Os caminhos da reforma - Jornal de Leiria
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| JORNAL DE LEIRIA | OPINIÃO |<br />
2 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2006 | 17<br />
| O p i n i ã o |<br />
Erro fatal<br />
Merece que <strong>de</strong>le<br />
falemos porque,<br />
tratando-<br />
-se <strong>de</strong> alguém,<br />
como Mário<br />
Soares, que tão<br />
importante papel <strong>de</strong>sempenhou na<br />
história recente <strong>de</strong> Portugal, a pergunta<br />
que, inevitável, surge é que<br />
se terá passado, que é que terá corrido<br />
mal, para tão severa reprimen<strong>da</strong><br />
ter recebido nas urnas. Resposta?<br />
Ela aqui vai: um <strong>de</strong>sencontro<br />
essencial com o tempo. Soares, ao<br />
inventar uma versão póstuma <strong>de</strong><br />
si mesmo, foi como morto que se<br />
apresentou - e ninguém está a votar<br />
em mortos. Mas vejamos.<br />
Há, em todo este triste episódio,<br />
uma sucessão gradua<strong>da</strong> <strong>de</strong> erros.<br />
Comecemos pelos menores. Des<strong>de</strong><br />
logo, a forma ávi<strong>da</strong>, pressurosa<br />
e extemporânea como se chegou<br />
à frente, numa lógica <strong>de</strong> pura<br />
avi<strong>de</strong>z e visando marcar uma presença<br />
que, ingenuamente, acreditou<br />
fosse suficiente para intimi<strong>da</strong>r<br />
o candi<strong>da</strong>to apontado como favorito.<br />
E bem sabemos como a pressa<br />
e a avi<strong>de</strong>z são péssimas companhias.<br />
Depois, o tom quase<br />
retaliativo, <strong>de</strong> ressonância narcísica,<br />
que <strong>de</strong>u à sua <strong>de</strong>cisão: " sou<br />
o único capaz <strong>de</strong> evitar o passeio<br />
triunfal do Professor Cavaco". E se<br />
passeio não foi propriamente a<br />
vitória <strong>de</strong> Cavaco Silva, não foi a<br />
Mário Soares que tal se <strong>de</strong>veu, mas<br />
a um outro que, contra o erro crasso<br />
<strong>de</strong> um regresso em falso se apresentou,<br />
enterrando, nesta disputa<br />
obscena e <strong>de</strong>snecessária, uma amiza<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> déca<strong>da</strong>s.<br />
Em política parece ser perigoso<br />
e arriscado regressar aon<strong>de</strong> se<br />
teve sucesso. Como no futebol -<br />
por isso é que José Mourinho não<br />
vai regressar ao FCPorto. Este um<br />
erro que a mera observação estatística<br />
teria aju<strong>da</strong>do a prevenir.<br />
Um outro erro, ditado pela inadvertência<br />
e pela <strong>de</strong>ficiente interpretação<br />
<strong>da</strong> alma agasta<strong>da</strong> dos portugueses,<br />
foi o <strong>de</strong> não ter previsto<br />
a reacção que a tentativa <strong>de</strong> regresso<br />
ao bem-bom <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ira presi<strong>de</strong>ncial<br />
<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>aria - a <strong>de</strong> inveja.<br />
E a inveja é impiedosa, como<br />
se sabe. Aliás, Mário Soares, insistindo<br />
neste erro <strong>de</strong> análise, passou<br />
o tempo todo a sublinhar a "inactivi<strong>da</strong><strong>de</strong>"<br />
e a "impotência" do Presi<strong>de</strong>nte<br />
<strong>da</strong> República. Este facto só<br />
veio realçar a imagem <strong>de</strong> alguém<br />
que se pela por altos cargos, numa<br />
lógica <strong>de</strong> puro <strong>de</strong>leite pessoal e<br />
volúpia. Mais: insistir na falta <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r do Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República,<br />
