16.06.2015 Views

Os caminhos da reforma - Jornal de Leiria

Os caminhos da reforma - Jornal de Leiria

Os caminhos da reforma - Jornal de Leiria

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

| JORNAL DE LEIRIA | SOCIEDADE |<br />

2 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2006 | 5<br />

Uma crise cardíaca, que o <strong>de</strong>ixou<br />

“às portas <strong>da</strong> morte”, obrigou-o<br />

a abran<strong>da</strong>r o ritmo. Hoje,<br />

levanta-se às sete e inicia as consultas<br />

às 9 horas. Aten<strong>de</strong> em<br />

média 15 utentes e às 14 horas<br />

já está a entrar no carro que o<br />

levará a percorrer várias empresas<br />

on<strong>de</strong> presta serviços <strong>de</strong> medicina<br />

e higiene no trabalho.<br />

“Antes <strong>da</strong> doença era eu que<br />

conduzia, mas agora disponibilizaram-me<br />

um motorista”, conta<br />

o clínico, que por volta <strong>da</strong>s 17<br />

horas, se senta à mesa do seu<br />

consultório para elaborar os relatórios<br />

referentes à medicina nas<br />

empresas. “A i<strong>da</strong><strong>de</strong> afastou os<br />

pacientes privados”, reconhece,<br />

assegurando, no entanto, que se<br />

sente na “plena posse” <strong>da</strong>s suas<br />

facul<strong>da</strong><strong>de</strong>s para exercer a activi<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Caso contrário, diz, já se<br />

teria afastado, embora tema o<br />

dia em que isso aconteça. “Vai<br />

ser muito complicado encarar o<br />

dia em que tiver <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r à<br />

perguntar: o que vou fazer agora?”,<br />

admite, afirmando que o<br />

trabalho lhe tem <strong>da</strong>do saú<strong>de</strong>.<br />

FUGIR AOS BANCOS<br />

DE JARDIM<br />

Foi “sem dramas” que A<strong>de</strong>lino<br />

Simões <strong>de</strong>ixou, há quatro anos,<br />

a gerência <strong>de</strong> um balcão bancário,<br />

para se <strong>reforma</strong>r. Tinha 63<br />

anos e trabalhava em média 12<br />

horas por dia. Para evitar o “choque”,<br />

planeou ao pormenor o seu<br />

afastamento. Marcou uma viagem<br />

e visitas a amigos e familiares.<br />

De regresso a casa, passou a<br />

<strong>de</strong>dicar-se à bricolage, aprofundou<br />

os conhecimentos informáticas<br />

e tornou-se um utilizador<br />

regular <strong>de</strong> Internet. Descobriu<br />

ain<strong>da</strong> o prazer <strong>da</strong> escrita, iniciando<br />

a re<strong>da</strong>cção <strong>da</strong> biografia<br />

do seu pai, uma missão que lhe<br />

tem ocupado muitas horas, com<br />

a recolha <strong>de</strong> informação. “Passo<br />

horas a ouvi-lo”, conta ex-bancário,<br />

que, em 2003, esteve na<br />

fun<strong>da</strong>ção do Banco Alimentar <strong>de</strong><br />

<strong>Leiria</strong>-Fátima, instituição a que<br />

actualmente presi<strong>de</strong>.<br />

“A vi<strong>da</strong> tem-me corrido relativamente<br />

bem e sinto-me realizado<br />

por <strong>da</strong>r algo <strong>de</strong> mim a<br />

outros menos bafejados pela sorte”,<br />

explica A<strong>de</strong>lino Simões, que,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>reforma</strong>do, impôs a si<br />

próprio levantar-se <strong>de</strong>pois <strong>da</strong>s<br />

8:30 <strong>da</strong> manhã, hora a que normalmente<br />

entrava ao serviço no<br />

banco, para se convencer que<br />

“na<strong>da</strong> tinha a ver com a activi<strong>da</strong><strong>de</strong>”.<br />

Tem um lista <strong>de</strong> tarefas<br />

para <strong>de</strong>sempenhar ao longo do<br />

dia, estabelecendo priori<strong>da</strong><strong>de</strong>s,<br />

<strong>de</strong> forma a não se sentir obrigado<br />

a cumpri-las na íntegra, e não<br />

dispensa as caminha<strong>da</strong>s diárias<br />

com a mulher.<br />

A <strong>reforma</strong> tem servido também<br />

para A<strong>de</strong>lino Simões pôr fim<br />

a “alguns <strong>de</strong>scuidos” com a saú<strong>de</strong>,<br />

resolvendo situações que foi<br />

adiando, por alega<strong>da</strong> falta <strong>de</strong><br />

tempo. “Procuro ocupar-me o<br />

máximo possível, com coisas que<br />

me dão prazer, e fujo dos bancos<br />

<strong>de</strong> jardim”, remata. ■<br />

Alexandra Barata<br />

Maria Anabela Silva<br />

Aca<strong>de</strong>mia <strong>da</strong> Cultura<br />

Reformados ensinam <strong>reforma</strong>dos<br />

Concor<strong>da</strong> com o alargamento<br />

<strong>da</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>reforma</strong> para os 65<br />

