

a Toxico<strong>de</strong>pendência. O que<br />

é que lhes é oferecido nesta<br />

instância e qual o grau <strong>de</strong><br />

eficácia?<br />

Quando são presentes é feita<br />

uma avaliação <strong>da</strong> sua condição<br />

<strong>de</strong> toxico<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes ou<br />

consumidores ocasionais. O<br />

objectivo <strong>da</strong> actuação <strong>de</strong>stas<br />

comissões é encaminhá-los<br />

para tratamento. No caso dos<br />

utilizadores ocasionais o que<br />

se preten<strong>de</strong> não é penalizá-<br />

-los, mas oferecer-lhes outro<br />

tipo <strong>de</strong> respostas que não passam<br />

pelos CATs, mas que po<strong>de</strong>rão<br />

ajudá-los na discussão dos<br />

seus reais problemas e evitarem<br />

a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um percurso<br />

que possa conduzir à<br />

<strong>de</strong>pendência.<br />

Ana Patrícia Nobre, presi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>da</strong> Associação Novo<br />

Olhar<br />

Quais são as medi<strong>da</strong>s a nível<br />

nacional que o IDT preten<strong>de</strong><br />

promover relativamente<br />

à prevenção do consumo <strong>de</strong><br />

drogas <strong>de</strong> “<strong>de</strong>sign”?<br />

As estratégias para enfrentar<br />

este tipo <strong>de</strong> consumos passam<br />

sobretudo por respostas<br />

<strong>de</strong> proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> âmbito preventivo<br />

e <strong>de</strong> redução <strong>de</strong> riscos,<br />

<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s nos meios<br />

on<strong>de</strong> estes consumos ocorrem,<br />

que estão muito ligados<br />

aos ambientes <strong>de</strong> diversão<br />

nocturna, festivais, raves, etc.<br />

Preten<strong>de</strong>mos criar novas equipas<br />

capazes <strong>de</strong> intervir nesses<br />

contextos e actuando não<br />

apenas ao nível do consumo<br />

<strong>da</strong>s drogas ilícitas, mas também<br />

do consumo do álcool.<br />

Que sejam capazes <strong>de</strong> influenciar<br />

a redução <strong>de</strong> riscos nos<br />

comportamentos sexuais e <strong>de</strong><br />

intervir ao nível <strong>da</strong> prevenção<br />

<strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes. Estas equipas<br />

<strong>de</strong>verão tanto quanto<br />

possível, ser constituí<strong>da</strong>s<br />

pelos próprios jovens com o<br />

necessário enquadramento<br />

técnico. ■

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