foi, uma vez mais, ir contra os sinais<br />
do tempo: os portugueses o que<br />
querem mesmo é um Presi<strong>de</strong>nte<br />
que man<strong>de</strong>. Querem obras e acção<br />
- chega <strong>de</strong> conversa.<br />
A imagem diletante <strong>de</strong> um viciado<br />
na política encaixa mal no clima<br />
<strong>de</strong> emergência que reclama,<br />
antes, a atitu<strong>de</strong> ascética, quase sofri<strong>da</strong>,<br />
do <strong>de</strong>ver, do serviço, atitu<strong>de</strong><br />
E Mário Soares, não<br />
tendo ain<strong>da</strong> morrido<br />
<strong>de</strong> facto, era como se<br />
à morte tivesse<br />
superado já e se<br />
houvesse acolhido no<br />
Olimpo <strong>da</strong> nossa<br />
colectiva veneração.<br />
JOSÉ ANTUNES DE SOUSA<br />
Professor Universitário<br />
que o candi<strong>da</strong>to vencedor encarnou<br />
na perfeição.<br />
Mário Soares cometeu ain<strong>da</strong> o<br />
importante erro <strong>de</strong> sobrevalorizar<br />
o fascínio, que julgou irresistível,<br />
<strong>da</strong> sua figura histórica, insinuando-se<br />
como instância <strong>de</strong> apelo <strong>da</strong><br />
própria Pátria. Mas aí exactamente<br />
o seu engano: ou Portugal está<br />
bem e, não precisando propriamente<br />
<strong>de</strong> um salvador, qualquer<br />
um po<strong>de</strong> ser Presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> República,<br />
sem necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um novo<br />
"sacrifício" <strong>de</strong> Mário Soares, ou está<br />
aflito, como é o caso, e precisa mesmo<br />
<strong>de</strong> um salvador - exactamente<br />
aquilo que não se acredita que<br />
ele possa ser.<br />
E alguns erros mais po<strong>de</strong>ríamos<br />
recor<strong>da</strong>r aqui, entre os quais esse,<br />
palmar, <strong>de</strong> querer combater uma<br />
candi<strong>da</strong>tura, a <strong>de</strong> Cavaco, alicerça<strong>da</strong><br />
na aura pessoal, bem para<br />
lá do apoio oficial <strong>de</strong> partidos,<br />
aparecendo tão marca<strong>da</strong> e ostensivamente<br />
i<strong>de</strong>ntificado com o partido<br />
socialista, e <strong>de</strong>le claramente<br />
<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Ou aquele outro, o<br />
<strong>de</strong> diabolizar sistematicamente o<br />
candi<strong>da</strong>to que se sabia incarnar<br />
boa parte <strong>da</strong>s esperanças dos portugueses.<br />
Tudo, porém, erros <strong>de</strong><br />
cálculo e, por isso, menores, quando<br />
comparados com esse erro<br />
essencial - o <strong>da</strong> reincarnação. Explico-me.<br />
Para nós, Mário Soares era assunto<br />
arrumado e bem arrumado, por<br />
sinal, no sossego do nosso coração.<br />
Ele estava já arrendon<strong>da</strong>do em<br />
mito no remanso <strong>da</strong> nossa memória.<br />
E bem sabemos como a morte<br />
é o aliado privilegiado do mito - é<br />
através <strong>de</strong>la que este se fixa.<br />
E Mário Soares, não tendo ain<strong>da</strong><br />
morrido <strong>de</strong> facto, era como se<br />
à morte tivesse superado já e se<br />
houvesse acolhido no Olimpo <strong>da</strong><br />
nossa colectiva veneração. Ele estava<br />
já <strong>de</strong>sincarnado <strong>da</strong> temporali<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
nesse cimo pairante don<strong>de</strong><br />
nos comtemplava em paz com a<br />
história, quando, imprevistamente<br />
e em sobressalto, <strong>de</strong>cidiu reicarnar<br />