anos?<br />

Em certa medi<strong>da</strong>, sim. Felizmente,<br />

o aumento <strong>da</strong> esperança<br />

média <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> é uma reali<strong>da</strong><strong>de</strong>. As<br />

mesmas condições (avanço <strong>da</strong> medicina<br />

e saú<strong>de</strong>, «o habitat» natural,<br />

ambiente, etc.) que criaram esse<br />

aumento proporcionaram condições<br />

para que a gran<strong>de</strong> maioria <strong>da</strong>s<br />

pessoas, com essa i<strong>da</strong><strong>de</strong>, esteja<br />

capaz <strong>de</strong> continuar a vi<strong>da</strong> activa.<br />

Numa socie<strong>da</strong><strong>de</strong> prepara<strong>da</strong> para o<br />

lazer e o gozo salutar do ócio, po<strong>de</strong>rse-ia<br />

dizer que, então, era chegado<br />

o momento <strong>de</strong> gozar a vi<strong>da</strong> sem<br />

as obrigações <strong>de</strong> trabalho. Porém,<br />

no nosso país, ou até em países<br />

como o nosso, sem riqueza para<br />

esse luxo, com um sistema <strong>de</strong> segurança<br />

social ameaçado financeiramente,<br />

e com uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> não<br />

organiza<strong>da</strong> para essas vivências, a<br />

súbita paragem <strong>de</strong> activi<strong>da</strong><strong>de</strong> até<br />

po<strong>de</strong> ser contraproducente e contribuir<br />

para a precipita<strong>da</strong> «invali<strong>de</strong>z»<br />

social, moral e humana <strong>da</strong>s<br />

pessoas. O aumento <strong>da</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

RICARDO GRAÇA<br />

Cria<strong>da</strong> em 1999, a Aca<strong>de</strong>mia <strong>da</strong> Cultura conta hoje com cerca <strong>de</strong> 100 alunos<br />

<strong>reforma</strong>, parecendo injusto pelas<br />

expectativas <strong>da</strong>s pessoas e do pecúlio<br />

«obrigatório» que foram <strong>de</strong>scontando<br />

para usufruírem <strong>de</strong> uma<br />

<strong>de</strong>scansa<strong>da</strong> <strong>reforma</strong>, até po<strong>de</strong> ser<br />

um bem.<br />

Tendo em conta que as pessoas<br />

se aposentam ca<strong>da</strong> vez mais<br />

tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que maneira é que isso<br />

influencia a forma como encaram<br />

a <strong>reforma</strong>?<br />

Não basta modificar a lei. Será<br />

A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> criar a Aca<strong>de</strong>mia<br />

<strong>da</strong> Cultura, que completa em Março<br />

sete anos <strong>de</strong> existência, começou<br />

a formar-se antes <strong>de</strong> se ter<br />

<strong>reforma</strong>do, aos 70 anos. Helena<br />

Carvalhão, professora <strong>de</strong> Filosofia<br />

na Escola Secundária Francisco<br />

Rodrigues Lobo, em <strong>Leiria</strong>,<br />

conta que as amigas manifestavam<br />

“quase pavor” em relação à<br />

<strong>reforma</strong>. Embora não partilhasse<br />

<strong>de</strong>sse sentimento, sentia que<br />

em <strong>Leiria</strong> não existia nenhum<br />

projecto vocacionado para as<br />

pessoas que tinham <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong><br />

ter uma vi<strong>da</strong> activa.<br />

Já com a Aca<strong>de</strong>mia <strong>da</strong> Cultura<br />

em mente, <strong>de</strong>cidiu bater à porta<br />

<strong>de</strong> alguns colegas, alguns dos<br />

quais também <strong>reforma</strong>dos, para<br />

lhes pedir para colaborar no projecto<br />

em regime <strong>de</strong> voluntariado.<br />

O apoio recebido <strong>de</strong>u-lhe força<br />

para prosseguir com o projecto,<br />

que arrancou em 1999 com 25<br />

alunos.<br />

Quase sete anos <strong>de</strong>pois, o sucesso<br />

<strong>da</strong> iniciativa é comprovado<br />

pelo número crescente <strong>de</strong> alunos,<br />

que atinge actualmente cerca<br />

<strong>de</strong> 100, e pelo alargamento<br />

<strong>da</strong>s activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. À Filosofia, História,<br />

Animação <strong>de</strong> textos, Arte<br />

musical e Literatura portuguesa<br />

juntou-se o Inglês, as Artes plásticas,<br />

a Geografia, as Teorias religiosas<br />

e a Dança. “Há uma preocupação<br />

<strong>de</strong> haver outras activi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

além <strong>da</strong>s curriculares”,<br />

justifica.<br />

Aliás, mesmo as aulas têm<br />

pouco <strong>de</strong> convencional, já que<br />

são encara<strong>da</strong>s como um espaço<br />

<strong>de</strong> transmissão e troca <strong>de</strong> conhecimentos.<br />

Com alunos <strong>de</strong> <strong>Leiria</strong>,<br />

Marinha Gran<strong>de</strong> e Pombal, Helena<br />

Carvalhão garante que este<br />

projecto contribuiu não só para<br />

ocupar pessoas <strong>reforma</strong><strong>da</strong>s como<br />

os próprios professores que se<br />

encontravam na mesma situação.<br />

Além <strong>da</strong>s aulas, promovem<br />

convívios e visitas <strong>de</strong> estudo.<br />

Paquete <strong>de</strong> Oliveira, sociólogo<br />

A <strong>reforma</strong> não significa proclamar-se<br />

«inválido» antes do tempo<br />

necessário criar uma outra mentali<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

convencer as pessoas que<br />

<strong>reforma</strong> não significa proclamarse<br />

«inválido» antes do tempo. Num<br />

país tão necessitado <strong>de</strong> aumentar<br />

produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, aqueles que têm<br />

mais <strong>de</strong> 65 anos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não<br />

atrasem a entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> outros na vi<strong>da</strong><br />

activa, po<strong>de</strong>riam concorrer muito<br />

para aju<strong>da</strong>r o país a sair <strong>de</strong>sta cepa<br />

torta.<br />

O período <strong>de</strong> <strong>reforma</strong> é vivido<br />

como uma oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

concretizar novos projectos ou<br />

como a angústia <strong>de</strong> quem está<br />

próximo do fim?<br />

Para gran<strong>de</strong> parte <strong>da</strong>s pessoas,<br />

face às condições <strong>de</strong> <strong>reforma</strong> ou<br />

pela sua mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> ou grau <strong>de</strong><br />

cultura, essa situação po<strong>de</strong> representar<br />

a «angústia <strong>de</strong> um fim próximo».<br />

É um estado mental que<br />

importa contrariar. A nova condição<br />

do prolongamento dos anos<br />

<strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>veria constituir uma oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

para novos projectos. Mas<br />

por falta <strong>de</strong> meios ou <strong>de</strong> formação<br />

cultural serão poucos aqueles que<br />

O facto <strong>de</strong>, no primeiro ano <strong>de</strong><br />

activi<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma <strong>da</strong>s alunas ter<br />

dito que acabou com os tranquilizantes,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que começou<br />

a ir às aulas, é um sinal evi<strong>de</strong>nte<br />

para Helena Carvalhão <strong>de</strong> que<br />

valeu a pena. ■<br />

Concor<strong>da</strong> com alargamento <strong>da</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> <strong>reforma</strong> para os 65 anos e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que, num país tão<br />

necessitado <strong>de</strong> aumentar produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, aqueles que têm mais <strong>de</strong> 65 anos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que não<br />

atrasem a entra<strong>da</strong> <strong>de</strong> outros na vi<strong>da</strong> activa, po<strong>de</strong>riam “concorrer muito para aju<strong>da</strong>r o país a<br />

sair <strong>de</strong>sta cepa torta”.<br />

AB<br />

fazem <strong>da</strong> «terceira i<strong>da</strong><strong>de</strong>» uma «quarta<br />

i<strong>da</strong><strong>de</strong>».<br />

Mulheres e homens vivem a<br />

<strong>reforma</strong> <strong>de</strong> foram diferente?<br />

Provavelmente. Depen<strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

experiência <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> que tiveram,<br />

<strong>da</strong> activi<strong>da</strong><strong>de</strong> ou ofício que <strong>de</strong>sempenharam,<br />

do ambiente familiar<br />

ou social <strong>de</strong> que usufruíram. Mas<br />

preparar as pessoas para a «quarta<br />

i<strong>da</strong><strong>de</strong>» é uma tarefa que <strong>de</strong>veria<br />

fazer parte <strong>de</strong> um planeamento<br />

<strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> saudável.<br />

Ser <strong>reforma</strong>do em Portugal é<br />

diferente <strong>de</strong> ser <strong>reforma</strong>do noutros<br />

países <strong>da</strong> Europa?<br />

Mentalmente, quando faltam as<br />

condições materiais, culturais, sociais,<br />

é capaz <strong>de</strong> ser igual. O que acontece,<br />

é que em países ricos e com<br />

<strong>reforma</strong>s que dão para começar<br />

uma «outra i<strong>da</strong><strong>de</strong>» é mais fácil. Mas<br />

também nisto, não é o dinheiro o<br />

único elixir <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Saber confrontar-se<br />

com o envelhecimento<br />

é uma atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> boa saú<strong>de</strong> mental<br />

e <strong>de</strong> bom clima social. ■ MAS

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!