e regressar ao trépido enxovalhante<br />
<strong>da</strong> nossa quotidiani<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
misturando-se com os fantasmas<br />
<strong>de</strong> que ele, a seu tempo e <strong>de</strong> forma<br />
privilegia<strong>da</strong>, se libertara já. Decidindo<br />
reeditar postumamente um<br />
capítulo <strong>de</strong> uma vi<strong>da</strong> que já nos<br />
anais dourados <strong>da</strong> história se fixara,<br />
ele arrancou-se ao aconchego<br />
beatífico dos vencedores e precipitou-se<br />
no tumulto <strong>de</strong> um tempo<br />
que já o não reconhece. É um equívoco<br />
trágico, um erro fatal. Porque<br />
os vivos não apreciam o regresso<br />
dos mortos - e pela razão simples<br />
<strong>de</strong> que sabem que é só o fantasma<br />
<strong>de</strong>les o que regressa.<br />
<strong>Os</strong> portugueses, contrariamente<br />
ao que se diz, não vivem<br />
na ânsia <strong>de</strong> um regresso sebástico<br />
- <strong>de</strong>sejam e veneram D.<br />
Sebastião só e na exacta medi<strong>da</strong><br />
em que sabem que ele não<br />
regressará nunca. ■<br />
Esta semana pensei<br />
em escrever<br />
sobre a cultura em<br />
<strong>Leiria</strong>. Até aqui<br />
tudo bem. De<br />
repente penso,<br />
escrever sobre cultura…mas o<br />
quê, em <strong>Leiria</strong>? E <strong>da</strong>qui parti para<br />
uma breve e <strong>de</strong>feituosa investigação<br />
sobre associações culturais<br />
em <strong>Leiria</strong>. Numa primeira<br />
pesquisa pelo Google, encontrei<br />
alguns registos, sobretudo ligados<br />
a associações <strong>de</strong>sportivas<br />
que, estatutariamente, incluem<br />
a cultura na sua <strong>de</strong>signação;<br />
encontrei também alguns blogs;<br />
mas pouco mais… Bem sei que<br />
nem todos estamos nessa gran<strong>de</strong><br />
al<strong>de</strong>ia global que é a Internet.<br />
Então segui para as Páginas<br />
Amarelas (perdoem-me a publici<strong>da</strong><strong>de</strong>)<br />
e fiz nova pesquisa: na<strong>da</strong>.<br />
Existem associações <strong>de</strong> pais, associações<br />
espíritas, associações <strong>de</strong>sportivas<br />
diversas, etc, mas na<strong>da</strong><br />
<strong>de</strong> associações culturais. Repetindo<br />
a pesquisa com Cal<strong>da</strong>s <strong>da</strong><br />
Rainha, Marinha Gran<strong>de</strong> ou Alcobaça,<br />
o cenário mu<strong>da</strong>. Em <strong>Leiria</strong><br />
ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, acontece ain<strong>da</strong> outro<br />
fenómeno interessante: 2 ou 3<br />
associações têm o mesmo en<strong>de</strong>reço<br />
e o mesmo contacto telefónico.<br />
Imagino que aqui resi<strong>da</strong><br />
alguma tentativa <strong>de</strong> lobbie associativo,<br />
não sei se mais ou menos<br />
bem sucedi<strong>da</strong>, mas real. Este<br />
assunto <strong>da</strong>ria sem dúvi<strong>da</strong> um<br />
novo artigo… Fica para uma próxima.<br />
Voltando à questão que me<br />
proponho analisar. PORQUE TEM<br />
LEIRIA (CIDADE) TÃO GRANDE<br />
DÉFICE DE EVENTOS CULTU-<br />
RAIS? De uma forma mais<br />
comum, sem gran<strong>de</strong>s consi<strong>de</strong>rações<br />
sociológicas, parece-me<br />
po<strong>de</strong>r atribuir parte <strong>de</strong>sse défice<br />
<strong>de</strong> eventos culturais ao po<strong>de</strong>r<br />
político. Sem dúvi<strong>da</strong>, a dinamização<br />
<strong>da</strong> cultura parte dos órgãos<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Mas não me parece que<br />
a resposta fique por aí. Ou será<br />
o po<strong>de</strong>r político tão mais dinâmico<br />
nas Cal<strong>da</strong>s, na Marinha ou<br />
em Alcobaça? Mais uma vez, não<br />
me parece. Parece-me sim que a<br />
diferença está nas pessoas e nessas<br />
pessoas estamos todos incluídos.<br />
Note-se que entendo aqui<br />
eventos culturais no seu senti-<br />
| O p i n i ã o |<br />
Parece que estamos todos fechados no armário…<br />
Dizemos muito mal,<br />
claro está, mas não<br />
nos levantamos.<br />
Estamos<br />
continuamente à<br />
espera que alguém<br />
o faça por nós ou<br />
faça mal para<br />
po<strong>de</strong>rmos criticar a<br />
seguir.<br />
PATRÍCIA ERVILHA<br />
patricia@saberser.com<br />
do mais lato, não me refiro apenas<br />
a acontecimentos mais ou<br />
menos intelectuais para minorias.<br />
Refiro-me a to<strong>da</strong>s aquelas<br />
manifestações que "o homem<br />
acrescenta ao meio", como nos<br />
ensinam nos livros.<br />
Por razões que não consigo<br />
<strong>de</strong> forma alguma explicar, na<br />
ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong>, perdoem-me as<br />
poucas associações que existem<br />
e que reconheço, a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
cívica está aquém do esperado.<br />
E com isto, refiro-me à capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> iniciativa dos ci<strong>da</strong>dãos,<br />
<strong>de</strong> todos, dos mais novos, dos <strong>de</strong><br />
média i<strong>da</strong><strong>de</strong> e dos mais velhos,<br />
ninguém escapa a esta espécie<br />
<strong>de</strong> inércia cultural que se instalou.<br />
Parece-me que sofremos<br />
todos do síndroma do armário,<br />
estamos todos lá fechados a<br />
olhar para o nosso umbigo e<br />
para os dos que nos ro<strong>de</strong>iam.<br />
Dizemos muito mal, claro está,<br />
mas não nos levantamos. Estamos<br />
continuamente à espera<br />
que alguém o faça por nós ou<br />
faça mal para po<strong>de</strong>rmos criticar<br />
a seguir. Não me parece ser<br />
esta a atitu<strong>de</strong> interessante para<br />
uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> capital <strong>de</strong> distrito.<br />
A cultura <strong>de</strong>ve ser dinâmica,<br />
activa, plural, heterogénea,<br />
umas vezes para pequenas minorias,<br />
outras para gran<strong>de</strong>s maiorias.<br />
A cultura <strong>de</strong>ve ser um<br />
fenómeno que nos envolva a<br />
todos. E, i<strong>de</strong>almente, ca<strong>da</strong> vez<br />
que temos uma i<strong>de</strong>ia, no café,<br />
em casa, no trabalho, mais ou<br />
menos brilhante, <strong>de</strong>vemos fazer<br />
um esforço para a por na prática.<br />
Então, se não conseguirmos,<br />
po<strong>de</strong>mos falar nas barreiras,<br />
na burocracia, na falta<br />
<strong>de</strong> apoios… ao contrário, se<br />
nem sequer tentarmos, restanos<br />
o silêncio. É aqui que começa<br />
o espírito <strong>de</strong> iniciativa <strong>de</strong><br />
que tanto se fala, é na capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
para nos organizarmos e<br />
construirmos coisas, diversas,<br />
que abanem a ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, que mostrem<br />
que estamos vivos e atentos<br />
e que queremos mais e po<strong>de</strong>mos<br />
exigir porque ca<strong>da</strong> um <strong>de</strong><br />
nós dá o exemplo. Esta seria<br />
sem dúvi<strong>da</strong> uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> mais<br />
rica, naquilo que temos <strong>de</strong><br />
melhor: as pessoas. ■